labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

 

FEMINISMOS NO BRASIL:ENUNCIANDO E CANALIZANDO DEMANDAS DAS MULHERES EM SUA DIVERSIDADE[1]

Cecilia M. B. Sardenberg

Ana Alice Alcântara Costa

 

RESUMO


Neste trabalho, discutimos alguns dos caminhos pelos quais os feminismos no Brasil têm respondido ao desafio de avançar na pauta da justiça de gênero ampliando um conjunto de direitos constitucionais e ao mesmo tempo garantindo a implementação de políticas públicas em um contexto de total diversidade. Desafio também no sentido de entender e ter respostas para as profundas desigualdades de gênero, raça, classe, gerações e até mesmo das imensas diferenciações regionais que definem nosso país e que devem estar contempladas na implementação de demandas por parte do feminismo. Nosso enfoque recai inevitavelmente na relação do feminismo com o Estado, não só um possível aliado mas o principal condutor na implementação dos processos de transformação. Discutimos essa relação a partir de reflexões sobre a Conferência de Mulheres Brasileiras, de 2002, de iniciativa do movimento feminista, e sobre a I e II Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres em 2004 e 2007, respectivamente, convocadas pelo Governo.

Palavras-chave: feminismos, direitos,diferenças

 

Nas últimas quatro décadas, movimentos feministas e de mulheres no Brasil têm avançado na pauta da justiça de gênero, garantindo a aprovação de importantes direitos constitucionais e a implementação de políticas públicas voltadas para mulheres (Sardenberg e Costa 2010). No entanto, nossas lutas ainda acontecem em um contexto de profundas desigualdades sociais, culturais, econômicas e políticas, de sorte que nem todas as mulheres podem se beneficiar igualmente de nossas conquistas coletivas. Os efeitos combinados do sexismo, racismo, lesbofobia, etarismo e outras matrizes similares de desigualdade e dominação, em ação nesta sociedade de classe profundamente hierárquica, têm exacerbado as disparidades entre as mulheres – mesmo quando as desigualdades entre homens e mulheres têm sido reduzidas. Isso significa que, junto com a luta pela igualdade de gênero, nós, mulheres, devemos também nos engajar nas diferentes lutas por justiça social e econômica em outras arenas. Como resultado, os feminismos no Brasil devem lidar não somente com tensões resultantes de desigualdades existentes entre nós, mas também com a tarefa de planejar estratégias apropriadas para enunciar e canalizar demandas muito diversas das mulheres.

Neste trabalho, discutimos alguns dos caminhos pelos quais os feminismos no Brasil têm respondido a esse desafio. Nosso enfoque recai, mais de perto, nas conferências nacionais para mulheres que foram realizadas na última década – a Conferência de Mulheres Brasileiras de 2002, e a I e II Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres em 2004 e 2007, respectivamente – examinando seus produtos: a Plataforma Política Feminista e o I e II Plano de Políticas Públicas para Mulheres. Defendemos que o caráter participativo desses eventos, que mobilizaram cerca de 300 mil mulheres em todo o país, permitiu a formulação de políticas mais democráticas para mulheres. Essas políticas reconhecem a diversidade de experiências e identidades, levam em consideração as desigualdades existentes entre mulheres, e procuram atender às necessidades e demandas dos segmentos  menos privilegiados. Mais importante, ao redefinir as lutas feministas para incorporar essas demandas específicas, os feminismos brasileiros estão sendo revitalizados. Isso demonstra que colocar em prática o que Anna Jónasdóttir chama “[…] solidariedade diferenciada entre mulheres, uma solidariedade construída sobre a consciência tanto de interesses comuns como de interesses diferentes” (Jónasdóttir e Stevens, 2009:18), é fundamental para se promover as lutas feministas nas sociedades capitalistas contemporâneas.

Esse ponto é crucial, particularmente quando se leva em conta avaliações dos movimentos feministas e de mulheres na América Latina. Há uma década, Nikki Craske lamentou que a natureza mutante do Estado na Região funcionava como fator de dispersão para os movimentos sociais. “Nos anos 1990s”, ela afirmou, “é crescentemente difícil falar de um ‘movimento de mulheres’. Mais propriamente, ele é diverso, plural e complexo, tanto quanto seus diferentes elementos constitutivos buscam meios para avançar seus objetivos no novo terreno institucional” (Craske 2000:5). Preocupada com o que via como o enfraquecimento da “capacidade de mobilização do movimento de mulheres”, e observando que uma mudança estava ocorrendo na relação entre movimentos de mulheres e o Estado, Craske afirmou: “Houve um deslocamento do fazer demandas ao Estado, para negociações em seu interior” (2000:6). Na sua avaliação, esse deslocamento veio acompanhado por – e estimulando, por sua vez – uma proliferação de ONGs como grupos profissionais, surgindo como “atrizes centrais no movimento de mulheres, quase ao ponto de estarem se tornando porta-vozes para outras atrizes cujas vozes estão sendo abafadas” (2000:6). Visões semelhantes têm sido defendidas por outras autoras e autores, muitos argumentando que os “movimentos de mulheres [latino-americanos] no período pós-transição parecem altamente dispersos” (Razavi 2000:30), ou com disparidades entre grupos profissionais, de um lado, e mulheres trabalhadoras, de outro (Lebon 1997). Razavi (2000:39) fala de um movimento de mulheres bastante “difuso”, enfatizando que: 

“(…) com a consolidação dos processos ‘normais’ de democracia dominados pelos partidos políticos, movimentos de mulheres (como outros movimentos sociais) têm sido crescentemente marginalizados e dispersados. O fato de que a identidade de gênero das mulheres não é sempre transparente ou primária efetivamente significa que mulheres raramente atuam como um bloco. Isso faz com que seja extremamente difícil estabelecer instâncias mais altas de concertação. Está então provado que é muito mais difícil organizar mulheres na defesa de seus interesses do que mobilizar contra a ordem autoritária”. (Razavi 2000:39).

Neste trabalho, argumentamos que, como outros movimentos sociais no Brasil, os movimentos feministas e de mulheres também vivenciaram um declínio durante o início dos anos 1990, mas de pequena duração. De fato, em 1995, as feministas já estavam novamente bastante ativas  dentro dos movimentos sociais, articulando redes e coalizões em preparação para a IV Conferência Mundial sobre  Mulheres em Beijing (Sardenberg e Costa 2010).  Na verdade, esses últimos quinze anos têm sido bastante ativos para a organização de mulheres no Brasil em conexão com as três principais conferências nacionais para mulheres, que serão examinadas neste trabalho. Como será visto adiante, durante esse período, o feminismo no Brasil também ampliou seu âmbito de ação, diversificando suas fileiras nesse processo. Em vez de enfraquecer o movimento, esse processo o fortaleceu (Ribeiro 2006).  

Escrevendo sobre as relações entre os movimentos feministas e de mulheres em meados dos anos 1990, Soares et al (1995:309-310) já reconheciam a heterogeneidade dos movimentos de mulheres no Brasil, observando que ela refletia “(…) as muitas dimensões da subordinação das mulheres, bem como a diversidade social, cultural, étnica e geracional de seus participantes”. Mais adiante Soares et al também enfatizaram que, além de ser heterogêneo, os movimentos de mulheres no Brasil eram também “espontâneos”, o que levava a “(…) uma variada presença na arena nacional às vezes de demandas ambíguas e contraditórias”. Seguindo as considerações de Vargas (1992), as autoras desenvolveram que, apesar da diversidade, os movimentos de mulheres tinham como terreno comum “a descoberta de uma identidade comum como mulheres e a ênfase no cotidiano”. Contudo elas realçaram que: “Cada segmento do movimento de mulheres pode ser analisado como um movimento social em si mesmo, com sua própria dinâmica e modos de expressão. Esses segmentos se cruzam, se inter-relacionam, e, às vezes, conflitam” (Soares et al 1995:310).

Muitos anos já se passaram desde a análise de Soares et al; mesmo assim, suas observações continuam válidas no que concerne ao “movimento de mulheres” no Brasil. E ainda é válido dizer que o movimento feminista é “apenas uma expressão de um movimento de mulheres mais amplo” (Soares et al 1995:310). Todavia, como esperamos demonstrar neste trabalho, tem se tornado crescentemente mais difícil definir fronteiras e limites entre um e outro em termos das pessoas envolvidas, à medida que feministas atuam e inserem suas demandas em todas as “expressões” que constituem aquele movimento mais abrangente. Da mesma forma, o movimento feminista também se expandiu consideravelmente, ampliando, suas asas e incluindo um número cada vez maior de mulheres de outros segmentos do movimento de mulheres mais amplo, razão pela qual melhor seria pensarmos em feminismos, assim mesmo, no plural (Sardenberg e Costa 2010). 

Feminismos no Brasil: o passado recente

O ativismo das mulheres no Brasil tem se manifestado em um amplo espectro de movimentos sociais. No entanto entendemos por movimentos de mulheres somente aqueles que se centram em interesses baseados no gênero, ou como nas palavras de Maxine Molyneux (2003:231-232), somente “aqueles que surgem de relações sociais e posicionamentos dos sexos e, portanto, concernentes, mas de formas específicas, tanto a homens como a mulheres.” De acordo com Molyneux, os interesses das mulheres podem ser ainda diferenciados como “práticos” e “estratégicos”. Os primeiros são definidos como aqueles interesses “baseados na satisfação de necessidades que surgem da posição das mulheres na divisão sexual do trabalho”. Os últimos, por sua vez, envolveriam “demandas de transformação das relações sociais para melhorar a posição das mulheres e assegurar um reposicionamento mais duradouro das mulheres dentro da ordem de gênero e dentro da sociedade como um todo” (ibid., 232). Seguindo essa distinção, definimos movimentos feministas como aqueles que estão centrados nos interesses estratégicos de gênero das mulheres, reconhecendo, contudo, que esses interesses são sempre definidos contextualmente, variando no tempo e espaço, tanto social como geográfico.

Sabe-se que os feminismos contemporâneos emergiram no Brasil no contexto das lutas democráticas e resistência contra o regime militar que chegou ao poder com o golpe de 1964.  O movimento feminista era parte de um amplo e heterogêneo movimento que articulava as lutas contra a opressão das mulheres na sociedade com a batalha pela redemocratização do País. Os discursos estratégicos das mulheres eram diluídos nos discursos dos outros movimentos sociais contra o Estado, materializado no regime militar ditatorial como o inimigo comum a ser enfrentado. Apesar disso, as organizações feministas que emergiram naquele período empenharam-se em alargar o debate sobre a desigualdade de gênero, trazendo novas questões para o debate público, tais como, a violência doméstica, direito ao prazer, a discriminação sofrida por mulheres na força de trabalho e sua exclusão das esferas de tomada de decisões (Costa 2010). Isso implicou  a redefinição do conceito de política para que se pudesse incluir o “pessoal”, pois as práticas cotidianas da vida deveriam ser também consideradas no âmbito do exercício da cidadania, uma perspectiva não facilmente aceita por forças progressistas naquele momento (Alvarez 1990).

Ao fim dos anos 1970, outros importantes movimentos sociais iriam fazer sua aparição no cenário político, também demandando “autonomia” frente aos partidos políticos, como o movimento feminista. Dentre eles estavam os negros, gays, ecológicos, sem terra, bem como o movimento de apoio à demarcação dos territórios indígenas - todos buscando alargar “o terreno político e os conceitos de cidadania, democracia, igualdade e participação” (Pitanguy 2002:2-3).

Os anos 1980 foram o cenário em que o processo de redemocratização do País ocorreu, com os emergentes movimentos sociais jogando um importante papel na elaboração de demandas para o Estado. A anistia aos presos e exilados políticos trouxe de volta ao Brasil ativistas da “esquerda”, e, dentre eles, muitas mulheres que haviam militado em grupos feministas na Europa e Estados Unidos. Elas injetaram novo estímulo para os feminismos no país. Ao mesmo tempo, a reforma partidária abriu o caminho para negociações e alianças com membros de partidos progressistas recém-criados, e, como tal, para o avanço das demandas dos movimentos de mulheres (Pinto 2003).

Nesse novo contexto, as feministas foram bem sucedidas na inclusão de uma agenda feminista para mulheres na política pública e arcabouços normativos (Pitanguy 2002). Dentre esses estava um programa de saúde das mulheres – PAISM, o Programa de Assistência Integral à Saúde das Mulheres – e com ele, iniciou-se um importante e muito necessário diálogo entre funcionários do Ministério da Saúde e ativistas feministas. Além disso, como resultado de negociações na campanha com candidatos de oposição, em 1983 foi criado em São Paulo o primeiro Conselho da Condição Feminina e, logo depois, organismo semelhante  em Minas Gerais. A isso se seguiu a criação, em 1985, da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em São Paulo. Em 1992, já existiam 141  delegacias semelhantes pelo País afora, um número que atualmente extrapola 400, a maior delas hoje conhecidas como Delegacias  Especializadas de Atendimento a Mulheres, ou “DEAMs” (Pinto 2003; Gomes et al 2009).  Embora a criação de conselhos estaduais e municipais dos direitos das mulheres não acompanhado o mesmo ritmo,  é importante destacar a criação, em agosto de 1985 (Lei 7353), do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM, que teve uma atuação muito importante da elaboração da Constituição de  1988.

A participação nos novos órgãos e apoio a essas delegacias da mulher levantaram novos desafios para feministas, particularmente quanto à necessidade de repensar a posição do movimento com relação ao Estado, agora não mais identificado como o “inimigo comum” (Costa 2005). As feministas tinham reconhecido a capacidade do “Estado moderno” de influenciar a sociedade como um todo - e não somente através de meios coercitivos. Ficou evidente que, assim como era importante reconhecer a relevância da legislação progressista, de políticas sociais e econômicas, era também fundamental reconhecer diferentes mecanismos de regulação cultural na educação e processos de comunicação pública e, assim, olhar o Estado como um aliado potencial na transformação da condição das mulheres (Molyneux 2003:68).

O reconhecimento dessa possibilidade levou o movimento a integrar-se na construção de uma mobilização mais ampla para interferir na elaboração da Constituição de 1988. Através de ação direta – identificada pela mídia como o “lobby do batom” – para convencer membros do Parlamento que estariam redigindo a nova Constituição, e com o apoio de um amplo processo de mobilização social e pressão política, as feministas foram capazes de garantir a inclusão de r 80% das demandas das mulheres  na nova Constituição. Naquele momento o apoio do CNDM foi fundamental, dando força à  bancada feminina no Congresso Nacional. Embora consistindo de apenas 26 mulheres eleitas para o mandato legislativo de 1986-1990, representando diferentes partidos políticos, e com apenas uma auto-declarada feminista entre elas, a bancada feminina foi capaz de “estar à altura da ocasião”.  Assumiu uma identidade suprapartidária e apresentou 30 emendas – oriundas do movimento de mulheres - defendendo direitos das mulheres na nova Constituição (Pinto 2003:74-75). Elas tinham como retaguarda grupos de mulheres em todo o País que, sob a coordenação geral do CNDM, atuavam ativamente convencendo os deputados, fazendo mobilizações, participando nas comissões legislativas, e elaborando propostas.. Portanto, não foi surpresa a emergência, nos anos 1980, de novos segmentos próximos ao feminismo dentro do movimento de mulheres mais amplo. No Encontro Nacional Feminista de 1987, por exemplo, cerca de 79% das participantes afirmaram ser ativas nos “sindicatos, movimento negro, associações de moradores, clubes de mães, na igreja e em partidos políticos“ (Soares et al 1995:309). Foi precisamente nesse Encontro Nacional que mulheres negras publicamente reivindicaram um espaço específico para suas lutas, tanto contra o sexismo quanto contra o racismo (Ribeiro 1995).

Deve-se observar que o aumento no número de organismos governamentais de políticas públicas para mulheres, de  (DEAMs), junto com a formulação de políticas públicas específicas para mulheres em outras esferas governamentais, aumentou também a demanda de profissionais especializadas ou com conhecimento sobre gênero e questões das mulheres. Por outro lado, os efeitos das políticas neoliberais, implementadas particularmente na direção do encolhimento do Estado, levaram ao desenvolvimento de um processo de profissionalização entre feministas, que começaram a assumir a tarefa de lobby especializado em favor de políticas para mulheres. Isso, com o tempo, gerou a emergência e posterior proliferação de organizações não governamentais (ONGs) feministas, que assumiram a liderança no lobby de pressão ao Estado, levantando novos desafios e dilemas para movimentos feministas (Alvarez 1998b).

As duas últimas décadas

No início dos anos 1990, as várias modalidades de organizações e identidades feministas se  multiplicaram (Lebon 1997). Mulheres das classes trabalhadoras se articularam através de associações de bairro; trabalhadoras das fábricas, através de departamentos de mulheres de seus sindicatos e centrais nacionais; trabalhadoras rurais, através de suas várias organizações. Esses diferentes segmentos do movimento de mulheres começaram a identificar-se com propostas feministas, constituindo o chamado “feminismo popular”. Além disso, organizações de mulheres negras continuaram a crescer e ampliar a agenda política feminista, re-definindo osparâmetros das próprias lutas feministas, a ponto de podermos falar da “existência de vários feminismos - com pontos de vista , questões centrais, meios de organização e prioridades estratégicas feministas diversas - serem amplamente reconhecidos nos anos 1990” (Alvarez 1994:278).

O crescimento do “feminismo popular” – assim como um feminismo não-branco - teve uma conseqüência fundamental para o movimento de mulheres mais amplo: a diluição das barreiras ideológicas e resistências ao feminismo. Essa diversidade que passou a caracterizar o movimento feminista brasileiro esteve muito presente na preparação do movimento para intervir na IV Conferência Mundial realizada em setembro de 1995 em Beijing,  incorporando amplos setores dos movimentos de mulheres.

Em janeiro de 1994, com apoio do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), a primeira reunião preparatória para Beijing foi realizada, convocada por feministas que já haviam participado em conferências anteriores. Cerca de cem ativistas - representando diferentes fóruns[2] estaduais e municipais, articulações locais, assim como grupos de mulheres de 18 estados – encontraram-se para deliberar sobre a criação de uma coordenação nacional: a Articulação de Mulheres Brasileiras para Beijing 95, a AMB. Esta se tornou responsável por supervisionar, angariar fundos, informar e articular as ações e atividades do movimento para garantir procedimentos democráticos na organização da participação na Conferência de Beijing. Seguindo uma orientação já aplicada em outros países latino-americanos, o foco central da reunião foi aproveitar o momento para avaliar as mudanças ocorridas na condição das mulheres na década anterior, chamar a atenção da sociedade civil para a importância de convenções internacionais sobre direitos das mulheres, e estabelecer nova dinâmica de mobilização para o movimento (Femenías 2007).  Mais importante, o processo preparatório de Beijing trouxe nova energia ao movimento feminista brasileiro, estimulando a criação de fóruns de mulheres locais em cidades onde ainda não existiam ou estavam inativos, a articulação de novas coalizões, novos departamentos de mulheres/gênero em sindicatos e outras instituições da sociedade civil. Como resultado, as reuniões preparatórias para Beijing aconteceram em quase todos os estados, envolvendo mais de 800 organizações de mulheres.

 Além dessa importante conquista em termos de mobilização e organização, o processo de Beijing também contribuiu para uma maior articulação dos movimentos feministas brasileiros com outros feminismos latino-americanos em termos de uma ação comum. Foi a primeira vez que os feminismos latino-americanos participaram de uma conferência mundial como uma rede regional integrada e bem organizada. No entanto, desde os anos 1980 os feminismos latino-americanos têm experimentado uma dinâmica transnacional, através da costura de redes formais e informais, em especial, através dos “encuentros”, isto é, Encontros Feministas Latino-Americanos e Caribenhos (Sternbach et al 1992, Alvarez et al 2002).

A experiência dos feminismos brasileiros nesses e outros espaços transnacionais introduziu novas estratégias e discursos no ativismo nacional (Alvarez 2000, Alvarez 1998a). Com referência a esse processo, Jacqueline Pitanguy observa que:

“Feministas brasileiras, bem como feministas de outros países latino-americanos, têm feito advocacy na arena das Nações Unidas, promovendo redes nos níveis nacional, regional e internacional, no momento em que a linguagem internacional dos direitos humanos é escrita na ONU. Essas feministas participaram de coalizões de ONGs e delegações governamentais durante as conferências da ONU realizadas na década de 1990, nas quais, num surpreendente efeito cumulativo, resultaram na reafirmação de direitos cidadãos das mulheres” (2002:6-7).

Para que isso acontecesse, contribuíram os enormes avanços em tecnologias de informação e comunicação, promovendo em seu caminho o surgimento de “redes” – tanto virtuais como “presenciais” – como uma estratégia organizacional central, utilizada com sucesso pelos feminismos e movimentos de mulheres num contexto global. Durante os anos 1990, um número significativo dessas redes foi articulado no Brasil, muitas delas ainda em funcionamento.[3] 

Uma das consequências mais positivas da presença de feministas brasileiras nesses e outros espaços nacionais/transnacionais – ou talvez, um resultado do que Alvarez (2000:3) identifica como “lógicas de ativistas transnacionais” - é o impulsionar de sua posição, no plano local e nacionalmente, para lutar por políticas públicas para mulheres. Isso é o que Margaret Keck e Kathryn Sikkink  (1998) chamam de “padrão boomerang” de influência, explicado por Alvarez como um tipo de influência

“(…) por meio da qual, coalizões transnacionais de agentes não-governamentais, governamentais e inter-governamentais colocam pressão sobre estados mais poderosos e organizações governamentais internacionais para que estas façam pressão sobre um governo em particular que viola direitos ou resiste à desejada mudança de política.” (2000:3)

De fato, a articulação nacional e transnacional de feministas no processo da Conferência de Beijing  levou à criação, em 2002, da Sedim – Secretaria Nacional dos Direitos das Mulheres, vinculada ao Ministério da Justiça, no último ano de mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma das primeiras tarefas desse órgão foi a elaboração do  relatório do Brasil para a Comissão da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw), tarefa realizada com anos de atraso, incumbindo, para esse propósito, várias ONGs feministas. Isso veio em resposta à mobilização, por parte das ONGs feministas - sob a coordenação da Agende (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento) e do Comitê da América Latina e Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem/Brasil). Estas tinham por objetivo monitorar o processo de ratificação, por parte do governo brasileiro, do Protocolo Facultativo da Cedaw, como parte da campanha mundial “Direitos das Mulheres não são Facultativos”. Embora o artigo 18 da Cedaw afirme que todos os países membro que assinarem a Cedaw (aprovada em 1979 e ratificada pelo governo brasileiro em 1984) devem apresentar relatórios periódicos a cada quatro anos, foi somente em 2002 que o governo brasileiro cumpriu com essa obrigação pela primeira vez. 

Seguindo a prática estabelecida pela Comissão Cedaw, o movimento feminista no Brasil, coordenado pela Agende e Cladem/Brasil, articularam uma rede de 13 outras redes envolvendo mais de 400 entidades, para elaborar o Relatório Alternativo, também conhecido como “Relatório Sombra”. Esse relatório, juntamente com o relatório oficial do País, foi apresentado na 29 a. Sessão da Comissão Cedaw em Nova York, com a presença de representantes das organizações e redes que participaram da elaboração do documento[4].

 

A Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB) e a Plataforma Política Feminista (PPF)

 

A partir de 2001, o processo de mobilização de base do movimento foi novamente colocada em funcionamento com a articulação de diferentes organizações e redes feministas para desenhar a Plataforma Política Feminista (PPF). A idéia da Plataforma surgiu durante o II Fórum Social Mundial em Porto Alegre, quando um grupo de feministas participantes do Planeta Fêmea, um espaço organizado de forma muito semelhante ao da Eco 1992 no Rio, reuniu-se para discutir a participação das mulheres nas eleições presidenciais vindouras.[5] Encontrando inspiração no processo do Lobby do Batom e recordando a Carta aos Constituintes, que havia sido formulada em 1986 com o apoio de grupos feministas em todo o País, elas decidiram que um documento similar deveria ser elaborado. 

Uma Comissão Organizadora Nacional foi então criada para lançar o processo de elaboração da “Carta de Princípios”, um documento básico estabelecendo parâmetros políticos e  delineando os temas centrais sobre as perspectivas das mulheres para uma nova sociedade. O formato das conferências nacionais de saúde, com pré-conferências para eleger delegadas e delegados e discutir planos propostos em nível estadual, serviram como modelo para um processo de discussão mais participativo. A formulação dessa Plataforma envolveu a participação, em conferências estaduais, de mais de cinco mil mulheres atuantes nos fóruns de mulheres locais em todas as grandes cidades do Brasil. Esse processo culminou com a Conferência Nacional de Mulheres em Brasília, em  6 e 7 de junho de 2002, com a presença de duas mil mulheres, quando os resultados e propostas das conferências estaduais foram apresentados e discutidos. A versão final da “Plataforma Política Feminista (PPF)” aprovada por aclamação foi  depois formalmente apresentada para todos os candidatos concorrendo a cargos nacionais e estaduais. 

Esse documento foi publicado em 2002  e amplamente distribuído em todo o País, sendo novamente discutido em fóruns de mulheres locais. Ele abre com a Carta de Princípios, seguida de 269 parágrafos sobre os temas estruturantes centrais, quais sejam: 1. Democracia Política; 2. O Estado Democrático e Justiça Social; 3. Sobre a inserção do Brasil na Arena Internacional; 4. Sobre a Democratização da Vida Social; e 5. Sobre Liberdade Sexual e Reprodutiva. A maior seção, referente à Justiça Social, inclui mais de 160 parágrafos, tratando desde questões sobre os efeitos dos “ajustes estruturais” aprofundando desigualdades sociais, àquelas focalizando a justiça social e o trabalho das mulheres (§ 152 a 172), com uma seção especial sobre o trabalho doméstico das mulheres (§ 173 a 183).

De significado particular são os parágrafos dedicados à justiça racial e étnica (§ 136 a 151), em que feministas brasileiras denunciam as profundas desigualdades existentes:

“§141. Devido ao caráter discriminador presente na sociedade  brasileira, as mulheres negras e indígenas pouco se beneficiaram das conquistas das brasileiras nestes 70 anos. As mulheres negras ainda ocupam a base da pirâmide social: desempenham as profissões consideradas de menor prestígio; apresentam o maior índice de desemprego; e recebem os menores salários dentre a população economicamente ativa, mesmo quando atingem os mesmos níveis educacionais de mulheres e homens brancas/os. As mulheres negras apresentam um índice de analfabetismo três vezes maior do que o das mulheres brancas. As mulheres indígenas permanecem à margem do processo de inclusão social: além de apresentar um alto índice de analfabetismo, são poucas as que têm acesso à ocupação profissional, a não ser aquelas reconhecidas no interior da aldeia” (Comissão Organizadora da CNMB 2002: 36)

De ponta a ponta o PPF expressa a diversidade de meios de vida e, portanto, a necessidade de combater as desigualdades existentes entre mulheres no Brasil, definindo um posicionamento feminista contra o racismo,  lesbofobiaa,  e contra a hierarquia de classe e desigualdades que têm caracterizado a sociedade brasileira.  Como delineado na sua introdução, nos diferentes capítulos que constituem a PPF, são “articuladas as especificidades das lutas de dupla estratégia do feminismo brasileiro, visando tanto reconhecer diferenças e os novos movimentos de mulheres, como [a necessidade de] igualdade, redistribuição da riqueza e justiça social” (Comissão Organizadora da CNMB 2002)

A Conferência e o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres          

Com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva veio a possibilidade de transformar a PPF em políticas para as mulheres de fato. As feministas envolvidas na campanha presidencial e no novo governo tiveram papel importante  na definição, por parte do Presidente Lula, de 2004 como o Ano da Mulher através de lei federal. Como parte dos eventos daquele ano, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPMulheres), criada pelo governo Lula com status de ministério em 2003, organizou a I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (I CNPM), realizada em Brasília, em julho de 2004.

Modelada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras e na elaboração do PPF, a I CNPM mobilizou cerca de trezentas mil mulheres em todo o País em conferências municipais  e estaduais. Aproximadamente duas mil delegadas foram eleitas para a Conferência Nacional, , que teve como propósito estabelecer um diálogo entre a sociedade civil e o governo – para a formulação do I Plano Nacional de Políticas para Mulheres (I PNPM)..

Em todo o País, feministas de diferentes afiliações participaram nesse processo, na expectativa  de  revitalizar o movimento feminista enquanto “ator na cena política nacional”. No entanto, as feministas estavam conscientes do risco de serem usadas “para meramente ilustrar uma participação, com poucos resultados concretos quanto a definições dos planos futuros” (AMB 2004a). Para evitar que se caísse nessa situação, a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) planejou estratégias de participação e intervenção para as feministas. Propôs ampla participação de feministas nas conferências preparatórias nos municípios e estados, de sorte a se garantir o maior número possível de feministas como delegadas  e assim assegurar a incorporação das demandas formuladas na Plataforma Política Feminista no I PNPM. Essa estratégia foi vitoriosa. Em todas, com a exceção de uma das conferências estaduais (a de Minas Gerais), a demanda da legalização do aborto foi aprovada (Sardenberg 2005). Além disso, como uma recomendação para esse Plano, foi aprovada na I CNPM, a

“...posição feminista que afirma a responsabilidade do Estado sobre o financiamento, formulação e gestão das políticas públicas, a articulação entre políticas econômicas e sociais, ambas com caráter distributivo; além da manutenção dos vínculos orçamentários para saúde e educação, a relevância de ações afirmativas e os princípios da igualdade e eqüidade, laicidade do Estado e da intersetorialidade das ações para implementação de políticas públicas, o que exige a participação de todas as áreas de governo” (AMB 2004b).

Ao avaliar os resultados da Conferência, a Articulação de Mulheres Brasileiras  reconheceu que a intervenção feminista foi crucial. Como proclamado em seu site:

“Missão cumprida. Consideramos que muitos dos desafios da Plataforma Política Feminista estão traduzidos em diretrizes para as políticas públicas para mulheres. As delegadas dos movimentos de mulheres e feministas compareceram à I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres afirmando lutas históricas do feminismo, como a autonomia das mulheres e o direito ao aborto. […] 

Trazendo valorosa contribuição à democratização e transformação do Estado brasileiro, as militantes de todos os segmentos dos movimentos de mulheres e feminista conseguiram atuar em composição e de forma articulada, demonstrando nossa grande capacidade de fazer política diante das inúmeras objeções e obstáculos colocados pela correlação de forças entre governos e sociedade, nos distintos planos da federação, em especial no contexto de governos cujas forças políticas hegemônicas não têm qualquer compromisso com a justiça e a democracia.” (AMB 2004b).

De acordo com a Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 239 propostas foram aprovadas na Conferência, posteriormente traduzidas em 199 ações pelo Comitê que elaborou o I PNPM. Esse Comitê foi constituído por representantes dos diferentes ministérios, assim como pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), e diferentes instâncias de mulheres em todo o País, que trabalharam juntos durante três meses para consolidar o Plano. Ele foi lançado em 8 de dezembro de 2004, com prazo de efetividade até 2007, quando uma nova conferência seria realizada. 

De fato, em agosto de 2007, com o objetivo de fazer ajustes e avançar na implementação desse Plano, a II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (II CNPM) foi realizada, envolvendo processos preparativos similares à anterior. Dessa vez um total de 2.559 delegadas foram eleitas nas 600 conferências municipais, regionais e estaduais que foram parte desse processo, implicando, mais uma vez, no envolvimento direto e/ou indireto de mais de trezentas mil mulheres em todo o País. 

No documento final resultante da II CNPM, algumas conquistas importantes - como o lançamento do “Pacto contra a Violência” e a aprovação da abrangente legislação para combater a violência conhecida como “Lei Maria da Penha” - foram reconhecidas e reafirmadas. A demanda pela legalização do aborto também foi reafirmada, por uma ampla margem (Sardenberg 2007). Dentre as novas recomendações para o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres (II PNPM), os pontos abaixo merecem atenção especial, por seu caráter feminista:

·        “Fomentar e implementar políticas de ação afirmativa como um instrumento necessário para o total exercício dos direitos fundamentais e liberdade de distintos grupos de mulheres;

·        Promover o equilíbrio de poder entre homens e mulheres em termos de recursos econômicos, direitos legais, participação política e relações interpessoais;

·        Combater as distintas formas de apropriação e exploração do corpo e vidas das mulheres e o consumo de imagens estereotipadas de mulheres;

·        Reconhecer a violência de gênero, racial e étnica como tipos estruturais e históricos de violência que expressam a opressão das mulheres e a necessidade de serem tratadas como questões de segurança pública, justiça e saúde (BRASIL/SPM 2008:30).”

Note-se , também que o II CNPM incluiu a questão de “Gênero e Poder” nas discussões que iriam servir de base para a elaboração do II PNPM. Feministas conseguiram  garantir a inclusão, nesse documento, do princípio de que “ampliar a participação das mulheres no poder e nas esferas de tomada de decisões é trabalhar pela consolidação e aperfeiçoamento da democracia brasileira (BRASIL/SPM 2008:118).” 

Na introdução da apresentação desse Plano, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres abertamente declara que o II PNPM “expressa a vontade política do Governo Federal em reverter os padrões de desigualdade entre mulheres e homens” no País, mas não é meramente um Plano da Secretaria Especial, ou seja, não é só para mulheres; é um “Plano do Governo Federal” para beneficiar a sociedade como um todo (Brasil, Secretaria Especial de Políticas pra Mulheres 2008:7).

Solidariedade e Conflitos no interior da Diversidade 

Como foi observado anteriormente, estima-se que aproximadamente 300 mil mulheres estiveram envolvidas, direta ou indiretamente, em todo o processo de preparação para a I CNPM, do nível municipal ao federal. É sabido que 14.050 mulheres participaram como delegadas nas 27 conferências estaduais que aconteceram em maio e junho de 2004; 2000 dessas participantes foram eleitas para participar na I CNPM. Dentre essas mulheres participantes, 47% foram identificadas como membros de organizações do movimento de mulheres negras e cerca de 3% de grupos indígenas, cujas vozes garantiram a inclusão de questões de raça e etnia em todos os pontos incluídos no I PNPM. 

Como  mostra a Tabela I (a seguir), ao se comparar o perfil das participantes da Conferência Nacional de Mulheres, um espaço teoricamente “feminista” articulado em Brasília em junho de 2002, quando mulheres elaboraram a Plataforma Política Feminista, com o perfil das mulheres que participaram da I CNPM, um espaço que foi caracterizado como sendo do “movimento de mulheres” mais amplo, poucas diferenças aparecem, tanto em termos de sua “localização da atividade política”, como  de “área/segmento de atividade” (ou poderíamos dizer a “causa” principal defendida).

É importante observar que, nas duas conferências, membros de ONGs não eram a maioria. Certamente,  representantes de órgãos governamentais estavam em maior número na I CNPM, porque essa conferência foi organizada pelo governo e era importante que seus diferentes órgãos e agências lá  estivessem presentes para se desenvolver um diálogo e construir o apoio necessário para implementar mudanças; mas ressalta-se que elas também não eram a maioria. Participantes  atuantes em uma variedade de  instâncias e aquelas ativas em “movimentos sociais” correspondem às áreas de atuação  com a maior representação. Isso está consonante com as considerações de Sonia Alvarez sobre as novas tendências dos feminismos na América Latina, a saber:

“Feminismo — como vários chamados novos movimentos sociais que se formaram na região durante os anos 1970 e 1980 — pode hoje melhor ser caracterizado como um camp de ação discursivo  , policêntrico e heterogêneo, que se estende por um vasto conjunto de arenas culturais, sociais e políticas. (…) Os anos 1990 viram uma dramática proliferação ou multiplicação dos espaços e locais em que as mulheres que se autodenominam feministas atuam, e em que, consequentemente, discursos feministas circulam. Após duas décadas de luta para que suas demandas fossem ouvidas pelos setores da sociedade civil e política e do Estado dominadas pelos homens, mulheres que se proclamam feministas podem hoje ser encontradas em um amplo leque de arenas públicas – de coletivos lésbicos feministas a ONGs focadas na pesquisa; de sindicatos a movimentos negros e indígenas; de programas de estudos acadêmicos aos principais partidos políticos; do aparato do Estado e das instituições de ajuda internacional e desenvolvimento hegemônicas”.   (Alvarez 1998b:2).

 

                                            Fonte: Tabela elaborada pelas autoras com base em dados da * AMB (2002) e ** SPMulheres (2004).

           Refletindo sobre os Encontros em outro trabalho, Alvarez (2000:6) aponta que, independentemente de suas auto-identificações, “os Encuentros garantiram um espaço único singular para ativistas debaterem coletivamente os sempre-contestados significados e metas do feminismo e seu relacionamento com outras lutas por direitos e justiça social na Região”. Ela conclui por dizer que os Encuentros têm jogado, portanto, “um papel fundamental no desenho de discursos comuns, nutrindo uma gramática política feminista latino-americana compartilhada (mesmo que polisêmica), e garantindo as ativistas de países individuais visões teóricas e estratégicas chaves, bem como recursos simbólicos que elas subsequentemente ‘traduziram’ e reorganizaram localmente.”

Registre-se que isso também é verdadeiro quanto aos Encontros Nacionais Feministas; de fato, um “campo discursivo feminista” também se desenvolveu em nível nacional no Brasil. Isso é importante porque - mesmo com a passagem de ativistas dos movimentos de mulheres mais amplo para o ativismo feminista e vice-versa – lutas, questões, e, é evidente, um discurso feminista é demarcado. Sobre esse aspecto, vale considerar a Tabela II abaixo, elaborada pela AMB, diferenciando a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB) da Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (CNPM). No mesmo Boletim em que essa tabela aparece, a AMB elucida que seus objetivos ao participar nessas conferências foram diferentes. Na CNMB, realizada em 2002, elas queriam afirmar os movimentos feministas e de mulheres como sujeitos políticos no contexto de eleições presidenciais, apresentando suas próprias proposições; enquanto na I CNPM (2004) o propósito foi reafirmar a incorporação da perspectiva feminista em políticas públicas nacionais para mulheres, no sentido de “fazê-las promotoras de efetiva igualdade e justiça.”


                                                               Fonte: Tabela elaborada pelas autoras com base em dados da * AMB (2002) e ** SPMulheres (2004).

Os feminismos brasileiros contemporâneos têm se declarado anti-sexistas, anti-racistas, anti- homofóbicos e a favor de transformações radicais nas relações sociais de produção, tendo uma posição anticapitalista. Esses princípios foram incorporados na Plataforma Política Feminista, e estão fortemente afirmados nos princípios definidos para o I e II Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Essas diretrizes respondem a várias demandas de distintos segmentos dos movimentos de mulheres, como: “mulheres negras, indígenas, brancas, quilombolas, ciganas, quebradeiras de coco, líderes comunitárias, lésbicas, pessoas com deficiência, novas e históricas ativistas, etc.” (SP Mulheres 2008).  No entanto, isso não significa que se chegou a esses princípios  sem tensões e conflitos, quando não de fraturas e rachas. Pelo contrário: “campos dos movimentos sociais são constituídos por contínuas contestações – discursivas e estratégicas” (Alvarez  1998a:19). 

De fato, contestações entre diversas linhas dos feminismos, e entre os segmentos feministas e outros segmentos do movimento de mulheres, têm marcado a história dos feminismos no Brasil nas últimas três décadas.  Uma fonte principal de conflito desde os anos 1970 tem sido a política partidária nos movimentos de mulheres. No início dos anos 1980,  partidos de esquerda tradicionais, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), ainda viam o feminismo como uma expressão ”burguesa”, considerando as lutas das mulheres como subordinadas a lutas “gerais” da sociedade.[6] Embora esses partidos passaram a apoiar as lutas feministas desde então, as práticas das mulheres de partido dentro dos movimentos feministas e de mulheres indicam fortemente que elas colocam interesses partidários acima dos interesses dos respectivos movimentos. Um exemplo desse tipo de prática ocorreu durante os debates no Congresso Nacional sobre a reforma política, quanto aos meios de criar mecanismos de maior eficiência no sistema de cotas para mulheres. Naquela ocasião congressistas mulheres, até então conhecidas por seu apoio ao aumento da presença das mulheres no Legislativo, votaram com seus partidos, aderindo aos “pactos e alianças entre camaradas políticos que esmagaram a possibilidade de reais reformas” (Alcântara Costa 2008).[7]

Asunción Lavrin (1998:527) tem afirmado que “classe e raça continuam entre os fatores mais divisíveis nos feminismos nacionais e internacionais.”   Até certo ponto, isso também é verdade no Brasil. De fato, até os finais dos anos 1980, o movimento feminista brasileiro, em contraste com outros segmentos do movimento de mulheres mais amplo, era composto basicamente por mulheres brancas, de classe média. No entanto, como Cecilia McCallum (2007:67) muito bem observa, enquanto muitos trabalhos  ressaltaram a existência de uma “divisão histórica entre feministas negras e feministas brancas hegemônicas e sublinham o fracasso das últimas em tratar da questão de raça durante os anos 1980”, a Plataforma Política Feminista “dá um espaço extensivo e sem precedentes à discussão da discriminação racial, propondo medidas para combatê-la.” Além disso, acompanhando os eventos e processos que aconteceram em Salvador, Bahia, em preparação para a Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB) de 2002, McCallum (2007:80) testemunhou o fato de que:

“Feministas negras, brancas, de classe média e trabalhadoras, encontram-se, trabalham juntas, trocam idéias e dão apoio, atenuando – se não superando – tensões. Fissuras ocorrem, notadamente entre as identidades separadas de feministas negras e brancas, mas (…) identidades separadas e o reconhecimento da diferença são bases para a solidariedade.”

Mesmo assim, um desdobramento recente no interior do movimento de mulheres mais amplo em Salvador ilustra como as relações de raça, classe e gênero podem se articular para dar espaço ao conflito de interesses entre ativistas feministas negras e brancas. Após a eleição de um novo Governador no Estado da Bahia filiado ao PT, mais de cem feministas brancas, negras e ativistas nos movimentos de mulheres reuniram-se para  elaborar um documento defendendo a criação de uma Secretaria Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres. O documento foi entregue ao Governador eleito, no entanto, renegando suas promessas de campanha, o novo Governador criou uma Secretaria híbrida – a Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi) em Raça e Gênero, nominando um parlamentar negro para o posto de Secretário. É evidente que isso levantou o protesto das mulheres contra a nova Secretaria.[8] Entretanto, quando um ano depois o Governador trocou o Secretário do sexo masculino por uma liderança feminista negra, protestos contra a Sepromi por parte de feministas negras cessaram de todo, e feministas brancas, que demandavam uma Secretaria de Política para as Mulheres, foram chamadas de “racistas”.

Passado o  momento de tensão, ficou óbvio para muitas observadoras, sejam feministas negras ou brancas, que esse órgão híbrido, Sepromi, tornou-se um importante espaço para as mulheres negras exercitarem o poder, já que nem homens negros nem mulheres brancas conseguiriam apoio de ambos os movimentos.[9]  Voltando agora mais especificamente para a questão da divisão de classe, é relevante levantar a noção, compartilhada por diversas autoras, de que as relações estabelecidas entre feministas de classe-média e mulheres nos movimentos populares durante os anos 1970 e 1980 foram agravadas com a “profissionalização” dos feminismos, particularmente com a emergência de ONGs feministas.  Como afirma Razavi (2000:11):

 “(…) em alguns contextos isso tem significado uma afastamento das atividades inspiradas no feminismo - como mobilização, educação popular e conscientização - para funções mais técnicas e de assessoramento à agências governamentais nodesenho de programas sensíveis às questões de gênero, ou no treinamento sde equipes em planejamento de gênero. Algumas argumentam que, à medida que grupos e ONGs feministas tornaram-se mais profissionalizadas e especializadas, seus vínculos com as organizações de base e comunitárias tem sido agravados ou enfraquecidos.”

É bom notar que em seu estudo do feminismo e grupos de mulheres em São Paulo, realizado nos anos 1990, Nathalie Lebon (1997:7) encontrou “um número de grupos de mulheres de baixa renda em que ao menos alguns de seus membros identificam-se como feministas”, bem como alguns grupos feministas de baixa renda que reconhecem “sua identidade feminista.” Leban observou  que esses grupos receberam considerável “apoio ideológico e logístico” de organizações feministas. ” No entanto ,p-- Lebon registra reclamações por parte de mulheres nesses grupos sobre a localização das reuniões e eventos marcados pelas ONGs feministas em lugares distantes dos bairros populares, um fato que dificultava sua presença.

Da mesma forma, Millie Thayer (2001) estudou as relações entre o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais  (MMTR) no Estado nordestino de Pernambuco, e o SOS Corpo, uma das principais ONGs feministas, que atua a partir de Recife. Ela também não registra uma situação de exploração denunciada por Razavi (2000); ,por certo, Thayer testemunhou a efervescência de “tensões e conflitos” entre os dois grupos, mas acrescenta que “eram resolvidos, porque o relacionamento era mútuo, ambas as organizações ganhando com ele” (Thayer 2001:261).

Mesmo assim, Thayer chama atenção para o fato de que o financiamento de organizações de mulheres no Brasil, “enquanto pequeno com relação ao total da cooperação internacional,” era uma “condição indispensável de sobrevivência de muitas delas, dada a falta de filantropia local e recursos estatais escassos.” No entanto, como ela observa depois, “junto com o financiamento, vinham modos de conceber o feminismo, que cresceu a partir de movimentos norte-americanos e europeus, e que se tornou parte dos terrenos discursivos em que mulheres brasileiras definem sua política. A distribuição desigual desses recursos materiais e conceituais entre movimentos de mulheres agravaram hierarquias previamente existentes entre eles, dando visibilidade e poder para alguns e marginalizando outros” (Thayer 2001:253).

Consciência desse processo tem levado algumas dessas organizações a tentar superar a distância criada em relação a outros grupos de mulheres. Durante o Encontro Nacional Feminista em 2005 que ocorreu em São Paulo, o SOS Corpo organizou uma oficina para discutir  “feminismo e organizações populares”, centrada na questão: “Quais são os desafios que a situação de pobreza e desigualdade extrema (de gênero, raça, classe) coloca para o feminismo?” Para as educadoras do SOS, esse é basicamente um desafio de sobrevivência: não somente em termos de sobrevivência de feministas em grupos populares, mas também de suas organizações. Para elas, o feministas de classe média, trabalhando para consolidar outras organizações, devem se perguntar como ambos os tipos de grupos estão contribuindo para a construção do feminismo (Andrade 2005). Isso é certamente uma questão que nós, como acadêmicas feministas, devemos ter sempre em mente ao pensar os feminismos no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em um artigo sobre “voz feminista” (feminist voice), Anne-Marie Goetz and Celestine Musembi (2008, p.4-5)  afirmam que  apesar de várias tentativas, a relação entre “a voz das mulheres nos debates públicos e resultados sociais e econômicos mais positivos para as mulheres enquanto um gênero  ainda não foi estabelecida”.   Elas ressaltam que, contrário ao que acredita, não há uma correlação direta  entre a proporção de mulheres na política formal e o nível de qualidade das políticas públicas para mulheres. As referidas autoras se baseiam em estudos que mostram que políticas de alta qualidade para as mulheres surgem mais trazidas  por órgãos específicos, como os conselhos e secretarias, e, mais comumente, em resposta às ações dos movimentos de mulheres. 

Esse é certamente o caso do Brasil. Apesar da baixa representatividade de mulheres no Congresso Nacional, nossa Carta Magna é bastante progressista, orientando-se por princípios de justiça de gênero. Além disso, políticas fundamentais em apoio às mulheres vem sendo implementadas, a exemplo da Lei Maria da Penha, voltada para o enfrentamento da violência doméstica contra mulheres (Sardenberg et al 2010).   Por certo, essas importantes conquistas tiveram por trás a eficácia do coro de vozes dos feminismos no Brasil clamando for justice de gênero e contra outras bases de desigualdades, como pretendemos mostrar neste trabalho.  

Acreditamos que o coro de vozes feministas também tiveram um impacto importante na formação da opinião pública em favor dos interesses das mulheres.

Como considerações finais para essa discussão sobre os feminismos no Brasil, queremos trazer os resultados de uma pesquisa realizada em 2001 com uma amostra de 2.502 mulheres no Brasil (Venturini et al 2004), que enfocou uma série de questões sobre as mulheres nos espaços públicos e privados no Brasil. Dentre as questões colocadas para as mulheres entrevistadas estavam algumas sobre seus pontos-de-vista sobre o feminismo e o machismo. Duas perguntas foram feitas sobre o feminismo: uma perguntando se a mulher se considerava feminista e a outra o que ela entendia por feminismo. Quanto ao machismo, as mulheres foram perguntadas onde existia machismo no Brasil, e o que compreendiam por ele (Soares 2004).

Somente 28% das que responderam se reconhecem como feministas, as percentagens mais altas correspondendo a mulheres jovens de 15 a 24 anos (35%), aquelas com ensino médio (35%), e aquelas que são de famílias com maior poder aquisitivo. Isso parece confirmar a noção de que as mulheres que se auto-identificam como feministas são de fato jovens profissionais da classe média.

Quando se trata de sua percepção sobre a presença do machismo na sociedade brasileira, no entanto, distinções de idade, educação e renda diminuem consideravelmente; cerca de 90% de todas que responderam afirmam que existe machismo em nosso meio. Entre elas, 78% corretamente o definiram como o poder dos homens sobre as mulheres. As mulheres que responderam também tinham percepções realistas sobre a condição das mulheres na sociedade brasileira, 65% reconhecendo que a vida das mulheres melhorou nos últimos 20-30 anos. Elas definiram “ser uma mulher” hoje como entrar no mercado de trabalho e ganhar independência econômica, liberdade e independência social para agir de acordo com seus próprios desejos; tomar decisões cruciais sobre suas próprias vidas; e ter conquistados direitos iguais em termos formais, identificando, assim, as principais mudanças que têm ocorrido nas vidas das mulheres no período analisado (Soares 2004:168), e que apontam para um processo de empoderamento das mulheres. Os resultados mostraram que a maioria das entrevistadas “viviam bem com a condição feminina; estavam conscientes dos ganhos obtidos (direito ao trabalho e autonomia social); mas reclamavam do peso da dupla jornada e demandam a erradicação da discriminação, seja no mercado de trabalho ou na forma de violência, e a divisão da responsabilidade no cuidado das crianças e da casa” (Soares 2004:170).

Podemos dizer então que, apesar da percentagem daquelas que se identificam como feministas ser ainda reduzida, valores feministas – e as conquistas do feminismo no Brasil – são reconhecidos e apreciados pela grande maioria das mulheres no estudo, o que estatisticamente representa as mulheres brasileiras. Isso, acreditamos, é uma avaliação relevante da história dos feminismos no Brasil – mesmo que tenhamos que encarar muitos desafios para transformar as relações de gênero em favor das mulheres nas décadas a seguir.

 

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Nota biográfica


CECILIA M. B. SARDENBERG: Feminista com Graduação em Antropologia Cultural, Illinois State University e Mestrado e Doutorado em Antropologia Social, da Boston University. Professora Associada II no Depto. de Antropologia e no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo-PPG-NEIM da Universidade Federal da Bahia. Fundadora do NEIM-Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher, Coordenadora Nacional do OBSERVE - Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei Maria da Penha; Coordenadora (2006/2011) do Grupo da América Latina do Consórcio do Programa de Pesquisas (Research Programme Consortium - RPC) sobre o Empoderamento das Mulheres (Pathways of Women s Empowerment), financiado pelo Department for International Development - DFID da Grã- Bretanha.Trabalha no campo do estudos feministas nas temáticas: feminismo e políticas públicas, gênero e desenvolvimento, gênero e corpo.

ANA ALICE COSTA : Mestrado e Doutorado em Sociologia Política pela Universidad Nacional Autônoma de México, Pos-doutorado em Estudos Feministas na Universidad Autônoma de Madrid, professora Associada do Depto. de Ciência Política da FFCH, pesquisadora fundadora do NEIM, atualmente coordenando o Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM/UFBA). Pesquisadora (bolsista) do Research Programme Consortium - RPC - Pathways of Women's Empowerment, financiado pelo Department for International Development - DFID da Grã- Bretanha (2008-2011). Feminista militante tem participado intensamente das lutas das mulheres brasileiras pela transformação da condição feminina.


[1] Uma versão preliminar desse Paper foi  apresentado em inglês na Conferência Voicing Demands: Feminists Reflecting on Strategies, Negotiations and Influence [Enunciando demandas: feministas refletindo sobre estratégias, negociações e influência], Rockfeller Foundation, Bellagio Center, Bellagio, Italia, Novembro 2009. Agradecemos à colega Sonia Wright pela gentileza de traduzir o texto para o  português.   

[2] Os Fóruns de Mulheres são articulações não institucionalizadas, constituídas por grupos ou organizações feministas, grupos de mulheres em sindicatos, outras organizações e feministas autônomas, em funcionamento nas maiores cidades brasileiras. Eles são responsáveis por organizar, articular e implementar campanhas, eventos e outras mobilizações dos movimentos feministas e de mulheres em todo o País.

[3] Dentre as principais redes feministas articuladas inicialmente nos anos 1990 no Brasil estão: 1) Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos (criada em 1992); 2) Redor - Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos sobre Mulheres e Relações de Gênero (criada em 1992); 3) AMB- Articulação de Mulheres Brasileiras (em 1994); Redefem – Rede Brasileiras de Estudos Feministas ( em 1994); Rede Mulher.

[4] Um resultado significativo de toda essa mobilização foi a recomendação por parte do Comitê Cedaw ao governo brasileiro da necessidade de estabelecer no país uma legislação especifica de punição a violência domestica.

[5] Dentre elas estavam: Ana Alice Costa (Agende e NEIM), Vera Soares (Ellas e Agende), Guacira Cesar (CFêmea), Maria Ednalva (Cut), Betânia Ávila (Instituto SOS Corpo), Maria Aparecida “Schuma” Schumher (AMB).

[6] De fato essa linha de pensamento provocou a primeira grande divisão no movimento de mulheres contemporâneo, particularmente no que se refere ao Movimento Feminino pela Anistia.

[7] Outra prática comum das mulheres de partido, e uma que é altamente condenada pelas companheiras não-partidárias no movimento, é sua constante luta interna e uso de estratégias questionáveis para garantir posições/vagas para seus camaradas de partido em conselhos locais, em novos postos que estão sendo abertos com a expansão do Feminismo de Estado, ou mesmo como delegados às conferências municipais, estaduais e nacional de políticas para as mulheres – uma prática conhecida como “aparelhar” (usar o aparato de Estado ou outras instâncias deliberativas para favorecer os interesses de determinado partido). Não raramente, dois ou mais partidos políticos fazem um pacto para distribuir esses lugares ou cadeiras numa delegação. Isso aconteceu na II Conferencia  Municipal de Políticas para Mulheres em Salvador, Bahia, em maio de 2007, quando o  PCdoB e o PT (Partido dos Trabalhadores) controlaram a nomeação de delegadas, revoltando as participantes não-partidárias e provocando a intervenção da coordenação do evento. Tal contexto se repetiu agora, no inicio de outubro, durante a realização da III Conferencia Municipal  com a imposição do chamado “chapão” que deixou de fora importantes lideranças locais.

[8] Veja, por exemplo, o protesto que organizamos e que ocorreu durante o Carnaval na Bahia: http://www.youtube.com/watch?v=lpL91rNZtXE

[9] Recentemente, esse órgão híbrido foi desativado, com a criação de duas secretarias – uma para promoção da igualdade de raça e outra de gênero, tendo à frente, esta última, uma liderança dos movimentos de mulheres rurais.        

cecília sardenberg

ana alice costa

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012