labrys, études féministes/ estudos feministas
julho/dezembro 2007 - juillet/décembre 2007

 

O que são os estudos feministas?

Nascido da revolta das mulheres face às normas e condições que presidiam seu destino pessoal, seu confinamento à esfera privada, os movimentos feministas contemporâneo tornaram-se rapidamente, no decorrer dos anos 60, projeto intelectual e político para pensar e agir o "Nós Mulheres", anunciado pelo aparecimento do Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, em 1949 e tornado viável graças às grandes mobilizações coletivas desta época. 

Em práticas de resistência, os objetivos dos movimentos das mulheres levaram rapidamente militantes e intelectuais à busca de uma apreensão singular da dinâmica sexuada das relações sociais, à desmistificar uma tradição intelectual e científica que as havia excluído até então de seus locais de produção e a propor, como Ti-Grace Atkinson, o trabalho de teorização como um ato militante.[1]

Nesta ótica, os Estudos Feministas[1] seguiram um caminho intelectual comum, apesar das divergências, a fim de opor-se aos pressupostos androcêntricos dos saberes dominantes e assim escapar à rigidez das proposições normativas e ao fechamento do pensamento binário e estático do feminino e do masculino. Deste modo, puseram em evidência o que era oculto ou invisível: os processos sexuados em ação na estruturação do social e do conhecimento. 

Resultado de "negociações complexas", flexíveis e comuns , por um lado, revelavam a imperiosa necessidade teórica de interpelar, do ponto de vista das mulheres, um saber dominante construído quase exclusivamente a partir da experiência e das representações dos homens; por outro, a não menos imperiosa necessidade de engajar e alimentar as lutas políticas e o militantismo no quotidiano. Os Estudos Feministas se enunciam, desde sua emergência, em múltiplas vias, múltiplos lugares de produção e evoluem em diversas direções. 

Apresentam-se como críticas epistemológicas dos vieses sexistas do saber e de sua pretensa neutralidade; como refutação dos modelos teóricos dominantes, propostos para pensar e dizer as mulheres e suas vidas; como interrogações sobre a condição das mulheres e sua posição na história; como escrita literária para escapar ao fechamento e à exclusão da linguagem androcêntrica; como reflexões políticas engajadas em prol de um ideal democrático e de transformação das instituições sociais que legitimaram e atualizaram, no decorrer do tempo, a construção social e cultural dos sexos. 

Os Estudos Feministas são igualmente e de forma específica, procedimentos sociológicos e metodológicos para constituir as mulheres enquanto categoria social e colocar o sexo/gênero como categoria de análise, bem como para desconstruir as representações e os mecanismos constitutivos da divisão social dos sexos e de outros sistemas de dominação. 

Os Estudos Feministas contribuem, assim, à renovação dos saberes, à instauração da incerteza face à pretensa objetividade das ciências instituídas, à transformação das práticas e à formulação de uma visão outra da sociedade. 

Inscrevendo as relações sociais de sexo no centro de sua elaboração conceitual e fazendo da transformação destes últimos um objetivo estratégico, os Estudos Feministas ingressaram nas ciências humanas como caminho crítico e problemático da mudança do social.

Francine Descarries

 


[1] Ti-Grace Atkinson, “Le nationalisme féminin”, Nouvelles questions féministes, nos 6-7, 1984, p. 35-54.

[2]   No contexto das ciências humanas e sociais, designa-se sob o termo “Estudos Feministas” um campo pluridisciplinar de conhecimentos que se desenvolveu no meio universitário a partir dos 70. Não significa estudos unicamente centrados sobre as mulheres, nem corrente homogênea de pensamento, debruçando-se sobre as diferentes problemáticas que concernem diversos instrumentos conceituais e diferentes metodologias para analisar a dimensão sexuada das relações sociais de hierarquização e de divisão social, assim como as representações sociais e as práticas que as acompanham, modelam e remodela.

 

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julho/dezembro 2007 - juillet/décembre 2007