labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012

 

“Elegantemente vestidas”: a educação do corpo feminino e as roupas esportivas

 (1920-1940)

 

Resumo: As roupas participam ativamente do mundo das trocas, da economia, da vida em suas múltiplas faces e compõem um quadro mais amplo do que denominamos aqui de educação do corpo. Como objetos culturais, as roupas marcam e demarcam lugares sociais e, sobretudo, de gênero. Neste artigo, em que analisamos as roupas especiais destinadas às práticas corporais e esportivas, realizamos o levantamento, a seleção e a análise de matérias e imagens publicadas em periódicos especializados do campo da Educação Física e do Esporte, relativas aos usos dessas roupas no Brasil, entre os anos de 1920 e 1940. As fontes consultadas são três revistas: Educação Physica: Revista Thécnica de Sport e Athletismo (1932 - 1958); Sport Illustrado (década de 1930); Revista de Educação Física(1930-1939).


Palavras-chave: roupas esportivas e gênero, educação do corpo, elegância, história do corpo, moda.

 

Résumé : Le vêtemetns participent activement d’un monde des echanges, de l’économie, de la vie dans ces multiples faces et sont constitutives d’un cadre plus large de se que nous appelons ici l’éducation du corps. Comme des objets cultureles, les vêtements marquent et démarquent les lieux sociales e, surtout, le genre. Dans cet article, nous tenterons de réaliser le relevé, la sélection et l’analyse du matériel publié dans des revues appartenant au domaine de l’Éducation Physique et du Sport destinés aux pratiques corporelles et sportives, au Brésil, entre 1920-1940. Les sources consultées sont les suivantes : Educação Physica: Revista Thécnica de Sport e Athletismo (1932 - 1958); Sport Illustrado (décade 1930); Revista de Educação Física(1930-1939).


Mots-cles:
vêtements sportives et genre ; éducation du corps ; élegance ; histoire du corps, mode.



Como objetos culturais que são, as roupas prolongam a extensão do corpo, instituem relações duráveis afirmando seu lugar de mediadores entre os seres humanos e um mundo natural, possibilitando e potencializando as ações sobre esse mesmo mundo. Os objetos constituem uma linguagem, eles significam o mundo (Poirier, 1990).

Assim, no que se refere às roupas, não seria anódino afirmar que a todo momento elas revelam ligações com poderes e saberes, sugerindo hierarquias sexuais e de gênero,  sublinhando a força das crenças, seja pelos detalhes que portam, seja mesmo pelo que oferecem como conjunto coeso. Uniformes para diferentes atividades e locais que vão da escola ao exército, do clube à igreja, passando pelo esporte e pela educação física, parecem uniformizar, também, as maneiras de se portar conforme as circunstâncias, valorizando hábitos e costumes públicos.

Conforme analisou (Simel, 2008) indivíduos vestidos de maneira semelhante comportam-se também de maneira semelhante. Assim, detalhes aparentemente sem qualquer importância oferecem, no fio do tempo, a possibilidade rara de encontrar nexos, de estabelecer redes de convivência mutua, de interpretar situações, hierarquias, preconceitos, origens dos muitos essencialismos ainda em voga, sobretudo no que diz respeito às mulheres. Olhar para o simples modo de utilização das roupas ou, o uso de certos elementos que compõem uma peça e para quem ela é destinada, também revela as mesmas hierarquias, discriminações, distinções em que as mulheres são, quase sempre, aqueles seres que recebem o que sobra, ou, o que é menos pratico, confortável. Vamos tomar aqui, ainda a titulo introdutório, o simples emprego do verbo “abotoar” numa historia mais longa da vestimenta; verificar assim, como a cultura material da vestimenta aporta inúmeras surpresas. Assim, o verbo abotoar, mas, sobretudo, o objeto “botão” não são banais no que diz respeito à vestimenta feminina, uma vez que,

[...] o botão é uma marca do poder viril, pois as mulheres e as crianças abotoam seus enfeites com alfinetes e laços. A mulher é sempre freada pelo grande aparato de coisas inúteis, de enchimentos e de armarinhos de suas roupas, o que justifica a dominação de um sexo por outro [...] a roupa está ligada a todos os fenômenos culturais, econômicos e sociais. Ela tem seu lugar na história das aquisições individuais, sexuais, sociais, nos múltiplos procedimentos de fabricação de objetos e do controle dos corpos. [...] Na pedagogia dos saberes e usos das roupas transmite-se uma ordem do mundo [...] As roupas ensinam as virtudes de adaptação e se encontram, assim, recolocadas no coração da economia da raridade. A roupa não pode ser isolada do conjunto do sistema da civilização material[...] Ela valoriza as topografias sociais e seus diferentes consumos; ela distingue situações ordinárias e extraordinárias, a festa e o cotidiano; a roupa permite ver a influência da circulação e das trocas [...] Fato social global, a roupa coloca em questão a capacidade de produção face à demanda.. (Roche, 1997: 212-213)

Se pensarmos nas relações de poder reveladas pelas roupas e se nos atermos no recorte ainda mais preciso no que diz respeito a estas relações impressas nas roupas esportivas e seu uso pelas mulheres, objeto deste artigo, vamos encontrar claramente a valorização de aspectos para elas que passam ao largo quando essas mesmas roupas são destinadas aos homens. A elegância requerida para a prática dos exercícios físicos, esportivos, por exemplo, é um desses aspectos ao lado de outros como o conforto, ou, mais precisamente, a ausência dele quando se trata de roupas femininas.

Quando se elege a roupa como objeto de análises, é sempre adequado pensar que seus processos de uso vão se especializando de maneira profunda, permitindo mesmo distinguir aqueles que se limitam à proteção, de outros que vão ao encontro da distinção, do conforto, da eficácia e da performance dos gestos em diferentes esferas da vida em sociedade, mas, sobretudo, aos que insistem em marcar e demarcar as hierarquias de genero. As roupas configuram, também, a percepção mais aguda da ideia de conforto já presente em diferentes atividades humanas, uma ideia que, sem dúvida, é parte de uma história sensível das coisas, dos objetos, de seus usos no fio do tempo e de sua importância nas transformações dos comportamentos humanos tanto na vida privada quanto na vida pública. A percepção do conforto [1]   está ligada à elevação do nível de vida de uma dada sociedade em que é possível encontrar, como já afirmara (Simmel, 2008), um espaço para o que não é imediatamente necessário, mas que ao mesmo tempo pode potencializar energias, revigorar forças, enfim, tornar as ações humanas mais eficazes.

[...] O conforto, percebido como modalidade de repouso e mesmo de preguiça, tende a ser considerado como um fator de ação, evitando assim a dissipação estéril das forças físicas e das atividades subalternas, mas, favorecendo por esta via, uma atividade máxima das faculdades propriamente humanas. A evolução da noção de conforto permite reconhecer os fatores que a humanidade julgou sucessivamente preponderantes para o pleno desenvolvimento da personalidade. (Fourastieé et Fourastié, 1962 : 7)

Assim, a percepção do conforto não é alheia ao mundo das trocas, da economia, da política, das transformações mais amplas dos comportamentos humanos, das sensibilidades e também nas relações de gênero. As roupas, os calçados, os objetos que rodeiam os indivíduos e os grupos sociais revelam-se, portanto, como marcadores importantes também nesta dimensão. Quando se supera o imediato, a necessidade primeira de proteção de um corpo nu, surgem outras dimensões a serem exploradas para se compreender não apenas os usos, mas, também as maneiras de confeccionar as roupas, a especificidade de lugares de seus usos, as atividades, as cores e as texturas, a exposição e o ocultamento de partes do corpo.

Seria possível pensar que há uma percepção das sociedades e dos indivíduos de que as roupas, sua confecção, mas, também, as maneiras de se vestir transformam-se conforme ritmos bastante próprios. Suas variações, assim, revelam mais que uma história das modas, mesmo porque elas, as modas, são constitutivas de extensos e intensos processos econômicos, políticos, sociais e culturais, de todo um sistema da civilização material e não poderia ser deles isolada.

Gestos e roupas especiais para a prática de exercícios físicos e esporte oscilam entre uma ideia de eficácia técnica, de moda, de pertencimento de classe, de códigos de gênero, mas, também, de valorização de aparências, ou talvez de fabricação de novas aparências. Esse conjunto composto por gestos e roupas especiais para essas práticas em particular, alimentam todo um imaginário, fazem surgir novos cenários sociais, tornam-se assim, uma necessidade. Seria, portanto, conveniente tentar encontrar os muitos sentidos de sua aparição, aceitação, abandono, rejeição.

Desde fins do século XIX, mas, sobretudo nas primeiras décadas do século XX, novas formas corporais fazem sua aparição e silhuetas esguias tomam o lugar de outras, mais arredondadas, sobretudo no que diz respeito às mulheres; novas tonalidades de pele entram também em jogo e a cor bronzeada faz sua aparição[2]. As roupas neste início de século XX e, talvez, mais que em outras épocas, revelam um corpo real. Mais do que esconder, desejam mostrar, mais do que conter, desejam libertar. A publicidade de roupas esportivas em revistas não especializadas, bem como a proliferação de revistas específicas de Esporte e Educação Física nas três primeiras décadas do século XX, também, no Brasil, são reveladores de olhares novos sobre o corpo e sobre os modos de vestir-se com especificidade, de fazer da roupa especializada uma necessidade.

Se pensarmos nas roupas desse período, não exclusivamente naquelas especiais para o exercício físico e o esporte, poderíamos dizer que elas se apresentaram de um modo nunca antes visto, instalando uma aparente liberdade, inclusive de movimentos do corpo. Num certo sentido poderíamos dizer que a estrutura do corpo é mostrada e destacada pela roupa. Os chamados anos loucos [3]revolucionam hábitos e comportamentos o que, sem dúvida, vai revolucionar também maneiras de se vestir diminuindo, ou mesmo abandonando, o peso de adornos até então correntes, sobretudo no que diz respeito às mulheres e que foram determinantes para a ausência de percepção do que seria o conforto. Para elas, a obrigatoriedade do item elegância, algo quase naturalizado, sempre foi determinante em suas escolhas.

O fim do uso dos espartilhos, de modelos de cinturas apertadas, do uso de grandes anáguas, de saltos muito altos e de cabelos em penteados complicado[4], vão sendo pouco a pouco abandonados e, sobretudo, compreendidos como empecilhos a liberdade do corpo em movimento. Também o comprimento das saias modifica-se bastante e elas encurtam a partir dos anos de 1910; o uso de shorts acentua-se a partir dos anos de 1930, assim como os decotes nas costas e a entrada de roupas confeccionadas com tecidos leves, aderentes ao corpo e com transparência.

As roupas do período, largamente inspiradas nos movimentos do corpo, vão enfatizar um efeito visual total, não apenas sobre a beleza da roupa. A ideia de conforto, portanto, começa a surgir de modo mais intenso e expressa-se mais visivelmente sublinhando a relação dos indivíduos com os objetos ao seu redor e com os usos desses mesmos objetos. Afirma-se, por exemplo, um prazer em relação às sensações físicas, à flexibilidade dada pela roupa. (Holander, 1996). Este é um período em que malhas de jérsei, esse tecido leve e aderente ao corpo, assim como calças compridas   [5]confortáveis são peças de roupas e tecidos que as mulheres da elite passam a usar com frequência, assim como os trajes de banho em seus variados e sumários modelos para a época.

Os tecidos em voga no período apresentavam-se assim como uma extensão da pele e acompanhavam os movimentos do corpo em uma composição tangível e plástica. Os tricôs macios, as lãs e as sedas, o jérsei eram utilizados abundantemente. Muitos modelos de roupas comuns da época copiavam, literalmente, aqueles já utilizados em práticas esportivas como, por exemplo, os trajes de montaria. Há, portanto, alianças de estilos, trânsito entre gêneros, interação de usos. Os calçados femininos do período também fazem grandes rupturas, uma vez que os saltos altos são quase abolidos, para espanto de alguns homens que consideravam excessivo que uma “senhorita” pudesse caminhar com velocidade e prescindir do apoio de seu braço [6] . O uso de sapatos confortáveis e sem saltos altos pelas mulheres era tema debatido em foros acadêmicos e fazia parte das prescrições médicas e higiênicas argumentando em favor do abandono desses instrumentos de tortura que, ao lado dos espartilhos, eram considerados nocivos à saúde da mulher.

[...] Um pé encerrado em um sapato estreito e curto pode parecer menor do que ele realmente é, mas, o andar canhestro e incerto que resulta de seu uso é a consequência inevitável desta exiguidade inútil e anormal. Infelizmente, somente as pessoas que tendo feito exercício por um longo período, podem compreender as aberrações da indumentária e evitar os perigos de seus usos impensados para, em seu lugar, amar a liberdade, o natural e a verdadeira beleza [...]. (Demeny, 1920: 5)

Seria adequado mencionar que este debate já vinha ocorrendo desde fins do século XVIII, e fora encampado por correntes de pensamento que advogavam a libertação do corpo feminino das amarras desses adornos e artifícios. Todavia, seria oportuno sublinhar aqui que este debate não estava, exatamente, vinculado à idéia de liberdade da e para a mulher, mas, seu sentido era bem outro: aquele da preservação da espécie, de preservação da vida. A maternidade, afinal, função suprema da mulher, estava sendo ameaçada e comprometida pelos caprichos da moda e do uso de roupas e adornos que destruíam o vigor físico das futuras mães. Jean-Jacques Rousseau foi um de seus protagonistas mais ferrenhos ao lado de médicos e de outros pensadores que ultrapassaram os séculos como, por exemplo, Herbert Spencer, na década de 1850. Esse pensador inglês não ficou alheio ao que denominou de efeitos perversos da moda e de suas tiranias em relação ao corpo das mulheres afirmando que,

[...] No que toca o corpo e o espírito, o elemento decorativo continuou a predominar nas mulheres com elevado grau superior que entre os homens. Originalmente, o adorno da pessoa preocupava igualmente ambos os sexos. Mas, depois dos últimos tempos da civilização, o sentimento de bem-estar tomou o primeiro lugar no que concerne ao vestuário masculino. O mesmo ocorreu com sua educação que, desde pouco tempo, foi mais dirigida no sentido do útil que naquele do agradável. Mas, para as mulheres, esta mudança não seguiu a mesma progressão, nem sobre um ponto, nem sobre outro. O desejo de despertar a admiração sobrepõe-se àquele de ter um vestuário quente e confortável; os brincos, os anéis, as pulseiras que as mulheres usam, os penteados complicados - o peso que elas colocam -, os tormentos enormes que elas suportam para ter toaletes que despertam a atenção, a tortura que elas se impõem para seguir a moda, são tanto mais provas como suporte de nossos dizeres. O mesmo se passa com sua educação, onde a preponderância considerável voltada “aos talentos” demonstra ainda o quanto o útil desaparece entre elas diante da necessidade de brilhar[...]. (Spencer, 1930: 4-5) .

As roupas em sua generalidade ou especificidade de usos, assim como os adereços, jogam um importante papel na compreensão dos lugares sociais de homens e mulheres e, em sua aparente banalidade como afirmou (Roche, 1997), marcam profundamente esses mesmos lugares ditando normas, instituindo tolerâncias e intolerâncias. Liberdade e opressão constituem mesmo o ato de se vestir. De uma certa maneira, as roupas e os adereços em sua especificidade de usos e especialização de funções, desenham e afirmam não somente corpos extremamente generificados, mas, também, conformam um pensamento social sobre os modos como os corpos de homens e mulheres devem ser apresentados em publico. 

A prática de exercícios físicos e de esporte apresenta-se, assim, como um palco em que homens e mulheres desfilam suas formas corporais, marcadas pelo que se veste e, de maneira profunda, sublinham os estereótipos do que seja o masculino e o feminino. Não há duvidas que os argumentos, aparentemente predominantes, se voltam para as chamadas energias curativas que podem ser potencializadas com as diferentes práticas corporais. O campo da higiene foi pródigo na fabricação de argumentos de natureza cientifica para afirmar e confirmar os benefícios retirados de uma prática regular de exercícios físicos,  mas, também e sobretudo, foi o pensamento que retificou de maneira profunda o quê cada um e cada uma deveria fazer e vestir.  

Nas prescrições higiênicas em relação ao uso de roupas especiais para a pratica de exercícios físicos e esporte nos anos de 1930, no Brasil, uma certa preocupação com o conforto aparece e não há uma menção explicita à quem se destina, se um homem ou se uma mulher. Exemplo disso encontramos na Revista Educação Physica[7] em seu n. 43 de outubro de 1938, na transcrição da conferência realizada pela Divisão de Educação Física destinada aos inspetores de ensino cujo tema trata da necessidade do uso de roupas especiais para a Educação Física:


[...] Quanto as roupas adequadas à educação física, é suficiente que sejam amplas, que não comprimam o tórax, o abdômen e o pescoço, os braços e as pernas. Recomenda-se também que sejam próprias às estações. De uma maneira geral pode-se dizer que o executante de educação física deve ter o menos possível de vestimenta, a fim de ser beneficiado com os efeitos salutares dos raios solares. [...] (p. 37)

Sua confecção, portanto, deveria considerar o uso de tecidos leves e modelos amplos que permitissem ao corpo “respirar” e, ao mesmo tempo, a liberdade de se movimentar. A mesma revista, seis anos antes, em seu n. 2 de 1932, publica artigo sobre a Callisthenia e destaca no subitem “Conselhos”, a necessidade do uso de [...] uniforme que deve ser apropriado, ou a roupa commum deve ser bastante folgada” (p. 29-30). Vê-se nitidamente uma orientação relativa ao conforto e à liberdade de movimento sendo a roupa um fator importante na configuração da atividade a ser realizada.

Seria possível dizer que há uma disponibilidade para a tolerância em relação à exibição de um corpo cujas formas são reveladas pela roupa e não escondidas como durante séculos. Sem dúvida que essa tolerância desenha também modelos de formas desejadas e indesejadas, todo um percurso de afirmação de um corpo que deve tomar o lugar de outro, de uma aparência que se vai afirmando como aquela a ser adquirida, conquistada, preservada.
As formas redondas, cheias, consideradas apropriadas às mulheres por longo período são ali negadas e o corpo feminino passa a ser associado aos valores da velocidade e das modernas máquinas, de sua nova aerodinâmica leve e angulosa, representação que faz o elogio aos corpos mais esguios, sem dúvida, marcados pelo que se veste. [8]

A educação do corpo, assim, passa pela prática de exercícios físicos, de esporte, passa pela busca de divertimentos sadios, de lazeres ativos que tem a cidade como palco. Passa também pelo surgimento de outra sensibilidade, aquela mesma que vai sublinhar o sentimento de conforto, associá-lo às roupas e, mais especificamente, aos exercícios físicos e ao esporte. Não seria demasiado recordar que por longo tempo os exercícios físicos em geral e os esportes em particular eram praticados com roupas comuns, do cotidiano. 

Seria possível afirmar que as sociedades, pouco a pouco vão “vestindo” com roupas específicas e especializadas aqueles e aquelas que praticam exercícios físicos e esporte e, ao mesmo tempo, vão sublinhando suas supostas diferenças. A complexidade e constante reconstrução das atividades humanas- no trabalho, na vida cotidiana-, ou, ainda, na íntima relação que se estabelece entre a eficácia física dos indivíduos na demonstração de performances, estão direta e seguidamente vinculadas ao uso de roupas especiais. Um uso que parece revelar aspectos subterrâneos das sociedades e dos indivíduos, expressar uma moral especifica para cada época e sociedade, marcar fortemente homens e mulheres.   

Banhar-se em praias, rios e piscinas, praticar remo e vela, andar de bicicleta, jogar tênis, praticar esgrima e equitação, entre outras atividades começava a fazer parte da vida cotidiana daqueles e daquelas que viviam na cidade e pertenciam a uma certa elite; roupas especiais destinadas a essas atividades começam então a impor-se. No caso do ciclismo, pratica bastante recomendada em periódicos da época especializados ou não na temática, há inúmeras referências concernentes ao uso de roupas especiais para sua prática. O artigo intitulado “Ciclismo, um esporte agradável e utilitário: sua história e sua prática”, por exemplo, indica que


[...] O uniforme deve ser simples, de forma a não dificultar os movimentos e não impedir a boa circulação; é aconselhado calção, camisa sem mangas, sapatos de lona e uma “rede” para prender o cabelo; o uso de joelheiras e tornozeleiras é muito útil- fixam melhor as articulações, dão mais precisão aos movimentos e evitam as luxações. [...] Após o exercício deve tomar-se um banho e friccionar-se bem o corpo com a toalha para ativar-se a circulação. Iguais cuidados merecem a maquina, a bicicleta [...]. (Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, n. 49, 1940: 19)

Parece também razoável pensar que o simples ato de expor o corpo ao sol ou de fazer exercícios ao ar livre, são ações que vão influenciar também a confecção das roupas em geral, de roupas esportivas e, particularmente, das roupas de banho. Do tamanho dos decotes ao comprimento das saias e shorts, inicia-se, assim, um desnudamento do corpo, mais tranquilamente aceito entre as classes média e alta, também, no que diz respeito às mulheres.

Especificamente em relação aos trajes de banho destacamos aqui aspectos um pouco surpreendentes e, talvez, nem sempre considerados quando performances femininas são evocadas. De uma maneira geral, as mulheres surgem à cena no campo esportivo bastante marcadas e determinadas por uma natureza implacável que, fatalmente, as tornariam mais frágeis, débeis e impossibilitadas de alcançar as qualidades físicas do sexo oposto. Até a primeira década do século XX, por exemplo, os trajes de banho femininos eram constituídos pelas roupas do cotidiano e mesmo o espartilho era recomendado. Camisas com mangas longas, saias que iam até o chão, sapatilhas, grandes chapéus, luvas e lenços eram o “traje de banho” das mulheres. Também as cabanas de madeira eram usadas para “protegê-las” do olhar do outro tanto no momento em que trocassem de roupa à beira da praia, quanto para conduzi-las até à água (Crane, 2006: 237-238).
 
                                                                                                                                 
                                                                                           Figura 1: Vida fluminense, 1889, Biblioteca Nacional / RJ    
 
                                                                                                 

                                                                                          Figura 2: Nosso Século, v.4 (1910-1930), p.37.

                                                               
 
                                                                                                   Figura 3: Cabines de banho, praia do Guarujá – São Paulo, 1920
 
 
 
                 Trajes de banho com características mais apropriadas para essa atividade foram, muito lentamente, sendo desenhados e aceitos também para as mulheres. Assim, trajes leves, colados ao corpo, com pernas bem cavadas e grande decotes foram aceitos para o sexo feminino em balneários, clubes e mesmo a beira de rios somente na década de 1920. “Os [...] balneários de verão eram laboratórios de moda em que os ricos chegavam a experimentar novos modelos de roupa e estilos de comportamento” (Crane, 2006: 237).
O maiô de duas peças, ou, seu modelo mais sumario, o biquíni é um exemplo bem interessante desses novos trajes de banho em que o desnudamento sucessivo de partes do corpo até então bem cobertas, começa a se impor. Nos anos de 1930, o ventre se exibe timidamente com esse novo traje, momento em que o banho de sol já é percebido como um grande prazer.


[...] Nesta lenta conquista do corpo, Jacques Heim (1899-1967)é o primeiro costureiro a propor o “Átomo”, um modelo de maiô de banho de duas peças. O biquíni passa a posteridade com dimensões ainda muito mais reduzidas. Vendidos em uma caixa de fósforos, este sutiã triangular e sua calcinha presa por simples cordões laterais, são apresentados pelo engenheiro de automóveis Luis Réard, em 5 de julho de 1946, na piscina de Molitor. [...] Alias, em 1948, aparece Suzy, a primeira pin-up loura, sorridente, penteada e adornada por um grande chapéu de palha, vestida de um audacioso biquíni que desvela seu umbigo. [...]Proibido quando de seu lançamento na maior parte das praias atlânticas, o biquíni ganha seu esplendor nos anos de 1950[...] (Andrieu, 2007: 41)

O hábito de tomar banhos de sol, assim como de tomar banhos de mar, rio e piscinas, de praticar diferentes esportes bem como simplesmente andar de bicicleta vai definir certos modelos de roupas de banho e das roupas em geral, afirmando influências e afinidades. Não foram apenas os decotes que aumentaram de tamanho, ou o comprimento das saias que diminuiu, mas, também, o uso de shorts mais curtos se impôs. O short passa a compor a indumentária feminina nesses anos, e é utilizado tanto para os banhos de mar como para práticas esportivas, passeios à pé e de bicicleta; as mulheres que praticam o ciclismo, mais popular no período vão, por exemplo, adotar o shorts bem curto como vestimenta para essa pratica.

Outros complementos de um vestuário considerado elegante começaram a se fazer presentes ao lado de roupas mais leves e mais ousadas, que mostram o corpo e a pele bronzeada, como, por exemplo, os óculos de sol, os lenços para a cabeça e os cremes que, sem dúvida, eram um complemento imprescindível. Um corpo bronzeado e de certo modo “à mostra”, portanto, vai exigir roupas e produtos especiais influenciando e especializando uma indústria de roupas e acessórios, bem como de outros produtos como os de beleza.

Os corpos que se expõem, portanto, revelam outras formas e afirmam, definitivamente, uma cultura física em ascensão em que a valorização das aparências na exibição de corpos em performances variadas, compõe o imaginário das cidades nessas primeiras décadas do século XX. Há uma mobilização corporal extremamente forte nessa cultura urbana em formação, e a presença feminina nos espaços públicos começa a dar seus primeiros passos, embora, muitas vezes, ainda, na função de “enfeitar” eventos, principalmente esportivos. Os extratos que mostramos a seguir permitem vislumbrar essa ideia quando lemos artigos e reportagens sobre esportes, cujo conteúdo destaca a beleza feminina, sua plástica, jovialidade, emoldurada, por exemplo, pelos belos maillots e de como “[...] Elas ‘enfeitam’ o clube com seus corpos esculturais que o exercício modela diariamente! [...]” (Educação Física- Revista Técnica de Esportes. [9] (n. 37, 1937: 11, grifos meus). O que se afirma, sem dúvida, é uma disciplina dos corpos, adensada pela exigência de roupas especiais para diferentes atividades atestando, assim, a especialização de funções, e sublinhando de modo profundo, para as mulheres, aspectos relativos à beleza e elegância.

Para elas há sempre mais recuos que avanços quando se fala de roupas em geral, e de roupas esportivas, em particular e essa elegância tão naturalizada parece sempre indicar esses recuos. Fazendo referência às roupas em geral, seria necessário destacar que os anos de 1930 mesmo afirmando aspectos novos e singulares conquistados na década anterior, apresentam um recuo em relação a extrema liberdade de gestos trazida pelas roupas dos anos de 1920. A grande revolução em relação às roupas, sobretudo femininas, nesses anos, assim, não segue um caminho linear e muitos recuos surgem nos anos subsequentes. Podemos destacar, por exemplo, o retorno de uma cintura marcada e apertada e o uso corrente de sapatos de saltos muito altos. Também os cabelos voltam a ser compridos, pintados, muito arrumados e presos no alto da cabeça em complicados penteados. Trata-se, portanto, de uma moda contrária aos cabelos muito curtos e leves da moda la garconne. Esse conjunto de roupas, sapatos e adereços volta a apresentar a mulher como um ser frágil, um ser que exige cuidados e cuja elegância é atestada por roupas e adereços que voltam a constranger seus movimentos e sua liberdade de ir e vir. O desequilíbrio e o desconforto voltam a ser moda e se impõem para as mulheres.

É instigante pensar como foi possível que determinados elementos que constituem as indumentárias foram se diferenciando ao longo do tempo no que concerne ao genero. Do corte dos cabelos aos espartilhos, passando pelos laços, rendas e fitas, os penteados e os saltos muito altos, uma miríade de elementos encerra as mulheres em um castelo de vidro onde ela mal pode se mover sob o risco de despencar.

Nesta infinidade de elementos prescritos para elas ora de maneira sutil, ora de maneira explicita, o mais emblemático de todos, talvez, seja mesmo o salto alto, esse instrumento de tortura que perpassa gerações, séculos e que permanece como item de elegância para as mulheres. Desde muito pequenas as crianças do sexo feminino são educadas (?) a suportar essas tiranias da aparência internalizando e naturalizando a falta de conforto, a ausência de liberdade de movimentos, a completa falta de base de apoio para o equilíbrio do corpo causado pelos saltos altos. O uso compulsório desse instrumento de tortura deve se transformar em uma segunda natureza. É comum ouvirmos mulheres de diferentes idades afirmando, com certa arrogância, a sua total submissão aos ditames da elegância associada à fragilidade e ao desequilíbrio, quando dizem “...ah! eu me sinto muito bem com esses saltos, fico mais alta, mais elegante, poderosa!” Muitas delas já atrofiaram de tal modo seus corpos, encurtaram de tal modo sua musculatura posterior do corpo que sentem dores quando não portam mais seus “saltos altos”. A sujeição é de tal envergadura, que faz o desejo desejar.

Seria instigante por exemplo perguntar como foi possível que esses elementos da indumentária se diferenciassem tanto desde fins do século XVIII, um século em que homens e mulheres ( ao menos da corte) portavam adereços muito semelhantes como perucas, maquiagem, rendas, espartilhos e...saltos altos! O advento de uma outra classe social- a burguesia-, traz consigo uma diferenciação muito mais acentuada de funções sociais e coube às mulheres o confinamento no interior da casa, o confinamento ao mundo privado. Esse direcionamento e especialização de funções levou a esse desenho de uma indumentária destinada à ela que a tornasse frágil, que a impedisse de se movimentar com desenvoltura, que a tornasse, de fato, uma prisioneira de seu próprio corpo e desse emaranhado de adereços obrigatórios à sua elegância.
 

As roupas esportivas entre liberdade e opressão na educação do corpo de mulheres


 
Recomendações para o uso de roupas especiais para a prática de exercícios físicos e esportivos como medida higiênica, estética e performática, bem como seu uso generificado, são abundantes na imprensa do período estudado. O advento de um estilo de vida esportivo e de uma moda esportiva, intimamente ligados à crescente indústria da moda, transformam significativamente as roupas e seus usos na vida cotidiana. Assim, os corpos que se expõem revelam outras formas e afirmam uma cultura física bastante generificada, desenhando aparências modelares em que o item elegância não pode faltar quando se trata das mulheres.

Como elemento constitutivo da vida urbana e moderna, os eventos esportivos e seus códigos passam a fazer parte do cotidiano das cidades, quer seja para sua prática, quer seja como forma de diversão de um público espectador. Há um apelo à ação dos corpos, uma mobilização para o movimento e uma atenção mais direta a resistência física, a uma performance corporal traduzida por uma aparência jovem e ousada, sempre destacada pelas roupas.

Há um estímulo forte para que se pratique esportes, sobretudo entre as elites e que se pratiquem exercícios físicos ao ar livre e nas escolas para outros extratos sociais, recomendações em que se sublinhava, também, a necessidade de roupas especiais. O tênis e a equitação, por exemplo, são esportes que se estendem às mulheres de elite nesse período e para sua prática, sem dúvida, as roupas especiais eram não apenas indicadas, mas, exigidas. Já as atividades aquáticas, também valorizadas nessas primeiras décadas, inclusive com a construção de piscinas em clubes,.[10] mas, sobretudo, pela utilização de rios e praias que banhavam centros urbanos, apresentam-se de modo mais democrático. Em São Paulo, por exemplo, essa “cidade das águas[11] erigida na confluência dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, as competições em suas águas despertavam muito entusiasmo também entre os espectadores que se aglomeravam em suas margens para assistir a “Travessia de São Paulo a Nado”. Essa prova que percorria cerca de 5.500 metros acompanhando a sinuosidade do rio Tietê e da qual participavam equipes masculinas e femininas, sem dúvida, revela-se como um mosaico de exibição de performances desenhado pelos “trajes especiais” de banho.

Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, em seu n. 15, de 1938, traz reportagem sobre essa prova esportiva sublinhando ser ela considerada a maior competição aquática do Brasil, na qual acorrem cerca de mais 2.000 mil nadadores e nadadoras. Segundo a reportagem, [...] esta prova contribui para a difusão da natação fazendo com que milhares de pessoas se enthusiasmem pelo salutar esporte [...] (p.54).

Em relação a esta grande competição é importante registrar a participação feminina. A campeã da prova de 1924, Jandira Barroso, é bastante significativa, pois mostra a atleta em um maiô bastante apropriado para a pratica da natação, em que o conforto e a liberdade de movimento superam as barreiras de gênero.
 

                                                           
                     Figura 4: Jandira Barroso vencedora da classificação feminina da primeira Travessia de São Paulo a Nado de 1924.
 
 
                     No ano de 1940, a mesma revista em seu numero 46, publica artigo bastante interessante para a época, cujo titulo pergunta: “Pode a mulher jogar o futebol?” Em legendas provocativas afirmando que elas “podem” praticar este esporte lemos -“Mais uma conquista de Eva...o futebol”-, o artigo desenvolve argumentos favoráveis e contrários, concluindo pela possibilidade da prática desde que observadas certas precauções e seguidas certas prescrições relativas às roupas e aos cuidados higiênicos em que não faltam as proibições desta pratica no período  menstrual como se pode ler: 

 
[...] proteger bem os joelhos, as canelas, e os tornozelos; usar sapatos de borracha evitando chuteiras comuns [...] Não se devem descuidar certas prescrições higiênicas sem as quais o exercício muito perderia do seu valor salutar; [...] usar uniformes apropriados, limpos e folgados, que não prejudiquem a circulação sanguinea e não embaracem a amplitude dos movimentos; tomar banho após os exercicios; evitar os jogos em certos períodos [...] (p. 18,19,20)

 

Para além de esportes como a natação, o futebol, o vôlei, o basquete praticados nas cidades tanto em clubes quanto em outros espaços dados pela própria natureza, os passeios à pé e de bicicleta, também faziam parte das práticas corporais urbanas, dessa ideia de “vida ao ar livre” que invade as cidades e que se fazem moda. Toda essa mobilização corporal, sem dúvida, exige não apenas equipamentos para sua pratica, mas, sobretudo, roupas especiais. Uma atenção ao corpo revela-se, uma educação do corpo especializa-se, um elemento a mais impõe-se. Vestir-se não é apenas e tão somente um ato que protege o corpo, mas, sim, um ato que vai cobri-lo de signos atestando lugares sociais e de gênero. Atestando, sem dúvida, o lugar das roupas na educação do corpo.

Parece haver certo consenso em relação ao lugar ocupado pelas roupas na educação dos indivíduos e suas funções já não são apenas aquelas de proteger um corpo nu, seja do olhar do outro, seja das agruras impostas pela natureza. Se a função de proteção nunca é abandonada, outras são a ela agregadas e parecem ganhar importância na medida mesma da afirmação da vida urbana e da especialização de funções e tarefas. Vestir-se com especificidade para atividades distintas torna-se, assim, desejo de muitos, busca constante, necessidade nova afirmada. Nesse quadro de especificidades, a roupa esportiva cria um estilo; ela invoca proteção, função mais primaria das roupas, mas, sobretudo, facilidade de uso, conforto, em uma palavra, liberdade!
Nas décadas de 1920, 1930, o comprimento de uma saia, ou o tamanho de um decote, tanto quanto um tipo determinado de tecido, se transformam em imagens que são seguidamente divulgadas em diferentes veículos.

Os modelos e materiais apresentados vão, lentamente, movimentar os gostos, confirmar estilos, educar o corpo. As saias, por exemplo, nos anos de 1930, ainda eram uma vestimenta quase universal nesse período e seu encurtamento progressivo pode ser compreendido como elemento de modernização das mulheres, de sua própria busca de exposição seletiva de partes do corpo. Mesmo com seu comprimento até os joelhos, godês ou arrastando-se pelo chão, elas eram uma peça importante da vestimenta feminina e compuseram as muitas formas de praticar exercícios físicos, esportes em geral e, mesmo, como indumentária escolar voltada a essas práticas. Como peça específica dos uniformes escolares destinados às aulas de Educação Física das meninas e moças, as saias recobriam os corpos femininos com uma segunda camada de tecido sobre os calções e shorts, e foram moda até mais ou menos a década de 1960. Talvez o seu encurtamento desde a década de 1920 tenha sido mesmo uma das grandes revoluções em relação às roupas femininas.[12]

Em artigo intitulado “O vestuário e a moda em face da higiene”, assinado pelo médico Eugenio Coutinho, Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, em seus números 53 e 54, de 1941, faz alusão à Rádio Tupi e aos programas dedicados a esse tema em que não faltam conselhos médicos que alertam para as tiranias da moda e exortam as mulheres a se dedicarem aos exercícios físicos moderados, bem como o uso de roupas e sapatos especiais para sua prática. Veja-se que o alerta é sempre para a moderação na pratica de exercícios e mesmo esporte, uma especificidade que deve ser considerada para que a mulher seja protegida dos excessos, ao lado, é claro, da recomendação de que ela não esqueça da elegância.

A revista Sport Illustrado[13], em seu n. 19, de agosto 1938, quando se refere às mulheres que praticam algum tipo de exercícios fiscos e esportes vai afirmar que


[...] Qualquer que seja a resposta, o certo é que já constitue uma preocupação universal a attenção dos technicos para os trajes femininos, que melhor se prestem às encantadoras e caprichosas sportwomen, mais severas nas exigências reveladoras do bom gosto e do raffinement da arte de vestir com elegância e it, do que mesmo no treino e pratica do sport a que entenderam dar preferência [...].

Parece haver uma ênfase sempre maior na aparência do que propriamente na eficácia de um gesto, na busca de uma performance, ou simplesmente no prazer de sua pratica. Se a roupa esportiva é moda, se ela dita moda e se ela prima também pelo conforto, quando é destinada às mulheres parece ainda percorrer caminhos mais lentos e mais contraditórios, cheios de recuos, revelando ambiguidades mais agudas, transitando entre a eficácia, o conforto e a simples elegância.

Raras exceções parecem se fazer presentes em alguns esportes como, por exemplo, a equitação, em que a exigência de trajes mais sofisticados deviam obedecer ao refinamento dessa prática, aristocrática em suas origens e bastante difundida, por exemplo, nos clubes hípicos localizados em diferentes centros urbanos brasileiros no período estudado.  Para a equitação e para as roupas de montaria de um modo geral, é possível afirmar que houve uma certa equidade de uso entre homens e mulheres desde as primeiras décadas do século XX. Ambos vestem-se sobriamente com calças compridas e paletós bem cortados, botas que protegem as pernas e os pés, chapéus e luvas muito semelhantes. Mesmo as cores eram quase idênticas variando apenas em leves nuances.

Também na esgrima a maneira de vestir é bastante próxima, e num curto espaço de tempo os modelos serão idênticos para ambos os sexos. Tratando-se de uma vestimenta destinada a proteger o corpo vamos encontrar calças bem talhadas e um pouco bufantes, um jubeto[14] acolchoado e aderente ao corpo, meias e tênis, assim como luvas e máscara. Para as mulheres, até os anos de 1930 essa indumentária era composta de todos os itens descritos exceto a calça, substituída por uma saia de tecido resistente e de corte, aparentemente, confortável.

Mulheres velejadoras são apresentadas na capa da revista Sport Illustrado em seus n. 5 e 6, de maio de 1938. Fotografadas em ação, parecem muito à vontade em suas funções e revelam sintonia com a moda esportiva; vestidas com impecável maiô e com elegantes pantalonas e saias-calça, lenços na cabeça e sapatos bem confortáveis, de tipo alpercatas essas velejadoras portam trajes que traduzem muito bem as tendências da moda para esse esporte, revelando que o item conforto não foi abandonado.

Todavia, peças de roupa como, por exemplo, pantalonas, uma versão das calças compridas, são peças de roupa que, por muito tempo estiveram ausentes do vestuário feminino e só foram, de fato, aceitas para uso corrente e sem preconceitos na década de 1960. Foi nesta década que as mulheres, mesmo usando calças compridas, não eram mais impedidas de entrar em bares e restaurantes e em outros estabelecimentos.[15]

Seria adequado aqui destacar o quanto peças de roupa que marcam, claramente, diferenças de gênero possuem longa história e as prescrições encontradas em livros religiosos como, por exemplo, a Bíblia Sagrada, atestam essa asserção. Em Deuteronômio (capítulo 22, versículo 5, p. 187) pode-se ler que “[...] a mulher não usará roupa de homem, nem o homem, veste peculiar à mulher; porque qualquer que faz tais cousas é abominável ao SENHOR, teu Deus [...]

Crane, 2006, faz extensa análise acerca das roupas em geral e, particularmente de certas peças consideradas proibidas às mulheres como, por exemplo, as calças compridas, cujo uso foi bastante controverso ao longo do século XIX e mesmo na primeira metade do século XX. A ideologia da época definia identidades de gênero fixas e acentuava profundas diferenças físicas, psicológicas e intelectuais entre homens e mulheres. As roupas, portanto, deveriam expressar essas diferenças compondo as aparências de homens e mulheres de modo bastante marcado. 


    [...] Ao longo da segunda metade do século XIX as reformas do vestuário propostas por movimentos feministas contradisseram esse ponto de vista e, consequentemente, não granjearam o apoio das mulheres em geral. [...] Membros de movimentos feministas americanos continuaram a lutar por reformas no vestuário ao longo do século XIX, formando associações, realizando convenções, escrevendo livros e artigos e procurando popularizar modelos de roupa mais simples e saudáveis. Em 1892-1893, as reformadoras do vestuário organizaram um “Simpósio sobre vestuário”, no qual apresentaram três modelos de traje básico que incluíam saia-calça ou calça.” (Crane, 2006: 228, 230) 

Nas praticas esportivas a saia-calça foi uma peça bastante usada desde fins do século XIX em diferentes modalidades que vão da prática da vela até a do voleibol, basquete e mesmo nas escolas para a prática da ginástica, ou educação física. A saia-calça mais curta foi uma peça de roupa que fornecia um certo conforto e, ao mesmo tempo, guardava também um certo pudor em relação à exposição do corpo feminino em ações mais arrojadas exigidas nas práticas esportivas. Muito antes de ser tolerado o uso, pelas mulheres, de calças compridas, saias-calça e pantalonas na vida cotidiana, essas peças de roupa já eram usadas por aquelas que praticavam esportes. Essas roupas criam um estilo, o estilo esportivo, e vão, inclusive, influenciar a moda de uma maneira geral dando nome a revistas e jornais.[16]

No que diz respeito às mulheres e a uma certa “aceitação” de sua presença nos espaços esportivos- como praticante ou como expectadora- a revista Sport Illustrado é bastante elucidativa dessa nova percepção e em suas paginas encontramos uma presença marcante de imagens e reportagens se referindo a elas. Todavia, em nenhum momento as reportagens e mesmo imagens abandonam o tema da elegância, sempre sobreposto em relação a outros.  As roupas, sem dúvida, acompanham esse movimento e revelam-se como marcadores sociais e de gênero.
 

[...] senhoras e Senhoritas, o sport é aconselhável sob todos os pontos de vista. É salutar, hygienico e dá forma elegante ao corpo. Para o mundo exterior entretanto, toda a senhora ou senhorita carece de andar bem vestida e com os mais modernos figurinos [...] o JORNAL DA MULHER é a única revista de figurinos e bordados do Brasil, que apresenta, semanalmente, em suas paginas coloridas, modelos de vestidos para soirée, baile, jantar, passeio, sport etc, além de chapéus, sapatos, luvas e tudo mais que guarnece uma senhora chic, elegante, raffiné.[...]. (Educação Physica - Revista Téchnica de Sports e Athletismo, n. 2, 1932: 54; grifos meus)

Traduzindo claramente preocupações do período em relação à necessidade do uso de roupas especiais para a prática esportiva tanto feminina quanto masculina, a revista, sem dúvida, enfatiza para as mulheres os aspectos relativos à elegância[17] e à beleza afirmando serem as brasileiras perfeitamente identificadas com as “[...]coisas do sport, principalmente desse gênero (elegância), em que, sem dúvida, são campeãs absolutas!”. Fazendo uma descrição mais apurada dos modelos apresentados nesse n. 19, de agosto de 1938, a revista, ainda, sublinha que seu objetivo não foi senão aquele de mostrar

[...] o que, além-fronteiras, se admite como do mais apurado gosto para as bellas figurinhas que, se dedicando aos sports, procuram alliar a liberdade de movimento dos trajes sportivos, aos jamais esquecidos caprichos da Moda, o que prova que, mesmo sportista, não esquece a Mulher, o encanto do seu sexo [...]

Esse periódico esportivo apresenta seguidamente em suas capas fotografias de atletas masculinos e femininas vestidas com roupas esportivas bastante especializadas para cada modalidade que praticam. A capa de seu n. 19, de agosto de 1938, apresenta uma nadadora vestindo maillot azul marinho com decote que deixa metade das costas nuas. A legenda da foto posada, feita à beira da piscina, descreve a atleta como “[...] loira e graciosa estrella da natação carioca e componente da equipe do Fluminense F. C. –Seu estylo é o nado de costas [...]”. A capa do mesmo periódico, em seu n. 3, de abril de 1938, apresenta a foto de um mergulhador do clube Tijuca, cuja plasticidade do corpo em ação é bastante acentuada pela vestimenta que porta, constituída de um maiô vermelho muito curto e aderente ao corpo. Ali, entretanto, não há qualquer menção à sua “graciosidade”, ou elegância, embora seus gestos nos levem a essa interpretação dada a bela plasticidade ali congelada pela fotografia.

                                                     

                                                                        Figura 5-  Capa, 1938                             Figura 6-    Capa, 1938

Vemos assim um empenho dessa revista, assim como de outras do período, em mostrar a necessidade de roupas especiais, mas, sublinhando o item elegância quando se refere às mulheres. No extrato que segue do mesmo periódico especializado vemos que ao se fazer referência aos trajes esportivos a elas destinados afirma que eles possuem

[...] radiante graça, elegância e encanto [para aquelas que] dedicando-se aos sports, procuram aliar a liberdade de movimento dos trajes sportivos, aos jamais esquecidos caprichos da moda, o que prova que mesmo esportista não esquece a Mulher o encanto do seu sexo [...]. (Sport Illustrado, 1938, n.19 : 11)

 

Não seria anódino sublinhar que esse periódico, ao cobrir eventos esportivos e festas de clubes, dava ênfase não apenas aos modos de vestir próprios aos praticantes das modalidades que compunham o espetáculo esportivo, mas, também, da plateia, sublinhando sempre a elegância do público presente nos eventos. Em seu n. 17, de agosto de 1938 a revista mostra a festa hípica do clube Fluminense com fotos de sua plateia, chamando a atenção para “a elegância das senhoras”. De um modo geral e não apenas em relação a esse tipo de evento, as revistas específicas aqui analisadas fazem referência à elegância feminina, seja na prática de atividades corporais e esportivas, seja na condição de espectadoras, seja mesmo em relação aos comportamentos e a uma postura corporal na vida cotidiana.

A revista Sport Illustrado é fartamente “ilustrada”, apresentando inúmeras fotos no interior de suas paginas, bem como suas capas e chama a atenção pelo fato de realizar um certo equilíbrio entre imagens de homens e de mulheres em situação de pose e de ação esportiva e em diferentes modalidades como a vela, a equitação, a natação, a ginástica, entre outras.

O que é comum nos artigos, reportagens e imagens fotográficas da revista Sport Illustrado de uma maneira mais evidente, mas, também, nas outras revistas desse domínio aqui analisadas, é a alusão à elegância sempre que mulheres são fotografadas e apresentadas em diferentes modalidades esportivas, seja naquelas que posam, seja naquelas em que são fotografadas em ação. O que não quer dizer que não existam imagens em que a ação esportiva se mostra mais importante que a pose e aquilo que se chama “elegância”. As imagens que vemos a seguir são bem representativas dessa observação.[18]
                                                                                
                                                                           Figura 7 – Corrida, 1938    Figura 8 – Lançamento de disco, 1940
 
                                                                                              
                                                                             Figura 9: Revista de Educação Física do Exército, Capa, 1938.
 
                        Questões ligadas à moda- nas roupas, hábitos, formas corporais-, também fizeram parte das reflexões apresentadas pelas revistas. Em relação às formas corporais femininas, sempre mais discutidas no periodo, o artigo publicado na Revista de Educação Física do Exercito[19] em seu n. 33, de 1936, é bastante revelador das concepções vigentes que desejavam se afirmar a qualquer custo. No que se refere a estas então supostas distinções entre homens e mulheres, o articulista é enfático afirmando que ela, 

 
   [...] A mulher se distingue do homem por uma serie de caracteres morfo-fisiologicos, [...] Não pretendemos aqui enumerar todos os caracteres diferenciais entre o homem e a mulher, [...]; queremos apenas chamar a atenção para um ponto de grande importância e atualidade: a tendência para a masculinização das formas da mulher moderna. Os cabelos curtos, o pijama, o “short”, que contribuem, na toalete e na indumentária, para acentuar a semelhança, não são na realidade senão expressão da nova psicologia feminina, fruto por sua vez da sua atual orientação morfológica, por seu turno dependente das glândulas endócrinas. [...] A mulher moderna procura, com os artifícios da indumentária, acentuar a tendência masculina, porque biologicamente, morfologicamente, psicologicamente, ela está tomando essa orientação. Trabalhando como o homem, intoxicando-se como o homem (fumo, álcool), tendo emoções semelhantes às do homem, praticando o “birth-control”, a mulher atrofia suas funções ovarianas, modifica o funcionamento de outras glândulas e toda a sua fisiologia diferencial sexual, tendendo a distinguir-se menos. [...] A moda feminina moderna prefere a bacia estreita, ao contrário do tipo clássico de beleza feminina cujo protótipo é a Vênus de Milo. (p. 2, quarta-capa, grifos meus)

 

Parece evidente que a pratica de esporte e exercícios físicos em geral, a liberdade de utilizar roupas confortáveis e adequadas às performances corporais neste campo, eram excessivas para esses senhores que prescreviam não apenas medicamentos, mas, sobretudo, costumes. As mulheres que ousassem abandonar seu “destino natural”, que ousassem arrebentar os grilhões de sua escravidão e de sua determinação por uma natureza implacável, eram condenadas de muitas formas.

As práticas esportivas, a liberdade do corpo em movimento e uma moda esportiva foram assim, de um certo modo, libertadoras, mesmo que de maneira tímida e com vida sempre curta. Mesmo que encontremos fotos de mulheres expressando esforço em suas ações esportivas e gimnicas, elas são raras e pouco evidenciadas pois colocavam em risco os lugares e papeis sociais, contribuíam para uma tomada de consciência por parte das mulheres de suas reais capacidades e habilidades corporais que, se praticadas em liberdade e em igualdade de condições, o que incluiria roupas confortáveis e práticas, alcançariam resultados semelhantes. Mulheres praticando esportes ou se exercitando em parques e ginásios são descritas como elegantemente vestidas, pouco importando seus sentimentos e desejos em relação a essa pratica e, sobretudo, suas qualidades físicas para além dos clichês da sedução e da beleza.
 

Um pequeno arremate

De uma maneira geral, seria possível inferir que as roupas especializadas destinadas às praticas corporais e esportivas constituíram todo um imaginário da época revelando imagens de força e beleza, energia e leveza, desenhando corpos ágeis e destemidos. Embora sem destacar a força e mesmo a musculatura mais desenvolvida, também as mulheres participaram desse momento de uma maneira quase inédita, uma vez que, mesmo elas passaram a expor mais os corpos ao sol e a submeter-se a trabalhos de treinamento físico vestindo-se de forma bem mais confortável que em outras épocas. Se o item elegância era ainda empregado quase que exclusivamente a elas também no campo das práticas corporais, parece que outros itens também se fizeram presentes, mesmo que ainda de maneira quase insignificante como, por exemplo, o conforto das roupas e dos calçados esportivos ou não.

Por vezes travestido de “higiênico” este item frequentou mesmo as muitas prescrições para o uso de roupas especiais, seja para dizer que elas deveriam ser largas o suficiente para permitir que o corpo respirasse, seja para dizer que deveriam ser confeccionadas com tecidos macios e maleáveis. Miríades de possibilidades abrem-se para estudos acerca desse imenso universo das roupas especializadas para as práticas corporais e esportivas e seus usos pelas mulheres. 

Como parte da educação do corpo e expressando de modo profundo a sensibilidade de cada época, as roupas compõem os estereótipos, sublinham e apagam pertencimentos e, entre liberdades e constrangimentos, escrevem e descrevem histórias sobre a educação do corpo, ou seja, sobre essa inserção no mundo dos objetos e do seu lugar na estruturação de indivíduos e sociedades.

As roupas esportivas em suas singularidades de uso e de funções constituem um vasto e fértil objeto de pesquisa no campo da história das práticas corporais, da história do esporte, da historia das mulheres pois, cada prática, cada época empregou e divulgou roupas especiais com finalidades distintas. Escolhê-las e analisá-las em seus detalhes, em suas singularidades de usos revela-se, assim, um campo aberto para o estudo acerca das liberdades e opressões vividas pelas mulheres. 
 

Referencias Bibliográficas

Andrieu, Bernard. 2007. “Un bronzage de riguer”. Cerveau & Psycho, n. 22, pp. 41-43, jul.-out.
 
Andrieu, Bernard. Histoire du bronzage. Naissence du plaisir de la peau. 2008. Paris : Ed. CNRS.
Bar, Christine. 2010. Une histoire politique du pantaloon. Paris: Seuil.
 
Benaïm, Laurence. 1991. Le pantalon: une histoire en marche. Paris, Editions de l’Amateur.
 
Cebalhos, Rodrigo. 2003. Os “maus costumes” nordestinos: invenção e crise da identidade masculina no Recife (1910-1930). Dissertação (Mestrado em Historia)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.


Crane, Diana. 2006. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo, Senac.


Deslandres, Yvone. 1990. “Les modes vestimentaires dans la société occidentale”. In: Poirer, Jean (dir.). Histoire des moeurs:les coordonnées de l’homme et la culture matérielle. Paris, Gallimard, pp. 1.033-1.702.
 

Demeny, George. Education et harmonie des mouvements 7a. ed., Felix Alcan, Paris, 1920.

 
Encyclopédie des Sports. 1924. T. 1, Paris : Larousse.

Fourastié, Jean & Fourastié, Françoise. 1962. Que sais-je: Histoire du confort. Vendôme, Presses Universitaires de France (1. ed. 1950).

  Ferreira NETO, Amarilio; Scheinder, Omar.; Aroeira, K. P.; Bosi, F. & Santos, W. 2002. Catálogo de periódicos de educação física e esporte (1930-2000). Vitória, Proteoria. 

Holander, Anne. 1996. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. São Paulo, Rocco.


  Jamain, Sandrine. 2005. “Les vêtements sportif des femmes des ‘années folles’ aux années 1960: de la trangression à la ‘neutralisation’ du genre”. In: Roger, Anne & Terret, Thierry. Sport et genre: objets, arts et médias. Paris, L’Harmattan. vol. 4, pp. 35-48.

 
_______. & Terret, Thierry. 2009. “Fabricants, Détaillants et vendeurs: l’économie du costume de sport à la Belle Époque”. Revue Internationale des sciences du sport et de ’éducation physique (STAPS), Bruxelles, Éditions De Boeck Université, n. 83, pp. 55- 67.

  Laver, James. 1989. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo, Companhia das Letras.

 
Marguerite, Victor. 1922. La Garçonne. Paris : Flammarion

 
Martins, Ana Luiza . 2008. Revistas em revista: imprensa e práticas em tempo de República, São Paulo, 1890-1922. São Paulo, Edusp; Fapesp.

 
Ory, Pascal2008.. L’invention du bronzage. S.sl. , Editions, Complexe,

Poirier, Jean (dir.) (1990). Histoire des moeurs: les coordonnées de l’homme et la culture matérielle. Paris, Gallimard.

Roche, Daniel. (1997). Histoire de choses banales: naissance de la consommation (XVII-XIXème siècle). Paris, Fayard.

  Sant’Anna, Denise Bernuzzi de. 2000. História do conforto na cidade de São Paulo. In: Anos 90, Revista do programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, n. 14, dez, p. 162-183.

_______. 1994. La recherche de la beauté:une contribution à l’histoire des pratiques et représentation del’embellissement féminin au Brésil - 1900-1980. Thèse (Doctorat en Histoire et Civilisations) – Université Paris VII, 2t.

_____. 2004. São Paulo das Águas. Tese de Livre Docência. Departamento de Historia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.


  Souza Neto, Samuel de. “EDUCAÇÃO PHYSICA”: Revista de Esporte e Saúde – Profissão, História e Sociedade. Disponível em , http://www.anpuhsp.org.br/downloads/CD%20XVII/ST%20IX/Samuel%20de%20Souza%20Neto.pdf, acesso em 05 de outubro de 2011.


  Scheineder, Omar. & Ferreira Neto, Aamarilio. 2004. “Estratégias editoriais, enciclopedismo, produtos e publicidade na revista Educação Physica (1932-1945)”. Movimento, Porto Alegre, vol. 10, n. 3, pp. 23-52.

___________________. 2008. “Americanismo e a fabricação do ‘Homem Novo’: circulação e apropriação de modelos culturais na Revista Educação Physica (1932-1945)”. Movimento, Porto Alegre, vol. 14, pp. 135-159.

 
Simmel, Georg. 2008. Filosofia da moda e outros escritos. Lisboa, Texto & Grafia (1. ed. 1905).


  Siqueira, Sandra Aparecida de. 2009. Campinas: seus corpos, suas águas (práticas corporais aquáticas no início do século XX). Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas

Soares, Carmen Lucia. 2008. “Vêtements”. In: Andrieu, Bernard & Boëtsch, Gilles (dirs.). Dictionnaire du corps. 2. ed. Paris, Editions du CNRS, pp. 389-340.

 
______ . 2011. As roupas nas praticas corporais e esportivas: a educação do corpo entre o conforto, a elegância e a eficiência (1920-1940). Campinas: Autores Associado.
 
  Spencer, Herbert. 1930. De l’éducation intellectuelle, morale et physique. 6a. Ed. Paris: Felix Alcan (1a.ed. 1854)
 
 
Vigarello, Georges. “Confort et hygiène en France au XIXe siècle”, In: Du luxe au confort, Paris, Belin, 1988, p. 51-65.
 
_______. 2004. Histoire de la beuté: le corps et l’art d’embellir de la renaissence à nos jours. Paris, Seuil.
 
 
Fontes
 
Educação Physica - Revista Téchnica de Sports e Athletismo, n. 2, 1932.
 
Educação Física- Revista Técnica de Esportes e Saude, n. 37, 1937
 
Educação Fisica-  Revista de Esportes e Saúde, n. 43 , outubro, 1938,
 
Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, n. 15,  fevereiro,  1938
 
Educação Física - Revista de Esportes e Saúde n. 41, abril, 1940
 
Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, n. 49, dezembro, 1940
 
Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, n. 53, abril, 1941
 
Educação Física - Revista de Esportes e Saúde, n. 54, maio,  1941
 
Revista de Educação Física do Exercito,  n. 33, outubro, 1936
 
Sport Illustrado, n. 19, agosto, 1938
 
Sport Illustrado, n. 5 e 6, maio, 1938
 
Sport Illustrado n. 3, abril, 1938
 
Sport Illustrado n. 17, agosto, 1938
 
Lista de Figuras


Figura 1: banhista
FONTE: Vida fluminense, 1889, Biblioteca Nacional / RJ
 
Figura 2: banhistas
FONTE: Nosso Século, v.4 (1910-1930), p.37
 
Figura 3: Cabines de banho, praia do Guarujá – São Paulo, 1920
FONTE: Banhos, historias e rituais, 2006
 
Figura 4: Jandira Barroso vencedora da classificação feminina da primeira Travessia de São Paulo a Nado de 1924.
FONTE: Tietê: o rio do esporte, 2001, p. 90.
 
Figura 5 – Capa, 1938.
FONTE: Sport Illustrado, n. 19, 1938
 
Figura 6 – Capa, 1938
FONTE: Sport Illustrado, n. 3, 1938
 
Figura 7 – Corrida
FONTE: Sport Illustrado, n. 18, 1938
 
Figura 8 – Lançamento de disco
FONTE: Educação Fisica- Revista de Esportess e Saude, n. 39, 1940
 
Figura 9: Capa
FONTE: Revista de Educação Física do Exército, n. 41, 1938

 


Nota biográfica


Carmen Lúcia Soares
É professora livre- docente pela UNICAMP, onde leciona desde 1987. Doutorou-se em 1996, na mesma universidade, com uma tese sobre a historia da educação do corpo. Também é pesquisadora do CNPq e atua no Programa de Pós Graduação em Educação da UNICAMP, desenvolvendo pesquisas em torno dos seguintes temas: história das práticas corporais; educação do corpo e natureza; corpo e higiene; história da educação física.

notas


[1] Ver por exemplo: Sant’Anna 2000: 162-183; Vigarello, George 1988: 51-65.


[2]Ver a respeito Andrieu, Bernard, 2008;  Ory, Pascal 2008, entre outros.


[3] Ver por exemplo Jamain, Sandrine, 2005, v. 4 : 35-48 ; Jamain, Sandrine & Terret, Thierry, 2009 n. 83 : 55- 67.


[4]Também os cabelos podem ser usados curtos, quase raspados seguindo a moda “la garçonne”. Na literatura temos o grande sucesso, em 1922 do romance de Victor Margueritte, La Garçonne, obra que vendeu mais de um milhão de exemplares e dá uma visão bastante diferente da mulher de então, menos meiga e delicada, mais altiva e combativa.


[5] Voltaremos ao tema do uso de calças compridas pelas mulheres em outro momento deste artigo.


[6] A esse respeito ver a pesquisa por Cebalhos, Rodrigo, 2003.


[7] Discutindo a educação física infantil a mesma revista publicou dois meses antes, em seu n. 41 de agosto de 1940 uma matéria intitulada Método prático para realização das lições de educação física destinado ao 1° Grau do ciclo elementar. Nessa matéria vamos encontrar entre as prescrições apresentadas que indicam a idade, o sexo, o regime, a duração, a hora, o local e o material a ser utilizado, um item denominado “uniforme” seguido da informação: “De Educação Física” (p. 12).

[8] Ver por exemplo Demeny, George, 1920, autor que teve grande influência no pensamento da educação física no Brasil, seja entre educadores como, por exemplo, Fernando de Azevedo, seja entre médicos.


[9] Trata-se de um periódico brasileiro que circulou entre os anos de 1932 a 1945, publicando um total de 88 números, alcançando dez países, em especial a América Latina, 18 estados brasileiros e 138 cidades. Entre as modificações ocorridas ao longo dos anos em que circulou, encontra-se a grafia de seu nome. Em estudo detalhado sobre esse periódico, Souza Neto, Samuel (2004) assim resume as modificações ocorridas no nome: “quando de publicação inicial foi denominada “educação física/physica” – Revista Téchnica de Sports e Athletismo (1932/ n. 1 – 1937/ n.10); em seguida passa a chamar-se “educação física” – Revista Téchnica de Esportes (1937/ n. 11 – 1937/ n. 12); “educação física” – Revista Téchnica de Esportes e Saúde (1937/ n. 13 – 1938/ n. 14) e finalmente “educação física” – Revista de Esportes e Saúde (1938/ n. 15 – 1945/ n. 88)” (pp. 4-5). Assim, ao longo deste artigo este periódico sofrerá alterações em seu nome. 


[10] Ver, por exemplo, Siqueira, Sandra Aparecida, 2009 dissertação de mestrado cuja temática trata da educação do corpo em sua relação com a água na cidade de Campinas nas primeiras décadas do século XX, assim como a construção de uma piscina em Clube desta mesma cidade.


[11] Esta expressão é de Sant’Anna, empregada como título de sua tese de Livre Docência defendida junto à PUC-SP, no ano de 2004: “São Paulo das águas”.


[12] Laver, James, 1989 mostra como este fato abalou o estabishment secular na Europa e nos EUA e mesmo leis foram criadas para impedir o uso de saias curtas, na tentativa de impor uma moralidade própria, p.232-233. Ver também Crane, Diana, 2006 entre outros.


[13] Trata-se de um semanário que traz notícias esportivas em geral destacando competições de diferentes modalidades e em diferentes regiões do Brasil. Sua primeira edição data de 12 de abril de 1938, tendo circulado até o ano de 1952.
 
[14] Trata-se de uma peça de roupa fabricada em tecido resistente e eletrificada, de cor branca ou cinza e que veste todo o tronco; esta peça de roupa é forrada com materiais resistentes aos golpes que, porventura, possam perfurar seu tecido. Trata-se de uma peça de roupa utilizada por ambos os sexos.


[15] Crane, Diane, 2006, afirma que mais [...] Os movimentos por reformas no vestuário tiveram menos destaque na Inglaterra e na França. Em 1881, a Sociedade pela Reforma Racional (Rational Dress Society) foi fundada na Inglaterra para promover o uso de saia-calça na altura dos joelhos. Na França, a reforma do vestuário não existiu até 1887, quando se formou uma sociedade com o objetivo de eliminar o espartilho. A partir do início do século XIX, a calça foi proibida por lei na França; para usa-la era necessária uma permissão especial da policia. Essa legislação restritiva foi uma reação ao comportamento das feministas francesas que haviam usado calças como parte de seus trajes de montaria durante a Revolução. Seu vestuário e visão política eram considerados inaceitáveis pelos homens que exerciam o poder. Os lideres da Revolução Francesa consideravam as roupas “uma declaração de liberdade de expressão da individualidade”, mas não para as mulheres. As poucas francesas de classe media (ou que tinham um estilo de vida de classe média) que usavam calças no século XIX o faziam por preferência pessoal, não para promover a causa da reforma no vestuário. De qualquer forma, eram mulheres atípicas ou marginais.” (p. 231-233); ver entre outros, Benaïm, Laurence, 1991; Deslandres, Yvone, 1990 ; Laver, James, 1989 ; Bard, Christine, 2010.


[16] ] Martins, Ana Luiza, 2008: 344, apresenta extensa lista com 29 títulos de “revistas esportivas e afins” entre os anos de 1896 à 1922, tais como: “A Bicicleta”(1896), “O Sportman”((1902), “A vida esportiva” (1903), Arte e Sport” (1903), “O Sport” (1905, “Sportmen” (1906), “A Cigarra Esportiva” (1917), entre outras.


[17]. Crane, 2006, vai dizer que na “[...] França, a prática de esportes por mulheres era mais controvertida que na Inglaterra ou nos EUA. Em revistas populares elas eram alertadas de que, ao praticar atividades físicas, provocariam menos criticas se vestissem de forma elegante e de acordo com a moda e não perdessem a feminilidade”. (grifos meus; p.240-241). Spencer, já na década de 1854, criticava a imposição da elegância em detrimento do conforto e da praticidade não apenas para a vestimenta feminina, mas, sobretudo, na vestimenta infantil afirmando que “[...] Não somente as mães, para se conformar à moda, fazem mal aos seus filhos, mas, pelo mesmo motivo que não os cobrem, lhes impõem um gênero de roupas que os impedem de poder entregar-se à uma atividade sã. Escolhemos, para o prazer dos olhos, as cores e as texturas impróprias ao uso rude ao qual deveriam estar destinadas para a pratica de jogos livres das crianças; e para os impedir de danificar suas roupas, impedimos que pratiquem jogos livres. [...] Afim de responder às mães que tem a ideia fixa da elegância e da estética, da roupa “bonitinha”! a ser admirada pelas visitas, é necessário que as crianças tenham roupas que não lhes cubram suficientemente o corpo e que o material da roupa seja leve; e afim de que estas roupas pouco sólidas sejam mantidas e conservadas limpas, é necessário que a inquieta, e tão natural e necessária atividade da juventude, seja contida. O exercício que se torna duplamente útil quando a roupa é insuficiente, encontra-se impedido de ocorrer, porque se teme estragar a roupa. [...] Nossa conclusão é então que, se o vestuário das crianças, não deve jamais ser demasiado pesado para produzir um calor excessivo, ele deve sempre ser bastante quente para prevenir toda sensação de frio; que no lugar do algodão, tule, ou qualquer tecido extravagante, esta roupa seja confeccionada por um tecido que seja um mal condutor de calor, como por exemplo a lã; que ele seja bastante sólido para aguentar facilmente o atrito e os “puxões” que lhes farão suportar os jogos violentos das crianças [...]” (p. 264,265, 266, 267).


[18] A Encyclopédie des Sports de 1924 (Tome 1, Paris, Larousse) apresenta, por exemplo, fotos de mulheres esportivas em poses menos “graciosas”, quase que únicas no período, seguindo a ambiguidade que estes anos vão permitindo.


[19] Trata-se de um periódico de divulgação científica do Exército Brasileiro e foi fundado em 1932. Publicada pela Escola de Educação Física do Exército desde sua fundação e mais recentemente pelo Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército, este periódico se encontra, ainda, em circulação e está digitalizado desde seu primeiro número, publicado em maio de 1932; seu endereço eletrônico é <http://www.revistadeeducacaofisica. com.br>. O artigo mencionado refere-se a publicação de uma conferencia proferida na Escola de Educação Física do Exército por W. Berardinelli, médico e professor de endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas cujo titulo já é bastante sugestivo: “As formas femininas e a Educação Física: a moda social e a moda biológica”, e foi resultado de uma conferência.

labrys, études féministes/ estudos feministas
juillet/décembre 2011 -janvier /juin 2012  - julho /dezembro 2011 -janeiro /junho 2012