labrys, études féministes/ estudos feministas
julho/ 2016- junho 2017 /juillet 2016-juin 2017

Corpos que importam: lugares para a história

Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro


 

Resumo

Com os estudos feministas, tornou-se possível enxergar o corpo mergulhado em um campo político, este que, apreendido como um elemento referencial e articulador do poder moderno, deve ser lido como efeito-instrumento em uma rede de tecnologias sociais que o designam e encerram. O discurso da historiografia consiste em uma das telas privilegiadas onde performam corpos marcados-marcadores de sexo-gênero e raça no interior de um campo de visibilidade e validade. Reler algumas figurações do corpo negro no feminino e rastreá-los como lugares para a história que acionam a engenharia da inteligibilidade cultural é o exercício que proponho, buscando observar dispositivos políticos em operação, imaginar seus efeitos, e decifrar a violência materializada em encenações emblemáticas da modernidade.

Palavras-chave: Corpos. Discursos. Sexo-gênero. Raça. Historiografia  

Abstract

With Feminist Studies, it became possible to see the body as a source of resistance, control and modern power moving inside a political arena. The body may be apprehended as an instrument or effect within a social technological net that identify and confine it. Historiographical discourse forges, then, a privileged screen where we can see bodies performing race, sex-gender technologies. To re-read some black body female figures and to locate their images as places for the history, I mean, sites responsible for cultural intelligibility engineering, is an effort to observe political devices at work, to imagine some of their effects, trying to decipher forms of violence materialized among symbolic scenes of modernity.

Key-words: Bodies, Discourses. Sex-Gender. Race. Historiography

 

 

(Fig. 1)

Corpos de mulheres negras se distribuem na historiografia do Brasil. Em Minha  Formação, por exemplo, Joaquim Nabuco observava o cenário político-cultural do país, recém saído da experiência monárquica, constitucional e escravocrata, e contribuía para forjar as bases de uma arquitetura social que não deixava de evidenciar naqueles corpos suas marcas indeléveis de sexo, gênero e raça. A imagem de sua memória, e da população, como efeito de algumas outras corriqueiras no Brasil Imperial, seria replicada explícita ou implicitamente no discurso social da nação. Em suas anotações publicadas no livro, registradas ao longo da vida de lutas cívicas, inclusive como militante pela abolição, ele refletia:

"[...]a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o, como se fosse uma região natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhes sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte (...). Quanto a mim, absorvi-a no leite preto que me amamentou; ela envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância." (NABUCO, 1949, p.29).

No trecho acima, ele constata e finca nos marcos originais do discurso e do pensamento republicano a cicatriz profunda, indelével, característica da nossa formação social. Parece querer prestar seu testemunho daquela experiência singular de sofrimento, de crueldade, de dor, de uma experiência histórica definitiva que ele pretende acomodar no texto e ordenar na memória. Assim, como que para dar conta da dor, procura com suas palavras dar um verdadeiro estatuto ao sofrimento: ainda que amaciada pela “suavidade”, pela acomodação à “natureza virgem do país”, revestida de “seus mitos, suas legendas, seus encantamentos”, a experiência materializada no testemunho não esconde tristezas, lágrimas, e silêncio, embora os registre entremeadas a alegrias (sem causa) e felicidade (sem dia seguinte). A dor do trabalho incansável, dos desmandos, dos castigos, da apropriação dos corpos e das vidas, em suma, as dores da violência silenciada que inaugura um território geográfico, nacional e simbólico, “como se fosse uma região natural e viva”, no relato do homem público, de família proprietária de engenho e de escravos, estas se transfiguram em “uma carícia muda” que o envolveu em toda a sua infância. Entretanto, o leite preto, a suavidade, a carícia muda tem corpo. Corpo cativo de mulher e ama-de-leite.

Violência e suavidade, natureza virgem e população ou cultura, escravidão e evolução ou liberdade, tristeza e alegria, o testemunho perpassa uma topografia acidentada de emoções contraditórias e expõe a condição de um acontecimento, isto é, um corpo, uma experiência, uma maneira de sobrevir, de ser transmitida, oferecida, falada e depois projetada no porvir faz parte de sua existência e dissemina à sua volta uma afinidade de sentidos (FARGE, 2011, p.21). O testemunho do sujeito mira o futuro e habita o lugar do masculino branco, proprietário, inclusive de escravos, lugar da elite política e econômica em suma, enquanto projeta nas telas do imaginário social corpos significantes que encarnam figuras de linguagem e conferem à paisagem humana e social uma certa ordem, uma escrita que dê conta de um momento singular na desordem das emoções distintas, ambivalentes, talvez inconciliáveis.

O testemunho de Nabuco, em sua perspectiva memorialística, na potência de sua síntese e na ressonância de suas imagens, parece ter contribuído para os desdobramentos de uma tradição da história preocupada em dissolver o acontecimento singular em uma continuidade ideal, no interior de um movimento teleológico ou encadeamento natural (FOUCAULT, 2008, p. 272). A relação desequilibrada entre sujeitos e identidades sociais, na arquitetura da desigualdade escravocrata, parece ganhar uma equação ideal, onírica e discursivamente satisfatória ao reaparecer em diferentes nichos da vida pública e privada, projetando objetos, acontecimentos e lugares da história no tecido plácido e suavizado do imaginário da nação.     

Arlette Farge nos adverte que há uma grande variedade de dispositivos políticos e sociais, imaginários e míticos que produzem e acolhem as guerras, - acrescento, também os conflitos de sexo-gênero, raça e condição civil -, tornando-os acontecimentos possíveis e até desejáveis (FARGE, 2011, p. 43). Tomada como uma guerra cotidiana, a paisagem da escravidão, de violência e solidões, travestida de suavidade naquele país em construção, articulada à imagem de uma memória da infância, da carícia e do leite preto do corpo que o amamentou exibe uma matriz de inteligibilidade cultural que, como um monumento, exige ser interrogada.

Esta, entre outras representações da amenidade singular característica da experiência da escravidão no Brasil, ainda que discutida e contestada em historiografia recente, demanda inquirição e exame. Nas telas da história, e em imagens replicantes, corpos de mulheres negras aparecem mais ou menos expostos ou insinuados na historiografia, na iconografia, entre outros textos, reclamando novos olhares que se exercitem revolvendo múltiplas tensões e resistências. Violências no plural, mais ou menos apaziguadas ou travestidas em estereótipos e demarcações excludentes, insistem em procurar lugares de articulação, projeção e silenciamento que se disseminam no discurso social. É preciso invadí-las, portanto, quebrar-lhes a naturalidade historiográfica, desfamiliarizá-las do/no pensamento social brasileiro.


(Fig.2) 

Retratos do presente: dados atuais da violência, novos quadros de guerra

De acordo com os dados recentemente publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na imprensa, a cada 11’33” uma mulher é estuprada no Brasil. Como trata-se de um crime com a maior taxa de subnotificação do mundo, estima-se que esse número possa ser dez vezes maior, ou seja, poderíamos pensar em termos de uma mulher por minuto, sendo estuprada nesse país. Por outro lado, o Mapa da Violência de 2015 (WAISELFISZ, 2015) traz um estudo especial sobre a situação das mulheres no Brasil. A pesquisa mostra que o alto índice da desigualdade entre a população negra e branca continua alarmante. O número de homicídios de mulheres brancas, por exemplo, caiu 9,8% de 2003 a 2013, enquanto entre as mulheres negras houve um aumento de 54,4% (Id., ibid.).

Quando se comparam as taxas de homicídio — e não os valores absolutos —, a diferença permanece: uma queda de 11,9% entre as brancas e um crescimento de 19,5% entre as negras. O chamado “índice de vitimização”, que mede quantas mulheres negras morrem a mais do que brancas no país, chegou a 66,7% em 2013 — dez anos antes, era de 22,9%. Os estados com o maior número de homicídios de mulheres negras são Espírito Santo, Acre e Goiás. Ainda segundo o estudo, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006) teve um impacto na redução de vítimas entre a população feminina branca (2,1%), mas, entre as negras, a violência doméstica aumentou em 35% desde a criação dessa legislação, em 2006 (Id. Ibid.).

Os números nos trazem dados alarmantes acerca de formas de violência em andamento nos dias atuais. As tarefas da linguagem matemática evidenciam quadros da população e a descrição de processos que revelam conflitos vincados pelas conotações de raça, sexo-gênero. Há pelo menos um século das anotações do homem maduro pernambucano, antigo menino de engenho de Massangana, não há mais escravidão. Nem seria possível, ou desejável, preencher as lacunas que confeririam de volta à história/historiografia a sua condição linear, finalista, (superada?), que desprezaria o conjunto de circunstâncias específicas, de elementos novos ou antigos, a irrupção de aspectos relevantes de certas contingências singulares, de transformações mais ou menos superficiais ou estruturantes, que possibilitem descrições ou quadros de rupturas ou passagens.

Na paisagem cunhada pela memória do abolicionista, na virada do século XIX para o século XX, é possível entrever a sociedade atravessada por poderes bem desenhados, e sentidos em movimento: emergem imagens-tentativas de superação do “atraso”, da “inferioridade moral” de sujeitos escravizados, da “anomia”, da desorganização social, mas sobretudo representações da “benevolência” do sistema que designa, modela, identifica e naturaliza a relação de assimetria entre homens e mulheres, brancos e negros, proprietários e propriedades humanas escravizadas. Na imagem retratada pelos números da estatística contemporânea, a violência reaparece melhor definida ou explicitada – o estupro, os homicídios -. Sujeitos se insinuam nos processos que expõem os conflitos, atuam e resistem sob regimes de existência e trabalho bem diferentes, em circunstâncias muito singulares.

Não se trata de restabelecer um fio de continuidade entre os dois quadros aqui expostos, mas de procurar descrever as enunciações próprias de cada emergência. Observar domínios epistemológicos específicos – os dados estatísticos, os da medicina e da literatura -, decifrar relações entre instituições mais ou menos vizinhas, reler enunciados historicizados que sugerem eixos de descrição possíveis. Ainda que as demarcações de sexo-gênero e raça possam servir como um denominador comum e configurem elementos significativos da violência evidente em cada situação, é importante desenhar, guardar e sublinhar os recortes, delimitar periodizações específicas, a fim de aceder, assim, à metodologia complexa da descontinuidade (FOUCAULT, 2008, p. 63. 1967). Entre duas referências espaço-temporais descritas, balizas bem provisórias de uma re-escrita, seria possível construir pontes, estabelecer relações, entrever diálogos, poderes, analogias entre identidades e posições de sentido?

 

 

(Fig. 3)

 

Retratos do passado: rastreando o imaginário carioca do oitocentos

Voltando os olhos para as janelas do imaginário oitocentista, corpos de mulheres negras proliferam nos discursos dando a ler diferentes funções da escravidão. Como amas-de-leite, elas aparecem amiúde como mercadorias humanas oferecidas para compra, venda e aluguel nos anúncios de jornal. Ocupam espaços largos na imprensa comercial, porquanto, quando produtores do leite, seus corpos tinham um valor maior no reconhecido como “ignóbil mercado de almas”, comércio tão pouco nobre quanto corriqueiro no cotidiano do campo e da cidade. Quer dizer, era possível auferir lucros ainda maiores com a propriedade humana feminina em estado de nutriz. Os classificados ocupam páginas nos diários na Corte e oferecem pretas, pardas, moças, “com ou sem as crias”, “limpas”, sabendo “lavar ou engomar com perfeição”, com “abundante leite”, “carinhosas”, de 15 anos, menos ou mais, de “conduta afiançada”.  

Referências àquelas experiências apareciam, também, nos registros da Santa Casa de Misericórdia do RJ, onde seus corpos eram alugados como aleitadores por seus proprietários. Ali, foram consideradas “salvadoras” de crianças abandonadas, estas que também não eram poucas. Aliás, as crianças também passavam a ser alvo de um discurso que as revalorizava para enxergar em seu corpo o rebento da ordem burguesa, da família nuclear, monogâmica e higiênica, horizonte do futuro. A violência se materializa em enunciados que edificam as instituições da Corte e da nação, se desdobra, contraditória embora com naturalidade, nas práticas do aluguel de amas, nas rendas do leite e da escravidão. Também na evidência dos enjeitados, registrados pela inglesa Maria Graham, preceptora da jovem princesa D. Maria, em 1823, e nos altos números da mortalidade infantil, que sugeriam a imagem de uma “carnificina”, tal o quadro retratado no relato de Daniel Kidder, em 1838 (GRAHAM, 1990; KIDDER, 1980).

Apareciam em prosa e em verso, na escrita masculina da literatura brasileira, esta que forjava um céu de estrelas que seriam logo consagradas - Augusto dos Anjos, Machado de Assis entre outros. José de Alencar, por exemplo, na peça “A Mãe”, ambientada na capital da Corte em 1855, escreve sobre a personagem Joanna, mulher que encarnou o “martyrio sublime” da maternidade, martírio ainda maior na maternidade sequestrada pela dor da vida no cativeiro. O conflito trágico se estabelece no silêncio da mãe, cativa, que cuidara do próprio filho, livre, como se fora sua ama-de-leite. A escrava-mãe consegue manter o segredo até o final da história, quando prefere e consegue morrer a manchar a honra do filho que jamais pensara que a escrava que dele cuidava era sua própria mãe (ALENCAR, 1922).1 O drama encena a violência de relações estreitas e parentais entre proprietários, escravas e seus filhos, resultantes de situações que causavam assombro, ainda que não fossem incomuns.

Os corpos negros no/do feminino reaparecem em outra configuração textual. Os discursos médicos se multiplicam no período e estão preocupados em forjar a “mãe verdadeira”, em convocar as mulheres sobretudo das elites a assumirem o que seria o lugar nobre a elas reservado na idealidade da “família burguesa” em sua missão civilizatória. Para isso, contornam o espectro da depravação e da perversidade, descrevem detalhadamente os gestos significativos dos maus costumes, que se imprimem nos corpos de mulheres aleitadoras, agora também consideradas “mercenárias”. Corpos negros, pardos, mais ou menos sadios ou morigerados esbanjam des-qualidades físicas e morais em teses do saber médico que os esquadrinham, decifram e condenam, ao tempo em que ensinam às famílias de proprietários como escolher corpos cativos nutrizes, já que, resistentes, elas demostravam que não pretendiam abrir mão dos serviços prestados por eles.

Descreve um certo médico, Dr. Meirelles, que ela deverá ter

"[...] boa apparencia, de uma gordura medíocre; deve ter gengivas firmes, rosadas, guarnecidas de bons dentes, e um hálito agradável; a pelle fina sem o menor signal de erupções; peito largo e bem conformado, as mamas nem muito volumosas, nem muito pequenas, destacadas do peito, sem cicatrizes ou endurecimentos granulosos; os mamelões de tamanho, grossura e firmeza medíocres, um pouco elevados, e apresentando muitos orifícios. Não nos devemos contentar só com este exame, todo o seu corpo deve ser observado; e posto que grandes obstáculos encontremos da parte d’ellas, jamais deveremos prescindir d’este cuidado, se quizermos ter nossa consciencia tranquilla [sic]."

"[...] A todas essas qualidades, que são indispensáveis para constituir uma boa ama, devem acrescer ainda costumes puros e honestos, uma phisionomia risonha, um olhar meigo, um sorriso agradável, e sobre tudo um gênio dócil, affavel, complacente e um som de voz harmonioso: ela deve ser em fim isenta de paixões. Si é permittido duvidar da influencia das affecções moraes da ama sobre o moral da criança, é ao menos incontestável que suas paixões lhe são nocivas em relação ao físico [sic]." (MEIRELLES, 1847)

Segundo os médicos, e o regime de verdade da higiene, disciplina em construção, o corpo da ama-de-leite deve ter um padrão; sua pele, seus dentes, seu hálito, as formas de seus seios, suas cicatrizes, sua fisionomia, todos esses elementos deveriam ser perscrutados, avaliados, examinados, a fim de se escolher uma mulher isenta de paixões, livre das afecções morais que incidem sobre o “moral da criança”, sobre a sanidade das crianças, sobre o futuro da população e o progresso da nação. Eles observam e, ao mesmo tempo acionam, o funcionamento de uma verdadeira “indústria da lactação mercenária” que se organizava dando sentidos àqueles corpos. Corpos pardos e pretos eram considerados nocivos, indesejáveis do ponto de vista do discurso higiênico, mas imprescindíveis no interior da família brasileira. Prejudiciais à nação que se quer construir, também porque considerados impuros, selvagens, movidos por interesses. A veemência daquele discurso normativo era equivalente ao desinteresse de mulheres mais ou menos “livres” ou proprietárias, mais ou menos “brancas”, nas práticas do aleitamento e do lar, estas que também resistiam a submeter-se ao modelo de “mãe verdadeira”. E até hoje resistem...

Na tese que defendeu na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1874, outro médico, o Dr. Celso Eugênio dos Reis, salientava o crescimento da prática e as consequências nefastas do costume arraigado não apenas na sociedade da Corte, para ele uma singularidade dos nossos modos, bem brasileiros:

"[...] Não há paiz algum em que se pratique o aleitamento mercenário mais desgraçadamente do que o nosso, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde elle constitue hoje uma das industrias mais lucrativas. Nesta cidade, como em todo o Império, as amas, quando não são escravas, procedem das classes mais ignorantes e desfavorecidas da sociedade [sic] "(REIS, 1874).

            Em voga particularmente nos meios científicos de Paris, vitrine dos bons costumes das elites no Brasil, a defesa da amamentação materna como condição para o progresso social era ideia reiterada nos discursos moralistas europeus. Ali funcionava um celeiro onde eram cultivadas as matrizes teóricas racialistas e sexistas e seus instrumentos modeladores, reconhecidos como conceitos modernos de medicina e da educação. No Brasil, como caixa de ressonância daquelas matrizes, de modo geral os médicos insistiam na condenação daquele “mal necessário”, que representava a prática de “mulheres que procedem das classes mais ignorantes e desfavorecidas da sociedade”, e que para o “flagelo e da desgraça ... tanto abundam em nosso país”.

Numerosas nas ruas e nos lares, eram justamente as mulheres escravizadas que alimentavam e estabeleciam os primeiros e segundos laços com as crianças das famílias das elites proprietárias de terras, rendas, proprietárias inclusive de seus corpos. Desapossadas de seus corpos por outros possuídos, eram elas que nutriam, cuidavam, eram responsáveis pelas crianças que deviam ser representativas do futuro. Em que pese a dedicação imensa, em tempo integral, eram estes corpos que, paradoxalmente, habitavam os textos da modernidade, a pretexto de alimentarem, com aqueles considerados seus “vícios, moléstias e superstições”, a modelação de corpos higiênicos e da moral social da nação.

As teses da Faculdade de Medicina replicam insistentemente os mesmos enunciados. Os médicos não disfarçam o sentimento de infelicidadediante dos costumes escravistas (que podiam parecer insuperáveis em meados do oitocentos) e o desejo de alterá-los. As mulheres africanas e descendentes, consideradas imprescindíveis nos lares cariocas, ocupavam os ambientes da intimidade da casa que se queria higienizar, trabalhando sob o regime compulsório na produção da vida familiar. A extensa e intensa labuta dos serviços domésticos, entre eles o aleitamento das crianças, era atribuído e reservado a elas. E até hoje. Seria possível considerar esta, ainda, uma marca indelével do caráter nacional?

Seus corpos aparecem, também, em outras fotografias, inúmeras, em suma, em discursos replicantes que revelam insígnias do regime da propriedade humana, e a naturalidade de uma violência, de uma ordem, uma configuração social assimétrica. Suas imagens exibem a “evidência” de uma localização inferior, historicamente construída, constantemente reconstruída e naturalizada na cultura, como se ‘sempre tivesse sido assim’. A cada enunciação, parecem dar a ler, e ainda, ensinar a ler, a ordem social, ao mesmo tempo em que escondem o caráter político daquela ordenação violenta e desigual dessa sociedade. Mais ou menos adornadas, estetizadas, em sua condição escravizada, elas expõem o “diferente”, o “exótico”, e a orquestração dissonante, violenta e conflituosa de uma sociedade ordenada em segmentos apartados e desiguais. Instauram a “ordem” e colocam em um certo lugar – do abjeto, inóspito, abusivo, desprezível – os corpos negros no feminino, e ali naturaliza-se a subalternidade feminina e negra da “identidade escrava”.

(Fig. 4)

 

Salvadoras, viciosas, carinhosas, mercenárias: a iterabilidade de corpos disponíveis

Carinhosas, salvadoras, viciosas ou mercenárias, em diferentes enunciados, observo as imagens concorrentes que remetem aos poderes em movimento na vitrine discursiva do “pólo civilizador da nação”. Como observa Alencastro, é no Rio de Janeiro que se desenrola o “paradoxo fundador” da história nacional brasileira. Para ele, é “justamente na Corte que o escravismo, na sua configuração urbana, assume o seu caráter mais extravagante, tornando emblemático o desajuste entre o chão social do país e o enxerto de práticas e comportamentos europeus” (ALENCASTRO, 1997).

Eu acrescentaria: é também sobre aqueles corpos femininos que se produzem as ressonâncias do passado e expectativas de futuro. Eles exibem e reproduzem imagens da barbárie e as projeções da modernidade. Neles são construídos os sentidos da racionalidade e do trabalho, e deles são absorvidos avidamente os resultados financeiros; nos corpos-mercadorias imprimem-se qualidades, desejos, des-valores, inclusive a ideia e o exercício da propriedade; nos atributos da reprodução e da nutrição, e também na vocação natural para o “martírio sublime” da maternidade, contorna-se a performatividade do gênero; em superexposições sensuais, em figurações voluptuosas ou nuas, neles se constrói o ideal regulatório do sexo que, no caso das mulheres cativas, se entrelaça aos marcadores de raça e a um status que remete à disponibilidade permanente para o comércio, o uso e a exploração abusiva (BUTLER, 2003).

Retomo, aqui, discursos que nos instigam a enxergar aqueles corpos dispersos nas telas do passado recente, não apenas para pensar a construção oportuna e histórica de uma origem da nação, da norma ou da violência. E acompanho a reflexão de Judith Butler, para pensar que, se a produção normativa do sujeito é um processo de iterabilidade da norma, somos, pelo menos parcialmente, formados pela violência, já que

“[...] são atribuídos a nós, gêneros ou categorias sociais contra a nossa vontade, e essas categorias conferem inteligibilidade ou condição de ser reconhecidas, o que significa que também comunicam quais podem ser os riscos sociais da não inteligibilidade ou da inteligibilidade parcial” (BUTLER,2015, p.236).

É evidente a produção reiterativa de normas em corpos que habitam aqueles cenários discursivos, históricos e historiográficos, inclusive é possível imaginar uma ação passada no presente, o que não quer dizer que “precisemos devotada ou automaticamente reconstituir essa matriz ao longo de nossas vidas” (Id. Ibid.). Nem que uma tal formação que acontece no passado possa ser vista de “modo unilinear”, acomodada ou definitiva no tecido da história, configurando certos tipos de sujeito de uma maneira única, iterável através do tempo. Butler assinala, “não é possível narrar o começo dessas normas, embora possamos ficcionalmente postular esse começo”: 

“[...] se o gênero, por exemplo, age sobre nós no começo, ele não deixa de agir sobre nós, e as primeiras impressões não são impressões que começam e terminam com o tempo. Na verdade, são aquelas que estabelecem a temporalidade das nossas vidas enquanto conectadas com a ação continuada das normas, a ação continuada do passado no presente, e assim a impossibilidade de marcar a origem e o fim de uma formação de gênero como tal”. (Id. Ibid., 237)

A ideia da iterabilidade, crucial no pensamento da filósofa, nos possibilita enxergar a repetição daquelas imagens, ou desses corpos, como a repetição da norma na operação política de produção do sujeito, uma repetição que contém nela mesma as “rupturas” com contextos delimitados como “condições de produção” (Id. Ibid.). Nessa direção é que ela abre a possibilidade para se observar que, ao longo da história, as normas não têm necessariamente a mesma forma ou origem, e se continuam exercendo a violência, o fazem de maneiras distintas. A relação entre corpos e conhecimentos, portanto, é terreno fértil para se apreender relações de poder em caminhos e níveis múltiplos (Id., ibid., p.238).   

Nesse tecido cambiante e movediço, é que observo como os corpos, construídos como “outros”, em relação a um “sujeito”, referente idealizado do conhecimento, expõem elementos, topografias e fisiologias que se esquadrinham para expor repetidamente as diferenças, e também se decifram, para se fazer operar e consolidar o uso político das diferenças e explicar ou naturalizar a hierarquização da sociedade. Assim, investidos de poderes, eles insinuam tanto uma potência para a prática de sexualidades polimorfas quanto o estímulo para a produção do modelo de família higiênica e a reprodução de uma biopolítica. Signos do passado, replicados como significantes, neles inventa-se e reafirma-se a “barbárie africana” e o “arcaísmo monárquico”, como matrizes da “natureza”, e também imprime-se a sexualidade exacerbada que se quer contracenar, significativamente, com os desejos da norma, da ciência, os poderes da disciplina, a virtude da “família burguesa”, a “modernidade republicana” (FOUCAULT, 1988).

São/somos corpos-encruzilhadas historiográficas, que exibem não apenas um alvo de desejos e apropriações, mas uma engenharia de produção de sentidos no território nada silencioso de experiências de mulheres. Ali, retratadas na História do Brasil recente, reiteradas, replicadas, expostas, elas emergem como fossem corpos “naturalmente” vocacionados, para além do cativeiro e da promiscuidade (mais ou menos localizados nos quatro séculos significativos da “infância” da nossa história), para a reprodução, para a nutrição e para a maternidade. Não a maternidade-modelo Rousseuniana, mas aquela encarnada, transferida ou sequestrada.

Mesmo que cativos, ou apropriáveis, imersos em relações explícitas de violência ou no ambiente simbólico da modernidade, deles também se servem para se referir à domesticidade, à docilidade, ao recato, à submissão, à dedicação sensível e extremada de sujeitos-objetos no feminino, em suma, para se reafirmar o território da subalternidade. Em cada exposição histórica, suas/nossas imagens insinuam relações de assimetria e revelam a produção de subjetividades que habitam o lugar abjeto de identidades forjadas, ali, pelo cativeiro, e também pela demarcação biológica do sexo e da raça. Como assinala Butler, o abjeto designa 

"[...]precisamente aquelas zonas ‘inóspitas’ e ‘inabitáveis’ da vida social que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar sob o signo do ‘inabitável’ é necessário para que o domínio do sujeito seja circunscrito." (BUTLER, in LOURO, 2000, p. 112).

As marcas da diferença sexual imprimem-se em corpos negros que, além daquele significado geral que remete à origem africana ou dela descendente, produzem sentidos específicos e escondem seu caráter construído. Marcados histórica e culturalmente pelo sexo e pela “mancha de raça”, são corpos definidos, reconhecidos, porque sexuados e racializados, porque assim distribuem-se no território imaginário da sociedade e da história. Suas imagens disseminam aquela conotação naturalizada que, quase indelével como a “mancha de sangue”, refere-se à sua disponibilidade: no oitocentos, para a compra, a venda, o aluguel, para a reprodução e a amamentação, para o trabalho incansável; antes e após 1888, nos termos da informalidade ou do “contrato social” e da “liberdade, ainda para limpar as sujeiras das ruas, dos lares, para os cuidados do outro, para apropriações diversas e violência, para os prazeres da carne.

Até hoje, apesar dos avanços dos movimentos feministas, inclusive dos movimentos negros feministas, bem como a vasta produção historiográfica e literária recente que procura revisar criticamente as matrizes dessa memória histórica, é preciso mais ainda enfrentar a potência dessas representações e estereótipos que se recriam no discurso social, que se replicam em livros didáticos, na imprensa escrita, na ficção televisiva e no cinema, em imagens estetizadas e erotizadas, que se multiplicam na contemporaneidade. Nos dados estatísticos do mundo do trabalho e dos crimes sexuais, na profusão embaralhada dos poderes discursivos em movimento, insistentemente ainda são reproduzidos sentidos que querem insinuar a inferioridade, a disponibilidade desses corpos que, como alvos de abusos e da violência, exibem a inclinação “natural” para a vida precária e a resistência - a pobreza, os salários indecentes -, e ainda, a vocação para a vida em “zonas inóspitas” da existência humana e social, e para práticas em esferas interditas do sexo fora da norma ou, como lembra Foucault, para sexualidades periféricas.

Efeitos e instrumentos de discursos racistas e sexistas, imagens de corpos de mulheres, particularmente de mulheres negras, portanto, precisam ser relidos, re-tratados como elementos de inflexão, objetos-objetificações de uma violência histórica, em um sistema de inteligibilidade cultural. Aparecem e reaparecem em diferentes escaninhos da nossa historiografia e distintos domínios do poder-saber. São efeitos e instrumentos de objetivações-subjetivações que exigem, portanto, um exame crítico e, para além das resistentes molduras androcêntricas do passado escravocrata, demandam existir sob outras formas de enquadramento.          

(Fig. 5)

 

Fontes

ALENCAR, José de. Mãe. Drama em quatro actos. In: José de Alencar com uma Introducção por Mario de Alencar. Collecção Áurea. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1922.

GAZETA MÉDICA DA BAHIA. Ano VIII – Jan, 1876 – N.1, pp. 496-504 / FBN.

GRAHAM, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil. Coleção Reconquista do Brasil. vol.157. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1990.

KIDDER e FLETCHER (1845). O Brasil e os Brasileiros.  Trad. de Elias Dolianti. São Paulo: Ed. Nacional, 1941, 2. vol .

KIDDER, Daniel P. Reminiscência de Viagens e Permanências nas Províncias do Sul do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980.

MEIRELLES, Zeferino Justino da Silva. Breves Considerações sobre as Vantagens do Aleitamento Maternal. Rio de Janeiro: Typ. do Diário de N. L. Vianna, 1847.

NABUCO, Joaquim. Minha Formação. São Paulo: Inst. Progresso Editorial, 1949.

REIS, Dr. Celso Eugênio dos (1874). Do aleitamento natural, artificial e mixto  em geral, e particularmente do mercenário em relação às condições da cidade do Rio de Janeiro. Typ. e Liv. De Oliveira e Silva, 1874. 

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil. 1ª ed. Brasília/DF: Flacso, 2015. Disponível em: www.mapadaviolencia.org.br. Acesso em 01 de novembro de 2016.

Imagem

Fig. 1. Fotografia de Antonio da Silva Lopes Cardoso [Antônio da Costa Pinto com sua ama-de-leite] (1861) Carte de visite p&b; 6,3 x 10cm. O fotógrafo atuou na Rua do Rosário de João Pereira 34 em Salvador, nas décadas de 1860/70. Arquivo Nacional / ANRJ (02/FOT 436)  

Fig. 2. Fotografia de Auguste Stahl. In: LAGO, Bia Corrêa do. Auguste Stahl: Obra completa em Pernambuco e Rio de Janeiro.  Rio de Janeiro: Capivara, 2004, p.11. Os originais encontram-se no Peabody Museum de Harvard/Boston/EUA.

Fig. 3, 4 e 5. Fotografias de Christiano Júnior. In: AZEVEDO, Paulo Cesar de e LISSOVSKY, Maurício. Escravos Brasileiros do século XIX na fotografia de CHRISTIANO Jr. São Paulo: Ex Libris, 1988.

Nota biográfica:

Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro

Pós-Doutora pela Goldsmiths, University of London (pesquisa desenvolvida em 2015, com apoio da CAPES), atua como Professora Associada na Graduação e no Programa de Pós-Graduação do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia/MG. Membro integrante da Linha de Pesquisa Política e Imaginário, do Núcleo de Estudos de Gênero / NEGUEM / UFU e do Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades / LEDDES / UERJ. Em tempo: uma versão deste artigo foi apresentada no III Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero, Mulheres, Violências e Interseccionalidades, realizado na Universidade de Brasília de 9 a 11 de novembro de 2016.

Bibliografia

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  Nota:

1 O suicídio da mãe escrava foi a tradução no teatro de Alencar de uma questão muito discutida na sociedade carioca. Os conflitos que exprime se desdobravam nos meios jurídicos, onde se tratava sobre as relações estreitas e parentais entre proprietários, escravas e seus filhos, resultantes de situações que causavam assombro, embora talvez não fossem tão incomuns. Robert Slenes assinala que, em 1825, José Bonifácio falava da necessidade de uma lei que alforriasse a mãe escrava e o filho tido com senhor, ao que foi acompanhado de outras vozes na década de 30 e 40. E ainda, por iniciativa de Perdigão Malheiro, o Instituto dos Advogados Brasileiros também se manifestou a favor de uma interpretação da lei existente que reconhecesse o direito à liberdade, pelo menos para o filho do senhor, ou outro parente cativo do mesmo. Todavia, o acórdão de 1855 revelaria a força política e a intransigência da classe proprietária, negando o direito à “família escrava” do senhor proprietário, ou seja, “(...) o ajuntamento ilícito do senhor com a escrava não é razão suficiente que importe a liberdade da escrava e dos filhos posteriores ao ajuntamento ilícito, depois da morte do senhor”. Acórdão de 6/2/1855, em Manoel da Silva Mafra, Jurisprudência dos Tribunaes, vol. I, pp. 188-9. Apud SLENES, R. W. Senhores e subalternos no Oeste paulista. SLENES, Robert W. In: NOVAIS, F. (dir.) & ALENCASTRO, L.F. (org.), 1997, p. 261-

 

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