labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

Movimento lésbico e Movimento feminista no Brasil:

recuperando encontros e desencontros

Gilberta Santos Soares[1]

Jussara Carneiro Costa[2]

Resumo

O artigo propõe-se analisar a relação entre os movimentos feministas e de mulheres lésbicas no Brasil, problematizando  relação marcada por encontros e tensões no campo epistêmico e no político a partir das trajetórias destes no contexto brasileiro de meados de 1970 aos dias de hoje. Considera a reconhecida atuação do movimento feminista e a ação do movimento de mulheres lésbicas na imbricação com o feminismo e o movimento homossexual. Adota o paradigma teórico político que revela o teor heteronormativo do sexismo, incluindo a desconstrução da heterossexualidade obrigatória na abordagem das relações sociais de gênero. Aponta a crítica ao androcentrismo como fundamental para que a dimensão da chamada diversidade sexual realize cortes profundos na dinâmica de exclusão social.

Palavras-chave: movimentos feministas, lésbicas, tensões, encontros

 

 

ntrodução  

 

A relação entre feminismo e lesbianidade tem sido historicamente marcada por tensões localizadas no campo epistêmico e no político. Ao longo do tempo, o termo lésbica, e aquilo que se lhe atribui como correlato, tem sido estrategicamente utilizado como espectro para desestabilizar e deslegitimar os intentos feministas, através de estereótipos como “machona”, “virago”, “feiosa”, “mal-amada”, que não gosta de homem, que se comporta como homem, dentre outros (Sohiet, 2004; 2005; Swain, 2004). A conotação pejorativa e a associação a lesbianidade têm sido feita como forma de desqualificação das proposições do feminismo que enfrentou o androcentrismo e produziu contra-discursos sobre as mulheres e os homens.

A associação entre feministas e lésbicas cumpre a função política e pedagógica de alertar as mulheres para o perigo da perda da feminilidade representada pelo feminismo, produzindo abjeção para ambas, pela associação que se faz entre essas e a mulher masculinizada. 

A abjeção refere-se aquilo que remete a falta de humanidade, ao não ser, ao que está fora do lugar; implica na separação de fronteiras entre humano e animal, interior e exterior (Figari & Diáz-Benitez, 2009), coloca à margem, aquilo que polui, que contagia, que está disforme, que é torpe, relacionado ao último grau da baixeza. Ao ultrapassar a condição de normatividade, restringe o reconhecimento social. O abjeto se produz, tendo o discurso da diferença como designação negativa para não seguir o padrão, traduzida, muitas vezes, em substantivos como “imoralidade”, “anormalidade”, “desvio”, “doença”, “aberração”, “pecado”, ou em várias formas de invisibilização.  Uma dimensão importante da abjeção, destacada por Butler (2002), é a sua materialidade, a inaceitabilidade de certos corpos pelos códigos de inteligibilidade baseados na heteronormatividade, mesmo que não se restrinja ao sexo e a heteronormatividade.

Ainda que associação entre feminismo e lesbianidade com mulher masculinizada não seja recente, chama a atenção o fato de que a teorização feminista, ao passo que acentuou as dimensões socioculturais que marcam a construção das identidades de gênero, passou praticamente ao largo da associação entre feminismo, perda de feminilidade e lesbianidade. Ainda hoje, é problemático para o feminismo ser identificado como um movimento de lésbicas. Essa foi uma muralha, segundo Bonnet (2003), usada pelo patriarcado contra as investidas por direitos e poder político. Se quisessem se integrar “a sociedade, as mulheres tinham que permanecer mulheres” (Bonnet, 2003; Fernández, sd).

Os estudos sobre sexualidade no âmbito feminista têm sido hegemonicamente referenciados pela heterossexualidade, assente na divisão binária do humano, na qual, “a prática heterossexual é subentendida em torno de esquemas do poder social, como o casamento, a família, a maternidade, a violência, o abuso, a prostituição, dentre outros” (Swain, 1999 :93). Embora, o feminismo tenha acompanhado  o seu desenvolvimento, as interpelações quanto a essa centralidade só adquiriram destaque mais recentemente.

As teorias sobre as lesbianidades desenvolveram-se nas margens das teorias feministas sobre a sexualidade. Mais recentemente, o trânsito[3] entre epistemologias feministas e aquelas voltadas à desconstrução dos binarismos na organização dos sistemas de classificação social e dos modos de torná-los inteligíveis tem aberto brechas para um reposicionamento da questão. As transformações no campo da sexualidade (Benitez & Fígari, 2009)  e a compreensão de que nem sempre há correspondência entre o sexo, o gênero e o exercício da sexualidade tem provocado a retomada da crítica ao heterossexismo e o adensamento da força heurística da heteronormatividade como categoria analítica, inclusive para o esquadrinhamento de como são produzidos os mecanismos de legitimação da violência de gênero contra mulheres com vivências heterossexuais e lésbicas.

A heteronormatividade baseia-se na naturalidade da heterossexualidade e na associação obrigatória entre sexo e reprodução, criando um sistema de reforço desta na base da reprodução social. Relaciona-se aos vários mecanismos de legitimação das práticas sexuais, que se coadunam com o modelo de família heterossexual e produtivo economicamente, rejeitando as práticas ininteligíveis e os corpos abjetos (Butler, 2008). A categoria heteronormatividade enfatiza a relação entre normalização e instituição da normatização, possibilitando apreender como a sexualidade é construída como dispositivo histórico de poder,[4] consolidada especialmente na instituição familiar, lócus privilegiado para evidenciar seu objetivo: “formar todos para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do modelo supostamente coerente, superior e ‘natural’ da heterossexualidade” (Miskolci, 2009 :12).

Tal reconhecimento se encontra imbricado às novas dinâmicas sociais do movimento feminista, nas quais ganha destaque a desconstrução discursiva damulher” como categoria unívoca e homogênea, desencadeando questionamentos sobre questões que funcionaram como base epistemológica e política do feminismo, nas suas múltiplas interações. De forma cada vez mais recorrente, diversidade, diferença, transitoriedade, contingência, pluralidade, hibridismo, são palavras que passam a ocupar maior espaço no vocabulário político feminista. Falar de feminismo no singular tornou-se um anacronismo.

Os questionamentos acerca da identidade mulher, como referência para ação política, remetem a crítica aos marcos da construção da masculinidade e feminilidade, apesar de ter sido uma chave ainda pouco explorada. A compreensão de que as lutas contra as desigualdades devem ser interseccionais, a exemplo das contribuições trazidas pelas feministas “negras”, “de cor”, “mestiças”, “terceiromundistas”, “asiáticas”, “lésbicas radicais”[5] foi fundamental para que as diferenças ganhassem visibilidade e se constituíssem em campos de saber e político.

Ainda assim, cumpre acrescentar que a abertura para os temas não significa que sejam tratados com a mesma prioridade. No tocante a lesbianidade, embora, enquanto princípio, o rechaço a lesbofobia seja enunciado de modo quase unânime pelos feminismos, os esforços no sentido de desenhar um agenciamento voltado ao enfrentamento da questão têm sido assumidos, quase exclusivamente por aquelas se anunciam como lésbicas.

O presente artigo, construído a quatro mãos, traz formulações resultantes das aproximações das autoras com o feminismo e a lesbianidade, com o movimento social e a academia; resulta da reflexão sobre as experiências pessoais e a prática política, das conexões estabelecidas a partir da aproximação com vertentes da teoria lésbica feminista e da teoria Queer na busca do fortalecimento do campo feminista. 

Analisa os encontros e tensões entre o feminismo e a lesbianidade presentes no campo epistêmico e na área política a partir de um panorama sobre as trajetórias desses movimentos no contexto brasileiro de meados de 1970 aos dias de hoje. Para isso, considera-se a ampla e reconhecida atuação do movimento feminista brasileiro ao longo dos últimos 30 anos e a ação do movimento de mulheres lésbicas na sua imbricação com o feminismo e com o movimento homossexual brasileiro. Adota o paradigma teórico político que revela o teor heteronormativo do sexismo, incluindo a desconstrução da heterossexualidade obrigatória na abordagem das relações sociais de gênero.

O artigo propõe-se a acrescentar elementos para problematizar a relação entre movimentos feministas e de mulheres lésbicas no Brasil. Do feminismo, por ter um registro histórico mais denso, propõe um recorte que contempla uma revisão histórica, já elaborada por analistas feministas, e análise teórica no que se relaciona com a lesbianidade. Do movimento mulheres lésbicas, propõe reunir e analisar informações, buscar a trajetória,  interessando-se, especialmente, pela sua relação com o feminismo. 

Os aspectos abordados, apesar de ainda pouco debatidos, revelam nuanças, que nos fazem apontar como cruciais, para se pensar objetivos, estratégias e investimentos na construção de projetos voltados ao enfrentamento das desigualdades de gênero; como questões, portanto, de interesse de todos os movimentos intersectados pela sexualidade.

Detalhes dos feminismos brasileiros: mapeando os (não) lugares da lesbianidade

Os feminismos são arrebatadores de reações contrárias, próprias a uma cultura sexista, por ter provocado rupturas nas imposições sociais que fixaram as mulheres no lugar de submissão nas relações de gênero; definiram a reprodução e a maternidade como à única possibilidade de realização, negando, dessa forma, o prazer sexual para as mulheres; e fixaram modelos de feminilidade. Apela-se à idéia de que a desconstrução da subalternidade das mulheres só se explicaria mediante a ausência do desejo das mulheres por homens, revelando o teor heteronormativo do sexismo. Questionar o poder masculino e a masculinidade como referente nas relações de gênero só se justificaria por causa do desejo lesbiano; uma premissa resultante da combinação entre o sexismo e heterossexualidade obrigatória (Falquet, 2006). As normas que mantêm a heterossexualidade são diversas, sutis, inflexíveis e subliminares e se espraiam pela sociedade (Gomide, 2007). Assim, mesmo o feminismo caiu na armadilha da heterossexualidade obrigatória.

A heterossexualidade obrigatória é entendida como um regime de sexualidade que norteia a vivência da sexualidade e as definições de gênero, como matriz de dominação, e que produz subjetividades, extrapolando a idéia de opção ou orientação sexual. Nesta perspectiva, a heterossexualidade é uma ferramenta política e social, cuja função é subordinar as mulheres aos homens por distribuir de maneira desigual o poder entre homens e mulheres (Wittig, 1992).

Os Movimentos Feministas são considerados por importantes analistas sociais, como Manuel Castells (2003), Hobsbawn (1995) e Alain Touraine (2007), como os movimentos sociais responsáveis pelas grandes mudanças ocorridas na segunda metade do século XX e que mais influiram para a virada epistemológica e para as transformações sociais ocorridas no Ocidente. Para Jane Flax (1992), a teoria feminista representa uma das novas formas de pensamento e visões que marca a conjuntura histórica atual.

A junção entre prática política e produção de conhecimento, ações internas com grupos de mulheres e externas, escuta das subjetividades das mulheres nos espaços formativos e demandas objetivas por marcos legais e políticas públicas habilitaram ao movimento explicitar as discriminações vivenciadas pelas mulheres no ambiente doméstico e, no mundo público, nos mais diversos contextos e áreas sociais.

A denúncia e a crítica aos mecanismos de controle dos corpos das mulheres e a violência contra mulher são pontos ressaltados, identificando situações variadas, como a violência doméstica e sexual, as mutilações, abusos e estupros de guerra; o controle da natalidade através da massificação da esterilização feminina e o uso indiscriminado de pílula anticoncepcional; o tabu da virgindade; a criminalização do aborto; a objetificação do corpo da mulher, a regulação da sexualidade através da normalização do comportamento sexual.

Os feminismos preocuparam-se com a defesa da sexualidade feminina e do direito ao prazer sexual, questionando os mecanismos de controle da sexualidade. A mudança de comportamentos afetivos e sexuais, através da insígnia da liberdade sexual foi uma bandeira forte no movimento feminista desde a década de 60, tributária do movimento hippie e da efervescência cultural de 1968. A crítica a maternidade obrigatória ganhou fôlego com o surgimento da pílula anticoncepcional que viabilizou, no processo de modernização brasileiro, a separação entre prazer sexual e reprodução para as mulheres, contribuindo, naquele momento[6], para o livre exercício da sexualidade pelas mulheres. 

A formulação feminista foi embasada na desnaturalização das identidades de gênero, apoiada na idéia da construção social dos códigos e comportamentos que definem o gênero feminino e masculino, assim como as identidades transexuais que emergiram politicamente no campo do movimento LGBT. Para isso, os aportes feministas respaldaram-se na crítica a naturalização e essencialização das relações sociais e do comportamento individual, reforçando a perspectiva construtivista das relações sociais. Um movimento teórico que resultou na formulação do conceito de gênero ou das relações sociais de gênero para explicar as diferenças entre mulheres e homens, os constructos mulher, homem, masculinidade e feminilidade como resultante histórico de processos sócio-culturais estabelecidos a partir de relações hierárquicas de poder (Scott,1990).

Outro aspecto facilitador nos feminismos para livre expressão da sexualidade foi a sua proposta metodológica, baseada no fazer coletivo e nas trocas de experiência dos grupos de reflexão, das oficinas e nos encontros feministas, criando espaços de troca e construção de conhecimento e de convivência, solidariedade, cumplicidade e intimidade entre mulheres. Dessa forma, os feminismos promoveram um ambientea favorável às descobertas, ajudando as mulheres a se revelarem[7] e experimentarem o amor e o afeto com outras mulheres e a lesbianidade.

Na prática, o campo feminista é marcado pela existência de mulheres lésbicas, bissexuais e com vivências afetivas sexuais entre mulheres. Os encontros nacionais feministas, que tiveram seu auge na década de 80 e 90, foram momentos importantes de visibilização da presença lésbica no feminismo para feministas e para mulheres populares urbanas e rurais dos movimentos de mulheres. Mesmo que a lesbianidade não estivesse pautada no temário central, as lésbicas realizavam oficinas, reuniões, promoviam visibilidade nas festas, demarcando sua existência e presença nos encontros, sem pedir licença para entrar. Muitas lésbicas integraram-se ao movimento feminista brasileiro desde seu início, considerando os anos 70, e o período da abertura política[8], mas não foram todas que se anunciaram como lésbicas e trouxeram pautas específicas. A tendência do movimento feminista foi estabelecer a convivência com feministas lésbicas sem preocupar-se com a desconstrução da heteronormatividade na pauta política e teórica. Algumas mulheres lésbicas articularam grupos de lésbicas, todavia, muitas lésbicas feministas construíram sua atuação política junto aos grupos feministas e não romperam com a invisibilidade das mulheres lésbicas. 

Os feminismos resistiram a incorporar as questões das mulheres lésbicas em sua produção teórica e agenda política. Boa parte dos movimentos se deixou intimidar pela pressão social da conjuntura da época que exigiu aos feminismos o silêncio sobre a lesbianidade e sua invisibilização pensando ser, minimamente, respeitado pela esquerda brasileira, pela intelectualidade acadêmica, pela Teologia da Libertação, pela mídia, pela sociedade, em geral, no momento pós-ditadura no Brasil. A despeito de que os feminismos sejam plurais e comportem manifestações diversas, muitas dessas mulheres eram militantes de partidos políticos ou vinculadas a segmentos progressistas da Igreja Católica, que resistiam à ditadura militar, atribuindo características próprias ao movimento naquele momento. Esse feminismo, composto por mulheres de classe média, foi influenciado pela perspectiva marxista da luta contra a ditadura, adotando uma política de alianças com os partidos de esquerda e a Igreja Católica.

No contexto da anistia brasileira, os movimentos feministas se revitalizaram com o retorno do exílio na Europa e Estados Unidos de mulheres que haviam entrado em contato com a efervescência feminista e que se juntaram àquelas que foram presas políticas, enfrentando a ditadura no país. O feminismo na Paraíba foi tributário desse processo quando feministas acadêmicas que tinha relação com a luta contra a ditadura ingressaram no corpo docente  da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus I e II, e na Universidade Regional do Nordeste[9], multiplicando conhecimento; disseminando o feminismo para jovens; iniciando mobilização, fundando organizações e articulando o movimento feminista na Paraíba.

Céli Pinto (2003) afirma que o feminismo nasceu e se desenvolveu no difícil paradoxo de administrar conflitos entre a manutenção da autonomia e a ligação com a luta contra a ditadura no país. Se o feminismo não era bem visto pelo regime militar de ultra direita, também não tinha o apoio dos militantes de esquerda que viam o feminismo como ameaça a unidade da luta do proletariado contra o capitalismo (luta geral) e ao poder dos homens no interior das organizações de esquerda e nas relações pessoais (questão específica). Pinto aponta que:

A relação do grupo [Grupo latino americano de mulheres] com exilados brasileiros do sexo masculino foi muito tensa, chegando ao extremo de a Frente de Brasileiros no exílio ameaçar retirar apoio às famílias cujas mulheres frequentassem essas reuniões (...) A grande acusação era de ser apolítico e de em nada ajudar na luta contra a ditadura no Brasil. Talvez, o grande problema encontrado pelos homens fosse que ele estava politizando a vida dentro de casa...” (Pinto, 2003:53).

É preciso considerar a diferença entre movimento de mulheres e feminismo, tendo como elementos, o pertencimento a classes sociais distintas e o acesso a informações. Sarti (2004) aponta o aspecto interclasses do movimento brasileiro. Os feminismos se constituiram com mulheres de camadas médias, com formação universitária, urbanas, que vieram do exílio político ou tinham formação profissional e intelectual e que lutavam pela autonomia das mulheres e a mudança de papéis sociais opressores. O movimento de mulheres se constituiu com mulheres de classes populares na luta por melhores condições de vida e com forte ligação com as pastorais da Igreja Católica, que realizam intervenção no mundo público a partir da sua condição de dona de casa, esposa e mãe (Pinto, 2003).

Assim sendo, temas como contracepção, aborto, prazer, lesbianidade foram silenciados pelos aliados na luta contra ditadura, que polarizaram o debate na hierarquização das bandeiras das lutas gerais sob as lutas específicas. Todavia, alguns temas, como a legalização do aborto e a lesbianidade também encontravam resistência no movimento de mulheres, sendo este um ponto de distinção entre movimento de mulheres e feminista.

No entanto, os movimentos feministas seguia, com suas metodologias. Os grupos de autoconsciência, como lócus de ação política, sensibilizavam e formavam mulheres na perspectiva da emancipação feminina, contribuindo com o debate epistemológico sobre a importância da troca de experiência, da articulação entre emoção e razão, subjetividade e objetividade na formulação de conhecimento. Os grupos de reflexão configuravam os primeiros grupos feministas que também realizavam atividades públicas importantes. As campanhas[10] denunciavam a opressão e a violência contra a mulher e a imprensa feminista[11] trazia o debate sobre a emancipação das mulheres, alargando o conceito de democracia predominante a época.

Os feminismos francêses forama principal fonte de aproximação das brasileiras no exílio, sendo este tributário das filosofias iluministas originárias da Revolução Francesa, que norteou a idéia de mulher universal (Sardenberg, 2002), gerando uma forte corrente do feminismo de mulheres brancas, de classe média, intelectuais e heterossexuais, herdeiro das idéias de Simone Beauvoir, também no tocante a lesbianidade.

Sob a pecha de imoral, pornográfica e reduzida à mulher de Sartre, Beauvoir foi fortemente atacada após o lançamento do Segundo Sexo (1980), em 1939, por introduzir a sexualidade, a lesbianidade, as diferenças sexuais na fala pública, temas que não eram usualmente tratados, rompendo o silêncio e atribuindo a mulher lugar de sujeito. No entanto, Beauvoir fez uma análise ambígua da mulher lésbica. Ao tempo em que a lesbianidade aparece como uma possibilidade existencial e real na vida das mulheres. Beauvoir utiliza termos normalizantes e moralizadores, como a terminologia “Invertida”[12] para designar a mulher lésbica, com a recorrência ao modo discursivo da psicanálise. O termo aparece sem que haja referência crítica ao processo de institucionalização das sexualidades, ancorado na patologização, disseminação e implantação das sexualidades anormais, através da psiquiatria, da psicanálise e psicologia, como mecanismos de controle da sexualidade, a partir do século XIX. “O feminismo em Simone de Beauvoir estava, portanto, carregado de discursos calcados na normalidade e no moralismo heterossexista” (Lessa, 2003: 4).

No final da década de 70, as alianças com setores da Igreja e dos partidos políticos foram extremecidas em respeito às premissas básicas do feminismo de defesa do direito ao prazer sexual, a contracepção e ao aborto. Entretanto, percebe-se que a premência das questões da saúde reprodutiva (esterilização em massa, mortalidade materna, criminalização do aborto, abuso médico sobre o corpo das mulheres) e a violência contra a mulher (estupros, assassinatos, violência física, psicológica, patrimonial) ocuparam grande parte da agenda feminista por se constituírem como desrespeito aos direitos humanos das mulheres, associadas à pobreza e ao capitalismo, atingindo significativo número de mulheres no marco da heterossexualidade obrigatória.

A instituição do Ano Internacional da Mulher em 1975, pela ONU, reconhecendo a questão da mulher como problema social, fortaleceu os emergentes movimentos feministas e de mulheres no país e impulsionou ações do movimento feminista, sobretudo na região sudeste naquele momento (Costa & Sardenberg, 2008), na perspectiva acima apontada. Surgiram organizações autônomas de apoio a mulheres em situação de violência doméstica e sexual, a exemplo dos SOS Mulher.

Na década de 1980, os feminismos aparecme no cenário nacional como agentes no processo de redemocratização, avançam da fase de denúncia contra a opressão das mulheres e começan a propor políticas públicas para mulheres e para a equidade de gênero. Começam a surgir organizações não governamentais feministas (ONG), apoiadas pela cooperação internacional, baseadas nos princípios do feminismo, com missão dirigida à autonomia das mulheres e fortalecimento do movimento feminista brasileiro. Nas universidades, surgiram núcleos de pesquisa e estudos sobre a mulher que, posteriormente, se caracterizaram como pesquisa e estudos de gênero, aumentando em número e diversidade de temas. Para o feminismo acadêmico, outro espaço de produção foi às associações nacionais de áreas de conhecimento, como a ANPOCS (Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Ciências Sociais). As feministas criaram grupos de trabalho no interior dessas associações, que derivaram em linhas de pesquisa, enfrentando, também, tensões internas ao campo.

O tema da participação das mulheres no poder aparece em evidência como estratégia política, fazendo surgir os conselhos de direitos da mulher como órgãos consultivos e propositivos, com representação paritária entre governo e sociedade civil, vinculados a estrutura governamental. Na Assembléia Constituinte de 1988, o movimento de mulheres teve uma participação paradigmática de intervenção no campo político através de mobilização social, com a Campanha “Constituinte sem mulher fica pela metade”, envio de emendas populares e de participação da Bancada Feminina no Congresso Nacional.

Nos anos 90, seguidos pela mesma tendência nos anos 2000, o movimento feminista avançou em discussões temáticas, sobretudo em saúde da mulher, violência contra mulher e trabalho. Novas ONGs feministas surgiram em todo o país, profissionalizando o movimento. A despeito da diversidade de ONGs no Brasil e dos propósitos diferentes, é válido lembrar, que muitas ONGs feministas brasileiras nunca deixaram de atuar conectadas com o movimento feminista, assumindo o lugar de expressão pública do feminismo e de formação com mulheres. Ainda nos anos 1990, surgem as redes nacionais, compostas por organizações e feministas, com intuito de potencializar a ação e fortalecer o movimento feminista brasileiro. Houve um aumento de feministas em cargos governamentais com o surgimento dos organismos de políticas para mulheres no âmbito nacional, estadual e municipal. Nesse momento, o processo de institucionalização foi um vetor para a manutenção da resistência a incorporação da crítica a heteronormatividade e as questões das mulheres lésbicas.

 Surgem revistas especializadas sobre Gênero, como a Revista Estudos Feministas e a Pagú. A questão da participação das mulheres na política e nos espaços de poder tornou-se uma prioridade para o movimento nacional, pautando partidos políticos, centrais sindicais, gestores, universidades, legisladores/as. O movimento feminista internacional, com a participação de feministas brasileiras, desenvolveu o conceito de direitos sexuais, concomitante a noção de direitos reprodutivos, associados à agenda de participação em conferências internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU). O conceito de Direitos Sexuais pretendeu dar conta da discussão sobre a sexualidade feminina como um direito humano, assim como da denúncia de suas violações, todavia este foi restringido pelo enfoque da heterossexualidade.

Esse crescente processo de institucionalização dos movimentos feministas foi debatido a luz da preocupação com a perda da autonomia do movimento em relação aos partidos políticos, governos locais e a cooperação internacional. A discussão esteve associada à captação de recursos financeiros em agências de cooperação internacional que subsidiaram o trabalho de organizações feministas para a implementação de uma agenda de trabalho, sobretudo, na temática dos direitos reprodutivos e da saúde da mulher. Esse processo foi duramente criticado por ativistas lésbicas que o analisaram no contexto da profissionalização do movimento feminista, considerando fundamental para que o feminismo hesitasse na discussão sobre a lesbianidade (Curiel, 2007; Miñoso, 2006).

De forma geral, a lesbianidade não foi assumida, como prioridade, pelos movimentos feministas. As estudiosas do campo analisam que as lésbicas passaram a ser um tipo de ameaça, mesmo que estivessem no campo da discussão da sexualidade, fundante para o feminismo, e lutassem também pelas causas clássicas da agenda heterossexual, como contracepção e aborto (Falquet, 2006). Oliveira (2007) identifica a necessidade de algumas feministas e integrantes do movimento de mulheres brasileiro de negar a lesbianidade para obter reconhecimento ou para não afastar mulheres que sentem receio de serem confundidas com lésbicas. A necessidade de aceitação parece ser motivo suficiente para que as feministas lésbicas não conseguissem afirmar a definição dessa pauta como prioridade.

Havia o evidente receio de que, ao tratar do tema, pudessem ser “confundidas” com lésbicas, cedendo entrevistas apenas quando esclarecidas de que a pesquisa visava a discussão sobre lésbicas e não com lésbicas. Isso não quer dizer que vários momentos o grupo não tenha contado com consultorias, apoios, oficinas e capacitações em que mulheres lésbicas estivessem diretamente envolvidas. O que acontece é que nesses momentos de interação, essa “diferença” era silenciada” (Oliveira, 2007: 395/396)

De fato, os feminismos brasileiros, historicamente, resistiram a incorporar as questões das mulheres lésbicas em sua produção teórica e agenda política, persistindo a lacuna de critica à heternormatividade como elemento fundamental na constituição das relações de gênero. Isso não significa que não tenha tido mulheres lésbica no movimento feminista nem que não exista uma teoria da lesbianidade reconhecida internacionalmente. Estas surgiram no marco da década de 1970, associadas ao feminismo radical nos EUA e na Europa. Mais recentemente, a produção tem crescido na América Latina (Mogrovejo, 2010). A relativa ausência das referencias feministas nacionais está relacionada às dificuldades de vencer as barreiras da invisibilidade pela imposição da heteronormatividade no interior do campo feminista.

Afortunadamente, o século XXI transcorre com uma gama de aportes conceituais que, cada vez mais, possibilitam a construção de uma ciência localizada (Haraway,1995), que permite o anúncio do compromisso com a mudança social e a desconstrução dos sistemas sexista, racista, heteronormativo e classista. A emergência de outros feminismos tem questionado profundamente a categoria universal mulher.

Segundo Brah (2006), a diferença é central para entender os fenômenos da contemporaneidade e deve ser tratada no contexto histórico cultural. Referindo-se aos feminismos negro e branco, afirma: 

“diferentes não devem ser tratados como categorias essencialmente fixas e em oposição, mas antes como campos historicamente contingentes e de contestação dentro de práticas discursivas e materiais” (p 331).

No interior dos movimentos feministas floresce a perspectiva da diferença e as múltiplas formas de opressão tornam visível a pluralidade das experiências das mulheres, traduzindo-se em reivindicação política e no debate sobre a intersecção entre gênero, raça, sexualidade, classe, geração e localidade. As mulheres negras e as lésbicas provocaram o debate sobre a diferença de forma insistente, apontando a centralidade das mulheres brancas e heterossexuais na formulação feminista.  Desde a década de 1970, nos Estados Unidos, o feminismo negro vem provocando rupturas epistemológicas importantes, proposições que chegaram 10 anos depois no Brasil, através de formulações feministas afro-cêntricas, alertando para a importância da dimensão anti-racista na epistemologia feminista. De forma, mais errática e com menor organicidade, as mulheres lésbicas também pautaram os feminismos brasileiros, configurando mais lentamente uma produção nacional de conhecimento lésbico-feminista.

Movimento lésbico no Brasil: Uma história mal contada e os (des)encontros com o feminismo 

A história da lesbianidade é uma história clandestina, ignorada e marcada por invisibilidades, contradições e discordâncias entre as historiadoras que assumiram a tarefa de recuperar seus fragmentos. Conta-se com insuficiente disponibilidade de fontes de documentação que confirmem as relações amorosas e sexuais entre mulheres. Por isso, o trabalho de rearticulação da história lesbiana não pode ser considerado apenas um trabalho histórico, antropológico ou político, mas também arqueológico.

O aparecimento público lesbiano é registrado entre o final do sec. XIX e início do sec. XX, na Alemanha, E.U.A e Grã-Bretanha e ganha força entre as décadas de 1920 e 1950, associado ao surgimento de uma cultura urbana de bares gays, espaços privilegiados para visibilidade de uma estética butch/femme (Falquet, 2006).

O arquétipo da butch tem sido a representação dominante para lésbicas, sendo popularizada na década de 50 entre as jovens subculturas lésbicas da classe operária. Em contraposição a figura da butch constrói-se a figura da femme, a mulher feminina, que nem sempre se encara como lésbica (Halberstam, 2008). A nomeação butch/femme surge nos Estados Unidos, mas possui equivalentes em outras línguas e países, a exemplo de “caminhoneira” e “bofe” versus “lady”, comumente, empregados no Brasil. Para Halberstam (2008),  a masculinidade feminina pode assumir diferentes formas, existindo vários tipos de  butches, podendo ser entendidos em termos realistas ou como papéis conscientemente representados. As denominações podem implicar uma masculinidade relacionada com o trabalho, classe social, a idade, dentre outros.

Tal aparecimento se apoiará no uso da masculinidade, cujo significado, na época, aparece associado à afirmação de uma posição política, para a qual o vestuário “masculino” poderia simbolizar assertividade e modernidade como extensão de agência sexual, atestada pelo discurso médico (Brandão, 2010). Seja como for, para Chamberland (2002), as mulheres masculinas do período deram uma grande contribuição política ao movimento lésbico, visibilizando a existência de mulheres lésbicas numa época de forte repressão, contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura lesbiana.

 No calor das transformações políticas e culturais das décadas 1960 e 1970 e em estreita vinculação com movimento feminista e homossexual. dentre outros movimentos chamados de novos movimentos sociais, tem início a organização política lesbiana no ocidente.[13] Aos poucos, o movimento de mulheres lésbicas adquire autonomia, funda suas próprias organizações, produz crítica a misoginia, ao patriarcado e a forma falocêntrica do movimento homossexual, dominado por homens; apoiadas nas argumentações feministas para propagar a insatisfação com a ausência de lugar nos movimentos feministas e homossexual.

Alguns eventos marcaram a ocasião no contexto internacional, dentre eles, a publicação de artigos da norte-americana Jill Jonhston, reiterando as críticas ao movimento homossexual e feminista, copilados no livro Lesbian Nation: the feminist solution, em 1973.  Em 1974, em Boston, apareceu o movimento Combahee River Collective, um dos primeiros grupos feministas negros. Além da crítica ao heterossexismo, o movimento critica o sexismo do movimento negro; o racismo e as perspectivas classistas do movimento feminista e lésbico; o caráter reformista da National Black Feminist Organization – primeira organização nacional norte-americana feminista negra – e a invisibilidade das questões de raça e orientação sexual entre as feministas socialistas.

As perspectivas das militantes do Combahee River Collective[14] provocaram uma mudança radical nos paradigmas epistemológicos, teóricos e políticos feministas, inclusive na formulação da perspectiva que incorpora o standpoint[15]. A partir daí, foi evidenciada a inseparabilidade das lutas, criando condições para o surgimento de categorias como a interseccionalidade.

Além disso, as formulações teóricas foram importantes para a desnaturalização da heterossexualidade, que começa a ser posta em xeque com a publicação do artigo de Gayle Rubin, de “The trafic of woman: notes on the political economy”, em 1975, demonstrando o caráter social da heterossexualidade. Posteriormente, veio a contribuição de Adrianne Rich e Monique Wittig, escritoras lésbicas, militantes, feministas brancas.  A primeira publicou o ensaio Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence[16], em 1980, no qual denuncia a heterossexualidade compulsória enquanto norma social. Rich insiste no caráter político da vivência lésbica, não necessariamente vinculada a prática sexual, enfatizando as práticas de solidariedade entre mulheres, na perspectiva do continuum lésbico[17]. Este uniria as mulheres, de uma forma ou outra, distanciadas da heterossexualidade, buscando criar ou reforçar os vínculos entre elas, na perspectiva de luta contra o sistema patriarcal.

Monique Wittig, vinculada ao feminismo materialista francês e radicada nos Estados Unidos, publicou uma série de ensaios[18] nos quais enfatiza as categorias mulher e homem como criações sociais, definidas por uma relação de classe, como categorias políticas que não podem existir uma sem a outra, marcadas por uma posição nas relações sociais de poder que mantém. Ao referir-se a tais relações enfatiza que “o que constitui uma mulher é a relação de servidão que mantém a um homem” (1996:20). Wittig considera que além do sistema patriarcal, como aponta Rich, existe um regime político ainda mais central, que é a heterossexualidade. Para ela, ao negarem-se viver a heterossexualidade, as lésbicas negam-se viver as condições sociais que definem o constructo mulher. Por essa razão, avalia que as lésbicas não podem ser consideradas mulheres, pois

A lesbiana é o único conceito mais além das categorias de sexo, porque o sujeito designado não é uma mulher, nem o econômico, nem o político, nem o ideológico (...) as lesbianas escapam das relações baseadas na divisão sexual homem/mulher, ao negar-se a serem heterossexuais (2006: 56).

Para Wittig, não basta ser lésbica para desconstruir a categoria mulher. A lesbianidade tem que se constituir numa ação política voltada para a destruição da ficção mulher e da heterossexualidade enquanto sistema social e político:

Para nós trata-se de uma necessidade absoluta; nossa sobrevivência exige que contribuamos com toda nossa força para a destruição da classe de mulheres que se tornam propriedade dos homens. E isso pode ser alcançado somente com a destruição da heterossexualidade como um sistema social que se baseia na opressão das mulheres pelos homens e que produz a doutrina da diferença entre os sexos como justificativa para essa opressão (idem, p.23).[19]

Ao contrário de Rich[20], Wittig não acredita na viabilidade da sororidade feminina e questiona, veementemente, o feminismo que não se opõe ao heterossexismo. As idéias de Wittig exercerão forte influência no movimento lésbico feminista latino-americano, autodenominado de lesbofeminismo radical, que incorporará a critica à heterossexualidade obrigatória, a perspectiva teórica da práxis do feminismo materialista francês e as contribuições de feministas negras, mestiças, “de cor” e pós-colonialistas.  A crítica de Wittig à heterossexualidade obrigatória influenciará também a teoria queer, ainda que a crítica a heteronormatividade desenvolvida por este campo político e teórico se baseie em abordagens epistemológicas distintas daquelas que influenciaram a autora.

No lesbofeminismo[21] latino-americano e caribenho, as tensões estão associadas à ausência de critica ao heterossexismo e a perda da autonomia do movimento lésbico, advinda da institucionalização do feminismo[22]. Para as integrantes do lesbofeminismo radical, a partir do momento em que lésbicas feministas integram organizações financiadas com recursos governamentais ou oriundos de agências de cooperação internacional, sucumbem as pressões heterossexistas e deixam de se identificar como lésbicas.

Observam ainda que a construção das agendas feministas internacionais não contemplou o enfrentamento ao heterossexismo e tentam recompor o espaço perdido pelo feminismo. As lesbianas se engajam no movimento LGBT, mas, de acordo com Miñoso (2007), logo percebem a inviabilidade de empreender uma luta política lesbiana e feminista nesse espaço, que abandonou posturas mais radicais em prol de um discurso que enfatiza a diversidade, que ficou empobrecido politicamente, especialmente, por não questionar a heterossexualidade obrigatória.

Por essa razão, há um investimento na criação de Encontros Lésbicos Latino Americano e Caribenho, como espaço de resistência e acolhimento lésbico, no qual são delineadas estratégias políticas que privilegiam novas linguagens, criação artística, rodas de conversa para compensar a insuficiência dos recursos políticos tradicionais.

A experiência de diáspora pelos movimentos feminista e LGBT é tomada como objeto de reflexão nos referidos encontros, resultando no investimento conceitual no regime heterossexista, como categoria teórica e política que compreende o heterossexualismo como regime político. Isso demanda um re-investimento no lesbianismo político, como propõem Wittig e Rich, pois, como observa Mongrovejo, (2010:163), “o lesbianismo é mais que uma preferência sexual, é uma opção política porque desafia o sistema político estabelecido que obriga que as relações entre homens e mulheres sejam relações de domínio”.

Para a autora, alguns eventos têm provocado uma (re) aproximação do lesbianismo feminista radical com o pós-estruturalismo e a teoria queer[23], a exemplo da participação de transexuais no Encontro Lésbico Feminista de 2004, da necessidade de rediscussão do sujeito mulher e das fronteiras entre masculino e feminino. Todavia, essa é uma questão sobre a qual há posições divergentes, demandando um debate mais aprofundado sobre as mesmas.

               No Brasil, as relações entre movimento feminista e lésbico são costuradas pelas tensões já apontadas. De acordo com Marisa Fernandes (2002), boa parte das tensões advém da não incorporação das questões lésbicas nas agendas feministas, sendo mais grave o silêncio do feminismo perante as violências sofridas pelas lésbicas,  como o chamado estupro corretivo. Por essa razão, também para as lésbicas brasileiras, o espaço de definição estratégico passa a ser os Encontros lésbicos latino-americanos e do Caribe.

As primeiras iniciativas de organização lésbica brasileira acontecem ainda nos anos 1970. Ao final dessa década, surge o SOMOS, Grupo de Afirmação Homossexual, na cidade de São Paulo. Com o aumento do número de mulheres que ingressaram no grupo, as diferenças entre gays e lésbicas se acentuarem e esses acabaram se separando. As lésbicas começaram a realizar reuniões exclusivamente femininas. Em 1979, criam-se subgrupos de mulheres no interior daquela organização.  O primeiro foi denominado de Lésbico-Feministas (LF) que se separou, definitivamente, do SOMOS e se tornou um grupo de lésbicas independentes, se aproximando do movimento de mulheres. A independência foi vista pelos homens gays como divisionista, acontecendo, por essa razão, de forma conturbada.

A relação entre o incipiente movimento lésbico e o movimento feminista se inicia, em 1980, no II Congresso da Mulher Paulista. Apesar de resistências, o movimento de mulheres lésbicas foi se abrigando no movimento feminista e se separando do movimento homossexual.  Ainda em 1980, o Encontro de Grupos Feministas, em Valinhos/ SP, marca o afrouxamento da resistência feminista a presença lésbica, por um lado, e os primeiros sinais de divergência.

O LF desenvolvia atividades externas, tinha um núcleo de artes, participou de eventos feministas e homossexuais e publicou o número zero do jornal “ChanacomChana[24]”, encerrando suas atividades em fins de 1981. Para Martinho (1989), o fim do LF pode ser associado ao desgaste de suas militantes e aos ataques de dissidentes, que passaram a integrar o SOS-Mulher[25], e não viam sentido na existência de um grupo lésbico. Martinho critica a maneira como a lesbianidade foi tratada no âmbito daquela organização. Na sua opinião:

(...) apesar de lutar contra a violência contra a mulher, propunha implicitamente o enrustimento para as lésbicas que o compunham, mesmo o enrustimento, quer dizer, a invisibilidade, sendo uma das maiores violências que a sociedade nos impõe. Como o grupo tratava basicamente com mulheres heterossexuais, de todas as classes, temia-se que a explicitação do lesbianismo as afugentasse (…)”. (Martinho, 1989)

Para ela, após o impacto inicial do aparecimento do grupo LF no feminismo, esse adotou a tática da aceitação individual das lésbicas, adotando, com isso, estratégia que teria logrado efeito, considerando que ser mulher e homossexual aumenta a vulnerabilidade e, portanto, “a aceitação é para as lésbicas, mais do que para outros segmentos discriminados, um verdadeiro calcanhar de Aquiles”. O preconceito contra as lésbicas aparece, dessa forma, diluído no preconceito contra as mulheres em geral, ponto de vista que, segundo ela, ganhou facilmente a adesão de lésbicas em virtude da dificuldade em lidarem com os efeitos do preconceito  (Martinho, 1989).

As integrantes do LF[26], não integradas ao SOS Mulher, criaram o GALF – Grupo de Ação Lésbica Feminista, em 1981. Na primeira fase (1982-1984)[27], o GALF realizou vários eventos, publicou o boletim ChanaComChana (CCC), participou de debates, encontros e "agitos" do Movimento Homossexual e Feminista, fez contatos com grupos do exterior, iniciou aproximação com lésbicas não-organizadas, que  vendiam o CCC em bares e boates de São Paulo[28]. O grupo realizou manifestação durante debate sobre violência contra a mulher, em 1982, organizado pelo SOS Mulher. Distribuiu panfleto, denunciando o silêncio do movimento feminista sobre as diversas formas de violência sofridas pelas lésbicas. Marisa Fernandes assim descreve a participação lésbica no evento:

Instalamos no saguão de entrada um painel com fotografias e recortes que davam visibilidade a nossa existência. O material foi todo rasgado já na primeira hora de exposição (...) as lésbicas compareceram mascaradas, distribuíram e leram um panfleto, tratando das situações de violências específicas sofridas pelas mesmas (2002).

A primeira fase do GALF terminou com a perda da sede. O contexto de crise econômica do Brasil no período - a alta inflação e sua incidência no valor de locações imobiliárias - aliada a fragilidade das condições financeiras do grupo, inviabilizou a locação de um espaço próprio, vindo ocupar uma vaga numa casa cedida aos grupos feministas, pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, com o objetivo apoiar a sobrevivência das organizações de mulheres. Conforme relata a autora (Fernandes, 2002), essa não foi uma convivência fácil, pois no local estava instalado o Centro de Informação Mulher (CIM), havendo dificuldade de negociação entre as organizações[29]. Na segunda fase (1985- 1989), o GALF voltou-se para afirmação da organização lésbica autônoma, “desenvolvendo um trabalho voltado principalmente para mulheres lésbicas, organizadas ou não-organizadas” (Fernandes, 2002) . Nessa fase, manteve a participação em eventos feministas, sem assumir a organização dos mesmos[30]. Pela sua divulgação na mídia, o grupo tornou-se conhecido nacionalmente, provocando o recebimento de uma enxurrada de cartas de mulheres lésbicas de todo o Brasil. O estreitamento de laços com grupos e ativistas lésbicas do exterior[31] possibilitou um significativo fortalecimento do grupo e das suas ações. Em 1989, o GALF cede lugar a Rede de Informação Um Outro Olhar.

  Ao Avaliar os percalços do grupo, Martinho (2006) considera que a experiência mostrou ser imprescindível para o movimento lésbico constituir-se como movimento social específico em relação aos movimentos homossexual e feminista, procurando manter laços com esses grupos, sem, entretanto, permitir que as alianças diluam prioridades das mulheres lésbicas[32].  Acrescenta que a própria a forma de organização lésbica foi um desafio, uma vez que, por conta da vulnerabilidade vivenciada pelas lésbicas quase sempre havia choque entre o que o movimento propunha e a expectativa que as lésbicas tinham ao procurá-lo, visto muito mais como espaço de socialização e relaxamento do que para a formação política.

O fato é que elas vinham com uma perspectiva de bater papo, fazer amizades, arrumar namorada e etc.(...) No fim das contas, quem queria trabalhar não podia fazê-lo direito, em razão do clima de festa, e quem estava em festa não podia mantê-la porque a reunião era de trabalho” (Martinho, 2006).

Em relação aos desafios enfrentados no período referido, Martinho (2006) cita o “individualismo exacerbado”, responsável em parte por essa "fissura" lésbica; o “enrustimento”, dado o fato de que muitas lésbicas acreditam ser imprescindível "assumir-se" para realizar atividade política; as dificuldades para lidar com questões administrativas relacionadas ao gerenciamento de projetos e o déficit de profissionalização das equipes.

Na década de 1990,  se desenha outro cenário para o ativismo lésbico, surgindo várias formas de atuação, em grupo, independente, em redes, articulações e partidos políticos. Os grupos de mulheres lésbicas conquistam maior visibilidade, sendo significativo para a organização política lésbica o I SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas[33], em 1996, no Rio de Janeiro, contando com a participação de cerca de 100 lésbicas, onde foi escolhido o dia 29 de agosto como Dia Nacional pela Visibilidade Lésbica[34]. No âmbito da relação com o feminismo, durante o III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, 2003, foi articulada a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) como uma rede constituída por lésbicas e bissexuais, organizadas em grupo ou de forma autônoma. A Liga constitui hoje a única articulação lésbica brasileira que se auto identifica como feminista e marxista.[35]

A partir da década 2000, o movimento lésbico, que se auto define como feminista,  adotou uma performance mais propositiva e continuada na agenda política do movimento feminista brasileiro, participando de ações promovidas por organizações como: Articulação de Mulheres Brasileira (AMB), Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS); construindo pautas conjuntas nas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres Brasileiras e na Plataforma Política Feminista; na Campanha por uma Convenção Interamericana dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos, através de parceria com AMB e Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), dentre outras ações, o aumento da presença nas Paradas do Orgulho LGBTT e das atividades da visibilidade lésbica no 29 de agosto[36]. A RFS fez duas publicações sobre mulheres lésbicas: o Jornal da Rede, n. 24/2001, e o Dossiê Saúde da Mulher lésbica/2006. Esse conjunto de ações revela uma tendência de mudança na relação entre os dois movimentos.   

Apesar dos avanços registrados na relação, tem sido recorrente a manifestação de insatisfação das lésbicas feministas em relação ao tratamento conferido ao tema da lesbianidade. Repara-se, no entanto, que apesar das queixas, um número significativo de lésbicas acredita que a o acesso a direitos não pode ser viabilizado, prescindindo das contribuições do feminismo.

Considerações sobre os (des)encontros movimento lésbico e feminista

A análise dos encontros e tensões entre o movimento feminista e de mulheres lésbicas deve estar situada no contexto político e econômico no qual esses movimentos se articularam na década de 1970, que incidiu não apenas sobre esses, mas sobre o conjunto de movimentos sociais que atuaram para a redemocratização brasileira. Outro ponto importante é a intersecção do movimento de mulheres lésbicas com o movimento feminista e o movimento homossexual, posteriormente LGBT, devido o seu campo de atuação[37].

A despeito dos problemas e dos desacertos, estamos diante de movimentos que lograram sucessos na sua incidência sobre a realidade cultural, política, social e legal do país. Muitas foram às mudanças sociais e culturais em relação ao reconhecimento dos direitos das mulheres e da diversidade sexual, relativas às vivências de lésbicas, gays e bissexuais e as diferentes identidades de gênero no campo da transexualidade.  A atuação dos movimentos feministas e LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – é impulsionadora dessas mudanças através da veemente crítica ao androcentrismo[38], à rigidez das normas e identidades de gênero e à heterossexualidade obrigatória.

Todavia, algumas fissuras podem ser identificadas no tocante a intersecção entre a crítica ao sexismo e a misoginia e a desconstrução da heterossexualidade obrigatória. O movimento LGBT não incorporou a crítica à subordinação das mulheres e do feminino nas relações de gênero, reproduzindo relações hierárquicas e de subordinação de mulheres lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais aos homens gays no interior do campo de atuação LGBT. Essas questões foram observadas em relação à definição do protagonismo, da representação, da visibilidade da erótica masculina, da reprodução de linguagem misógina na comunicação, contribuindo para a menor visibilidade de lésbicas em relação aos homens gays, travestis e transexuais. Também não formulou a crítica ao sexismo presente nas relações homoafetivas e nas relações de gênero de forma geral.

Sem dúvida, o tratamento conferido à lesbianidade no campo dos feminismos (menos diverso do que hoje) colaborou para a manutenção da invisibilidade lésbica, pois o questionamento à heterossexualidade obrigatória não teve espaço na formulação epistemológica e na agenda política do movimento feminista brasileiro. Foi priorizada a agenda relacionada às vivências de mulheres heterossexuais, como a contracepção, o aborto, a esterilização, a gravidez, o parto[39]. A constituição de articulações de mulheres lésbicas no campo feminista foi tardia e a visibilidade das questões lésbicas no movimento feminista ainda é tênue.

Outro ponto que se sobressai na análise é o fato de que uma questão que se constitui como incômodo associado à lesbianidade não foi enfrentada (e talvez esteja longe de sê-lo). Chama a atenção a preocupação feminista em não se tornar masculina ou serem vistas dessa forma, com isso, o medo de perder a feminilidade revela-se como o calcanhar de Aquiles do feminismo. Uma associação utilizada como tentativa de deslegitimação feminista e para afastar as mulheres do movimento. Passados quase 40 anos da história recente do feminismo, essa não é uma questão distante dos nossos dias, nem mesmo do horizonte das lésbicas (assim como o sexismo não está distante das vivências das mulheres, nem o racismo das pessoas racializadas), por isso, precisa ser analisada, dissecada e desconstruída.

Acostadas em Welzer Lang (2001), entende-se haver uma imbricação que mantém a interdependência existente entre a construção da masculinidade, a produção da dominação das mulheres, da violência, misoginia e a homofobia e lesbofobia[40] que muitas vezes deixamos escapar nas nossas análises. Todas essas relações são costuradas pela necessidade de se validar um determinando constructo de masculinidade.

Masculinidade e feminilidade não se polarizam como costumamos analisar. Estão engendrados num capcioso processo de complementariedade, sustentada na cumplicidade do pólo dominado, não necessariamente consentido. Trata-se de relações fundadas no estabelecimento de diferenças entre masculino e feminino em que se aprende que “ser homem é ser diferente do outro, diferente de uma mulher” (Welzer Lang 2001:463). Assim, “na socialização masculina, para ser um homem é, necessário não ser associado a uma mulher. O feminino se torna o pólo de rejeição central, o inimigo interior que deve ser combatido sob pena de ser assimilado a uma mulher e tratado como tal” (p. 465). Portanto, as relações dos homens entre si e com as mulheres são estruturadas na imagem hierarquizada das relações entre homens e mulheres.

Tal status é conferido pela virilidade, que só pode ser vivida transversalmente em relação às esferas públicas ou privadas. Sarda (1987) observa que as relações de gênero são marcadas pelo androcentrismo, expressão que se refere à centralidade conferida ao masculino na organização das relações sociais e, de maneira especial, às qualidades que o homem deve apresentar para atestar sua masculinidade, dentre as quais se destaca a virilidade. Conforme a autora, “o androcentrismo não se refere a qualquer ser humano do sexo masculino, mas aqueles aos quais se associam um conjunto de valores viris, a uma determinada forma de conceituar o masculino em função da participação no poder bélico, político.” (idem, p. 22)

Welzer Lang (2001) observa ainda que a normatividade masculina é definida pela heterossexualidade, num processo em que homossexualidade e heterossexualidade reproduzem a polarização masculino e feminino. “Homo/hétero, como homem/mulher, são os pares de oposição que só adquirem sentido quando tomados juntos” (p.467). Nesse ínterim, a virilidade garante a condição heterossexual que deve ser preservada. Um homem pode ser penetrado por outro homem e não ser homossexual, porque ele também é ser que penetra. Dessa forma, o androcentrismo é heterocentrado, constituindo o heterocentrismo.

De acordo com a análise ensejada, o argumento naturalista confere benefícios aos gays pelo fato de terem, ou terem tido, um pertencimento biológico. Os que radicalizam na ruptura desse pertencimento sofrem sanções mais intensas e cruéis, com o objetivo de corrigir ou punir o desvio. As lésbicas são enquadradas como mulheres que não possuem sequer o lugar do feminino. Sua ousadia é maior porque querem ascender a um campo que supostamente não existe para elas (o campo da masculinidade) e a tentativa de “invadi-lo” ameaça o paradigma naturalista.

 Por essa razão, ao enunciarem de forma mais veemente (imitando os homens), seus corpos são mais rechaçadas, daí a violência e abjeção impingidas às lésbicas masculinizadas e às feministas, por sua associação com a lesbianidade, que é em ultima instância uma negação da feminilidade e uma ameaça ao status quo do masculino.  Destaca-se o ativismo queer como forma de ruptura, ao criticar, ao mesmo tempo, o binarismo homem/mulher e o heterossexismo da classificação dessas próprias categorias. As teorias sobre a heteronormatividade desenvolvidas no âmbito da teoria queer – a partir das intersecções com outras epistemologias, em especial as feministas – parecem permitir uma alcance maior das redes de significação - gênero, sexo, desejo, praticas sexuais, relações de poder,  biopoder - e dispositivos relacionados com a sexualidade, indicando que seus efeitos não são exclusivos das pessoas que vivenciam apenas as sexualidades dissidentes da heterossexualidade. 

Dessa forma, a análise dos movimentos não deve ser orientada pela preocupação em encontrar vítimas ou vilãs, tampouco, para resolver as tensões. O que surge como mais produtivo na relação foi resultante dos conflitos que envolvem a própria definição das posições de sujeitos envolvidas nos dois movimentos. O movimento lésbico provocou a armadilha da universalidade presente no discurso feminista dominante, exercendo, dessa maneira, uma agência epistêmica e política de peso para o feminismo.  

Por outro lado, face às dificuldades relatadas por Martinho (1989) no tocante a influência exercida pelas trajetórias de mulheres lésbicas nas suas estratégias políticas, não se pode prescindir da contribuição estratégica do feminismo. Esta é resultante do acúmulo que obteve na experiência de luta contra a ditadura; na aproximação da educação popular, das abordagens psi e das técnicas do teatro para a composição de uma metodologia própria; na definição, negociação e disputa de projetos societários que enfrentem as desigualdades de gênero, a exemplo das estratégias de advocacy, reproduzidas e disseminadas por diversos atores sociais. Assim como, a produção de conhecimento de caráter epistemológico e teórico que contribuem para o questionamento de paradigmas de científicos.

Não se estar a sugerir aqui que as estratégias do feminismo sejam melhores do que aquelas que foram ou possam a ser adotadas pelo movimento de mulheres lésbicas ou qualquer outro, todavia reconhece-se o sucesso alcançado por algumas estratégias adotadas no contexto histórico em que se deu. Hoje, diversificaram-se as formas de ser feminista e fazer movimento feminista, com apelo entre segmentos difíceis de incorporarem-se as estratégias tradicionais dos movimentos sociais. A mutiplicidade de formas de ativismo feminista com apelo cultural (movimentos culturais, bandas de rock hardcore, hip hop, grafitismo anárquico punk, fanzines) [41] indica a necessidade de renovação das estratégias, buscando uma linguagem que mobiliza diferentes públicos, sendo importante estar atenta a essas expressões para potencializar seu uso estratégico.

 Dessa forma, se por conta da origem do movimento ou da articulação de ativistas estar relacionada aos espaços de socialização lésbica, como bares e boates; as lésbicas não respondem as estratégias políticas (inclusive no campo da produção do conhecimento) pensadas para mulheres que vem de outra trajetória, é preciso que isso seja levado em consideração e que se renove as estratégias de articulação, obtendo mais chances de alcançar as respostas desejadas. 

Fica a demanda para ambos os movimentos (e as considerações valem também para o movimento LGBT) problematizarem a heteronormatividade, sua imbricação com a construção da masculinidade no cotidiano de suas práticas, como condição sine qua non para não compactuar com o sistema que engendra desigualdades, a partir da produção de discursos ancorados nos marcadores sociais, nos quais a construção binária acerca do masculino e feminino funciona como alicerce para tantas outras.

O reconhecimento de acertos e desacertos é importante, mas a questão não se resume a busca de culpadas/os, procurando encaixar lésbicas e feministas como vítimas ou culpadas. Não se trata, simplesmente, de fazer meia culpa pelo feito e pelo que deixou de ser feito, mesmo porque as medidas para expiação de culpa tendem a ter um caráter meramente compensatório. Trata-se de compreender que sem o questionamento a instituição heteronormativa, a viabilidade das transformações nas relações de gênero fica comprometida, e sem a crítica ao androcentrismo, a diversidade sexual não realiza cortes profundos com a dinâmica de exclusão social. Para isso, precisamos construir uma via que ponha em cheque a construção da heteronormatividade e o androcentrismo. E no nosso entendimento, essa missão não é de um, mas de todas/os: movimento feminista e de mulheres lésbicas e movimento LGBT.

Nota biográfica

Gilberta Santos Soares

Feminista, psicóloga, mestre em sociologia pela UFPB, doutoranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero, Feminismo da UFBA. Sócia fundadora e colaboradora da Cunhã Coletivo Feminista.  Foi Secretária Executiva das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro. Atualmente, Secretária Executiva da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana. Pesquisa sexualidade, feminismo, lesbianidade e direitos reprodutivos.

Jussara Carneiro Costa

Assistente social, mestre em sociologia pela UFPB, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero, Feminismo da UFBA. Pesquisa as relações entre movimento feminista e movimento de mulheres lésbicas no Brasil.

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[1] Feminista, psicóloga, mestre em sociologia pela UFPB, doutoranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero, Feminismo da UFBA. Sócia fundadora e colaboradora da Cunhã Coletivo Feminista.  Foi Secretária Executiva das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro. Atualmente, Secretária Executiva da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana. Pesquisa sexualidade, feminismo, lesbianidade e direitos reprodutivos.

[2] Assistente social, mestre em sociologia pela UFPB, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero, Feminismo da UFBA. Pesquisa as relações entre movimento feminista e movimento de mulheres lésbicas no Brasil.

[3] Walerstein (2004) usa a expressão trânsito para falar da posição de agente epistêmico do feminismo nesse processo.

[4] Para Foucault, os dispositivos constituem-se em cadeias de variáveis relacionadas entre si: os objetos visíveis, as enunciações, as forças em exercício, os sujeitos. Os dispositivos normalizam, definem e instituem as normas verdadeiras e, por isso, são normalizantes. Além disso, tornam-se constitutivos da verdade e estão presentes no âmbito macrossocial tanto quanto no microssocial. São esses dispositivos que permitem a criação de sujeitos; a construção de subjetividades; de identidades sociais e individuais; a normalização e disciplinamento da sociedade. São constitutivos tanto das relações de poder e quanto das redes de resistência. (Foucault, 1990)

[5] Expressões utilizadas para destacar os diferentes lugares de enunciação das feministas.

[6] Ênfase no momento histórico, pois que a vinculação da pílula anticoncepcional com o projeto de controle da natalidade no país levou a sua disseminação de forma massificada e uso indiscriminado, sem práticas educativas consistentes, acarretando em problemas para a saúde da mulher e comprometendo o sentido de autonomia feminina sobre o corpo e a sexualidade.

[7] “Comming out” ou “sair do armário” é a terminologia, predominantemente, utilizada na literatura gay para se referir ao processo de experimentar relações afetivo sexuais com pessoas do mesmo sexo e assumir a homossexualidade.

[8] Refiro esse período como ressurgimento do movimento feminista brasileiro, sem desconsiderar os períodos anteriores significativos para a luta das mulheres, como o movimento sufragista. Dos anos 70 em diante, surgem os estudos sobre a mulher na academia.

[9] Com o processo de estadualização, passou-se a chamar de Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

[10] “O silêncio é cúmplice da violência”, “Quem ama não mata”, “Nosso corpo nos pertence”, “O pessoal é político” são slogans que marcaram as concepções feministas das campanhas implementadas no final dos anos 70 e década de 80. 

[11] Jornais como o Brasil Mulher, Nós Mulheres e, posteriormente, O Mulherio, que circulavam nas bancas de revista.

[12] Considerando a possibilidade de problemas de tradução do termo para o português, foi consultado o original em francês, no qual ela usa a mesma terminologia. Houve inúmeros problemas na tradução do livro para o inglês. Sérgio Millet fez a tradução para o português e foi fiel as idéias da autora.

[13] Não dispomos de registros em outras regiões. 

[14] A iniciativa deste grupo desencadeou outras ações, a exemplo da recopilação dos textos The Bridge Called my Back/Esta puente, mi espalda, organizada por duas lésbicas feministas, Gloria Anzaldua e Cherrie Moraga, reunindo vozes de  feministas e lésbicas negras, indígenas, asiáticas, latinas, migrantes e refugiadas, que também afirmam ser-lhes impossível escolher sua identidade como mulheres e sua identidade como pessoas de “cor” (Falquet, 2009: 86).

[15] Para o qual contribuem as lésbicas negras e feministas bell hooks e Patricia Hill Collis com sua proposta de nomeação de outsiders within, (as estranhas de dentro),  buscando definir condições para o pensamento feminista negro.

[16] O ensaio foi traduzido para o português recentemente, publicado na Revista Bagoas, n. 05/ 2010 e encontra-se disponível no endereço http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v04n05art01_rich.pdf.

[17] A idéia de continuum inspirou o feminismo cultural e é duramente criticada, pelas feministas que se opõem a esta perspectiva, por seu apagamento das diferenças e fronteiras em que estas se produzem (Alcoff, 2004) e, no campo  lésbico, pela dessexualização das relações e ofuscamento das diferenças entre as várias formas de se viver a lesbianidade (Rubin, 1989; Cordero, 2005).

[18] Copilados em 1992 em inglês, The Straight mind and other essays, e publicados em espanhol em 2006, El pensamiento Heterosexual y otros ensayos, pela Editorial Egales da Espanha.

[19] O lesbianismo como categoria política é defendido no ensaio ‘The Straight Mind’, publicado em 1980, para as lesbianas americanas, lido pela autora na  Convenção da Associação de Linguagem Moderna, realizada em 1978, em Nova Iorque.

[20] Não se pode negar a radicalidade do pensamento de Rich, apesar das críticas, assente no seu questionamento à obrigatoriedade da heterossexualidade e da maternidade. Os termos "continuum lesbian" e "existência lesbiana" foram criados por Rich como contrapartida à conotação clínica e pejorativa do termo lesbianismo (Rich, 1981: 26-27).

[21] Expressão utilizada por teóricas lésbicas integrantes do lesbianismo feminista radical.

[22] A institucionalização a que se referem as autoras compreende o ingresso de feministas do movimento em programas governamentais locais, como a participação em programas financiados com recursos oriundos de agências de cooperação internacional, a exemplo de algumas desenvolvidas por ONGs. Cf. Minõso (2007) e Mongrovejo (2010). 

[23]  Falamos em (re)aproximação tendo em vista as influências de Wittig, como representante do feminismo lesbiano radical, sobre a teoria queer, como enfatizado anteriormente. 

[24]  Trata-se de um boletim sobre temáticas lésbicas. Era usado para reivindicar o fim da discriminação contra lésbicas no Brasil, para promover articulações entre ativistas lésbicas em nível internacional, em especial na América Latina. Foi responsável pelas primeiras aparições de temas lésbicos nos meios de comunicação nacionais. Teve seu primeiro número publicado como jornal pelo LF, em 1981, sendo, posteriormente, publicado como boletim, em 12 edições (1982 a 1987) pelo GALF. Os números em versão pdf podem ser solicitados via internet através do site www.umoutroolhar.com.br  

[25] O Grupo SOS Mulher é uma organização feminista, de São Paulo, que atuava na área de violência contra mulher, atendendo vítimas de violência, realizando denúncias, campanhas e mobilizações pelo fim da violência contra mulher. 

[26]  A paulistana Roseli Rorth destaca-se como liderança no LF e, posteriormente do GALF, ficando conhecida pelos seus escritos, entrevistas na televisão sobre a lesbianidade, diálogo com o movimento feminista e pela morte trágica.  Roseli se evidenciou por ser a primeira lésbica a se identificar como lésbica em entrevista na televisão.

[27] Nessa fase, dividia sede com o grupo homossexual OUTRA COISA de ação homossexualista, no centro de São Paulo,

[28] Dos eventos realizados pelo grupo, destacam-se: os debates com o psicanalista francês Félix Guattari e com a escritora feminista italiana Dacia Maraini; com partidos políticos; com feministas; a comemoração do aniversário do Movimento Homossexual e do GALF. E ainda: a participação no I Festival das Mulheres nas Artes; no DIA 08 de março de 1983; no encontro de entidades com o, então, governador Franco Montoro; e, principalmente, a "invasão" do Ferro's Bar.

[29] A história toda se encontra relatada, em detalhes, no boletim ChanacomChana nº 07

[30] Tendo participado dos III e IV Encontros Feministas Latino Americanos e do Caribe, 1985, em Bertioga (SP) e em 1987, em Taxco, no México, e nos 8° e 9° Encontros Nacionais Feministas, em Petrópolis (RJ) e em Garanhuns(PE), respectivamente em 196 e 1987. Nesses eventos, organizava e/ou participava de reuniões só para lésbicas e/ou para lésbicas e heterossexuais (fonte)

[31]  Participando de dois encontros lésbicos, a 8ª Conferência do Serviço de Informação Lésbica Internacional (ILIS), na Suíça,e no I Encontro Lésbico Feminista Latino Americano e do Caribe, no México, 1987.

[32] A respeito, ela lembra: “costumávamos encaminhar questões como as do aborto, creches, planejamento familiar, projetos de gráfica, etc... e participar de manifestações contra a violência a mulheres espancadas, ou mortas, por seus maridos, mas quando íamos levantar nossas próprias questões, tínhamos que enfrentar o reacionarismo de grupos como o SOS-MULHER que não só não falava contra a discriminação às lésbicas como também não admitia que falássemos”.(fonte)

[33] De acordo com Mesquita (2004), o SENALE, enquanto espaço construído por e para lésbicas, visa dar visibilidade e fortalecer a organização das lésbicas no Brasil, debatendo temas de interesse como sexualidade, saúde, gênero, combate à violência, diversidade, entre outros.

[34] Existem divergências quanto à definição do dia da visibilidade lésbicas, quando algumas questionaram a decisão, afirmando  que o encontro não contava com um público de 100 mulheres.

[35] A LBL define como seus objetivos principais: “reconhecer os direitos sexuais como direitos humanos; fortalecer o movimento de mulheres lésbicas e bissexuais no âmbito local, regional, nacional e internacional, sob uma perspectiva feminista, garantindo os direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, étnicos e raciais, sexuais e reprodutivos - como garantia de justiça social e dignidade humana”. Cf. www.lbl.org.br

[36] Para mais detalhes consultar Mesquita, 2004.

[37] Esse aspecto não é próprio da conjuntura nacional, perpassando os contextos latino americano e internacional.

[38] O termo androcentrismo tem origem no grego andrós e “refere-se à concepção ou saber supostamente neutro ou universal que privilegia o ponto de vista dos homens como eixo articulador do discurso social e lógico-científico, sem considerar ou desvalorizando o ponto de vista das mulheres”. (Yannoulas, et al, 2003:426).

[39] Lembrando que, historicamente, a gravidez e o parto estão associados, exclusivamente, a vivência de mulheres heterossexuais. A discussão sobre o uso e a oferta de tecnologias reprodutivas para mulheres lésbicas, a adoção e famílias homoparentais é recente no Brasil.

[40] Inclusão nossa, reforçando a discriminação e intolerância contra mulheres lésbicas, com suas particularidades de manifestação.

[41] O gênero musical riot grrrls apareceu na década de 1990 como resposta as atitudes machistas punks, é um movimento feminista que abrange fanzines, festivais e bandas de hardcore punk rock, tendo na música sua principal forma de protesto. Sua intenção é informar a mulher de seus direitos e incentivá-las a reivindicá-los. A carreira musical feminina se resumia as vocalistas ou qualquer função em bandas de músicas leves. Sendo assim mal vistas. O principal ponto foi montar bandas de rock, com instrumentos pesados, como baixo e guitarra com muitos efeitos e distorção, estilo e instrumentos inicialmente considerado como masculinos.

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1-Gilberta Santos Soares

2-Jussara Carneiro Costa

 

labrys, études féministes/ estudos feministas
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