labrys,
études féministes/ estudos feministas Políticas de equidade de gênero na educação superior na Espanha e no Brasil: avanços e limites[1] Maria Eulina Pessoa de Carvalho Alejandra Montané Resumo: O texto destaca as principais políticas de igualdade e equidade de gênero no Brasil e na Espanha. Descreve inicialmente a presença de mulheres e homens no contexto universitário, no tocante a acesso, distribuição e possibilidades de promoção acadêmica. Em seguida, enfoca a criação de novas áreas do conhecimento vinculadas ao desenvolvimento dos estudos de gênero na educação superior. Finalmente, com base nas diversas concepções de justiça que prevalecem nas políticas e estudos de gênero, discute brevemente os avanços, bem como os limites, na igualdade de oportunidades e inclusão das mulheres e da perspectiva de gênero na educação superior. Palavras-chave: igualdade, equidade,gênero, Brasil, Espanha Abstract: This paper highlights the principal gender equality and equity policies in Brazil and Spain. It initially describes women’s and men’s presence in the university context, regarding access, distribution and possibilities of academic promotion. Next, it focuses on the creation of new fields of knowledge linked to the development of gender studies in higher education. Finally, based on the diverse conceptions of justice which prevail in gender policies and studies, it briefly discusses advances as well as limits in equality of opportunities, and in the inclusion of women and of the gender perspective within higher education. O desenvolvimento das políticas de igualdade
O desenvolvimento democrático, impulsionado a partir da segunda metade do século XX, gerou políticas de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e mecanismos de promoção da equidade de gênero, articulados ao desenvolvimento dos estudos de gênero. Estes estudos, geralmente empreendidos por mulheres acadêmicas provenientes do movimento feminista e/ou especialistas em questões de direitos humanos, democracia e desenvolvimento, compreendem tanto a teoria de gênero e a perspectiva de gênero quanto a produção de conhecimento sobre a situação política, econômica e social das mulheres. A equidade de gênero – que compreende não somente igualdade de oportunidades, mas, sobretudo, reconhecimento das singularidades, ações afirmativas para efetivar a participação e inclusão das mulheres, e valorização da contribuição social e cultural das mulheres e das visões e valores ditos femininos – é reconhecida como um dos pilares do desenvolvimento humano.
Diversas organizações internacionais contribuíram significativamente para a análise da desigualdade e discriminação das mulheres e criaram importantes mecanismos e instrumentos específicos para superá-las. Destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU), através da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw) de 1979, da Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher de 1993, e da realização das Conferências Mundiais da Mulher, em 1975, 1980, 1985 e 1995. Na América Latina, a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) têm contribuído para a difusão e aplicação da perspectiva de gênero com vistas ao alcance do desenvolvimento integral dos países da região. Na Europa, a igualdade entre homens e mulheres é um dos princípios fundamentais do direito comunitário desde o Tratado de Roma (1957) e as Instituições Europeias têm criado estruturas com responsabilidades específicas em matéria de igualdade; desde 1982 vêm sendo desenvolvidos programas de ação comunitária para a igualdade de oportunidades e em 1995 foi criado o grupo de Comissários/as para a igualdade de oportunidades, em estreita ligação com o Parlamento Europeu. Cabe ressaltar que nos últimos anos têm avançado as políticas públicas de gênero desenvolvidas por Estados democráticos, apesar das políticas macroeconômicas que vêm reduzindo o papel do Estado através da desregulação dos mercados financeiros e de trabalho. Assim, ao mesmo tempo em que se enfraquecia a institucionalidade do Estado e amiúde se subordinavam os objetivos de igualdade aos objetivos de crescimento, se dava o reconhecimento dos direitos das mulheres (Cepal, 2010). No âmbito da educação superior, um documento gerado pela Unesco, em 1998, intitulado Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação e adotado por muitas instituições de educação superior (IES) em todo o mundo, assinalava como objetivo prioritário a promoção do acesso e fortalecimento da participação das mulheres mediante cinco grandes eixos de ação: a sensibilização, o desenho curricular, a pesquisa e extensão, a cultura institucional e a coordenação interinstitucional (Unesco, 1998). Embora as políticas não garantam mudança cultural nas IES, representam o posicionamento oficial. Por sua vez, as estatísticas oferecem um retrato estático da situação que, embora insuficiente, possibilita determinar o estado dos grupos implicados. Neste texto, apresentamos as políticas de gênero no Brasil e Espanha, e refletimos sobre: a) a presença de mulheres e homens no contexto universitário, considerando tanto o acesso, como a distribuição e as posibilidades de promoção acadêmica; b) a criação de novas áreas de conhecimento vinculadas ao desenvolvimento dos estudos de gênero na educação superior; c) as diversas concepções de justiça que prevalecem nas políticas e nos estudos de gênero. Estas reflexões nos permitem visualizar os sentidos da igualdade/desigualdade e os avanços e limites na inclusão das mulheres. Gênero e educação superior no Brasil e Espanha No Brasil, foi apenas na década de 1990, como lembram Vianna e Unbehaum (2004), que as questões de gênero ganharam visibilidade na pesquisa e na política educacional; por conseguinte, ainda hoje, quando se trata de inclusão e equidade em educação, se negligencia ou minimiza a desigualdade de gênero. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 1996, não fazia qualquer referência às questões de igualdade de sexo, direitos das mulheres e equidade de gênero (Brasil, 2011a). Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados pelo Ministério da Educação (MEC), em 1998, incluíam a questão de gênero subordinada à questão da sexualidade no tema transversal Orientação Sexual (Brasil, 1998), o que gerou críticas no âmbito acadêmico. Todavia, pouco se avançou na prática, seja no currículo escolar, seja na educação superior, embora o Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010 estabelecesse, nos objetivos e metas da educação superior, a inclusão de gênero nas diretrizes curriculares dos cursos de formação docente (Brasil, 2001:44). Partindo da constatação de que, no final da década de 1990, a média de anos de estudo das mulheres era mais elevada do que a dos homens em todas as regiões do país, o PNE 2001-2010 reduzia as questões de gênero ao alcance da paridade de sexo nas matrículas, ao pontuar, por exemplo, no diagnóstico da educação infantil que, estando equilibrada a “distribuição das matrículas, quanto ao gênero”, a questão não requeria “correções” (Brasil, 2001:11). Na educação superior, Beltrão e Alves (2009) apontam que a reversão do “hiato de gênero”, a favor das mulheres, começou na década de 1970[2]. Esse fenômeno resultou da convergência de vários fatores, segundo Cristina Bruschini (2007): uma intensa transformação cultural que impulsionou a busca de um projeto de vida profissional; a expansão do ensino superior (público e, sobretudo, privado); e as transformações nas profissões liberais (via processos de racionalização, especialização, assalariamento e perda de status e prestígio). Contudo, embora as estudantes do sexo feminino fossem a maioria de ingressantes e concluintes dos cursos superiores, concentravam-se (e ainda concentram-se) em cursos menos valorizados das áreas de ciências humanas, sociais, do cuidado e do magistério (Blay, 2002; Carvalho e Rabay, 2011; Godinho et al., 2005; Ristoff et al., 2007; Ristoff et al., 2008; Rosemberg, 2002). O PNE 2001-2010 expressava preocupação com a inclusão e equidade na educação superior na meta de criação de políticas de acesso para minorias, vítimas de discriminação, através de programas compensatórios. Nesse sentido, algumas universidades públicas implantaram políticas de cotas para estudantes autodeclarados negros ou oriundos de escolas públicas, contemplando as desvantagens de cor e renda. Igualmente, as políticas recentes do governo federal de ampliação do acesso à educação superior – Financiamento Estudantil (Fies/1999), Programa Universidade para Todos (Prouni/2005) e ampliação das vagas nas IES federais (Reuni/2007) – tratam a inclusão e equidade apenas da perspectiva socioeconômica. Nessa década, a partir de 2003, o Brasil passa a ter uma Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), com status de Ministério. Em 2004, declarado Ano da Mulher, realizou-se a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, que originou o I Plano Nacional de Políticas para Mulheres (I PNPM 2004-2007); em 2007, realizou-se a II Conferência Nacional de Políticas para Mulheres e saiu o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres (II PNPM 2008-2011); e em dezembro de 2011 ocorreu a III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. O I e o II PNPM têm a “educação inclusiva e não sexista” – posteriormente acrescentou-se “não racista, não homofóbica e não lesbofóbica” – como uma de suas áreas estratégicas de atuação. O I PNPM traçou diretrizes como: “garantir a inclusão das questões de gênero, raça e etnia nos currículos; e reconhecer e buscar formas de alterar as práticas educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a comunicação discriminatórias” (Brasil, 2004:34). Reconheceu que as mulheres brasileiras estão equiparadas ou têm níveis de escolaridade superiores aos homens, no caso das mais jovens e das brancas, mas também que há um gendramento das carreiras na educação superior e profissional, isto é, carreiras predominantemente masculinas e outras predominantemente femininas. Diante disso, propôs ações afirmativas para grupos específicos (negros e indígenas) em todos os níveis e modalidades de ensino e inclusão das temáticas de gênero, raça, etnia e orientação sexual nos currículos do ensino superior e da educação profissional e tecnológica. No capítulo sobre enfrentamento à violência contra as mulheres indicou “a inclusão de disciplina sobre legislação e tratados internacionais relativos à violência contra a mulher e aos direitos humanos nos cursos superiores de Direito” (Brasil, 2004:79). Já o II PNPM (Brasil, 2008) delineia duas grandes linhas de ação: transformação das sensibilidades e representações sobre relações de gênero e orientação sexual; e ações para grupos de mulheres subalternos específicos. Na primeira linha, o foco das ações deve incidir sobre as práticas e relações escolares, currículos e materiais didáticos e paradidáticos, e sobre a formação inicial e continuada dos agentes da educação (gestores/as, professores/as, orientadores/as pedagógicos/as). Nesse sentido, foi criado o curso à distância Gênero e Diversidade na Escola (GDE), sobre relações de gênero, relações étnico-raciais e orientação sexual, ofertado pelas IES públicas, através da Universidade Aberta do Brasil. Para atender às recomendações de atenção ao gendramento das carreiras e à reprodução de estereótipos de gênero na atuação profissional feitas em 2007 pelo Comitê da ONU/Cedaw (Brasil, 2008:59), o II PNPM formula objetivos específicos como: promover a ampliação do acesso ao ensino profissional e tecnológico e ao ensino superior, com equidade de gênero, raça/etnia; e estimular a participação das mulheres nas ciências e a produção de conhecimento na área de gênero, identidade de gênero e orientação sexual, em articulação com outros aspectos identitários. Nesse sentido, entre as prioridades estava a promoção da formação das mulheres para o trabalho, visando reduzir a desigualdade de gênero nas carreiras e profissões, incluindo as seguintes ações: “estimular a maior participação feminina em áreas de formação profissional e tecnológica tradicionalmente não ocupadas por mulheres”; “promover o acesso à formação tecnológica e profissional de mulheres nas áreas indígenas”; e “realizar campanhas para ampliar o número de mulheres nos cursos do ensino tecnológico e profissional” (Brasil, 2008:65). É fato que a vantagem quantitativa das mulheres nas IES, que inclusive chegou à pós-graduação (Godinho et al., 2005; Ristoff et al., 2007; Ristoff et al., 2008), é qualitativamente limitada e não erradicou ainda os diferenciais salariais no mercado de trabalho. Como dimensão específica da estratificação social e da divisão social do trabalho, o gênero continua condicionando as oportunidades e as escolhas educacionais e laborais das novas gerações de mulheres (Abercrombie, Hill e Turner, 1994), gerando formas específicas de injustiça distributiva (Fraser, 2002). Segundo Cristina Bruschini (2007), o progresso na formação e inserção profissional de mulheres tem sido variável, conforme a área de conhecimento: embora as conclusões de cursos superiores por mulheres tenham passado de 150.339 em 1994 para 446.724 em 2005, ocorreram pequenos aumentos em áreas como Engenharia, Produção e Construção (de 26,1% para 29,5%), Saúde e Bem-estar Social (de 69% para 73,5%) e Agricultura e Veterinária (de 31,7% para 40,7%); equiparação em Ciências Sociais, Negócios e Direito (54,8% em 1994 e 54,4% em 2005); porém, acentuada diminuição em Ciências, Matemática e Computação (de 58,5% para 39,1%). A autora também encontrou persistente desigualdade salarial entre homens e mulheres em carreiras como engenharia, arquitetura, medicina e advocacia. Demonstrando a dificuldade de transversalizar a perspectiva de gênero nas políticas públicas, inclusive no campo feminino da educação, o projeto de lei do novo Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020), apresentado pelo MEC, ainda concebia a democratização do acesso, equidade e inclusão social em termos restritos à dimensão socioeconômica, ao propor a ampliação da participação proporcional de grupos historicamente desfavorecidos na educação superior, inclusive mediante políticas afirmativas (Brasil, 2011b:39). Diante da exclusão educacional das populações indígenas, negras, pardas e pobres em geral, e do déficit escolar que afeta grande parte da população jovem e adulta, a visível inclusão quantitativa das mulheres na escola básica e nos cursos superiores parece ser vista positivamente e não se vislumbram cotas, por exemplo, para mulheres em cursos das áreas científicas e tecnológicas onde elas estão escassamente incluídas. Em contraposição, a SPM encaminhou as seguintes propostas de emendas ao PNE 2011-2020, inseridas no segundo substitutivo (PNE-PL 8035/10) em tramitação no Congresso Nacional: estímulo à participação das adolescentes nos cursos das áreas tecnológicas e científicas; estímulo à participação das mulheres nos cursos de pós-graduação stricto sensu, em particular aqueles ligados às áreas de engenharia, matemática, física, química e informática; e, especialmente, a utilização da linguagem inclusiva de gênero em todo o texto da lei (SPM Notícias, 2012). Quanto à presença das mulheres como formadoras, docentes e pesquisadoras, a divulgação dos principais resultados do Censo da Educação Superior de 2010 não destaca informações relativas a sexo de docentes (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2011). Conquanto tenha crescido sua inclusão, as mulheres ainda são minoria dos docentes da educação superior, embora sejam maioria das estudantes e graduadas desde fins da década de 1990, como informa o Resumo Técnico do Censo da Educação Superior de 2009: “O ‘típico’ docente vinculado às IES públicas é do sexo masculino [...] Já o ‘típico’ docente vinculado às IES privadas é [igualmente] do sexo masculino” (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2010:18). Ao examinar a participação feminina na pesquisa no Brasil, por área de conhecimento, a partir de bases de dados do CNPq e do Coleta/Capes, de 2000 a 2006, Isabel Tavares (2009) constata a baixa presença de mulheres em algumas áreas do conhecimento e principalmente no topo da carreira acadêmica. O crescimento da participação feminina é relativamente superior ao dos homens em todas as bases de dados estudadas, porém estes são maioria entre os pesquisadores mais qualificados. “As mulheres predominam nas profissões ligadas ao cuidar: educação, saúde, alimentação; e os homens, nas profissões ligadas às finanças, administração, às tecnologias e às chamadas hard sciences, que são, também, aquelas com maior prestígio e reconhecimento no mercado” (Tavares, 2009:34). Ainda segundo a autora, entre os/as bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, de acordo com dados do Diretório Geral de Pesquisa de 2006, as mulheres eram 33%, concentradas no nível inicial, com presença muito reduzida no nível superior, principalmente nas áreas majoritariamente masculinas, mas também em algumas áreas predominantemente femininas como História e Sociologia. Na Educação e na Psicologia, campos femininos, o percentual masculino quase se equiparava ao feminino, sendo a participação feminina mais elevada apenas em Letras e Artes. De modo geral, no período 2001-2006, a presença feminina cresceu em áreas masculinas, exceto em Física e Matemática, e caiu em áreas predominantemente femininas. Tavares (2009:43) conclui que “a maior ou menor participação feminina nas áreas do conhecimento não parece ser resultado apenas do processo individual de ascensão na carreira, mas também de contingências e obstáculos que dificultam ou excluem a mulher do topo da carreira”, como a maternidade, “provavelmente porque o período reprodutivo feminino coincide com o início da carreira acadêmica” (Tavares, 2009:52). A trajetória profissional das mulheres é mais difícil: enquanto eles demonstram produtividade constante e crescente, a produção delas é maior no início da carreira, depois se torna oscilante e volta a crescer “mais tarde, quando provavelmente não há mais tempo para alcançar o topo da carreira” (Tavares, 2009:62). Na Espanha, apesar das mulheres terem conquistado acesso legal à universidade em 1910 (Guil, 2004), continuam existindo sérios obstáculos ao acesso feminino a posições de prestígio e poder no mundo acadêmico. Os dados existentes sobre a situação da mulher na Ciência e na Universidade evidenciam as dimensões da discriminação e desigualdade no momento da promoção profissional, indicando que sua inclusão não implicou ascensão no campo acadêmico. Para garantir a efetividade das políticas públicas, o Conselho de Ministros aprovou o Plano Estratégico de Igualdade de Oportunidades (PEIO) 2008-2011 e criou uma Comissão Interministerial de Igualdade entre Mulheres e Homens visando integrar o princípio de igualdade, coordenar os distintos departamentos ministeriais, elaborar informes periódicos sobre o conjunto das ações governamentais e sobre o impacto de todos os projetos, dispositivos e planos relevantes. O Peio se baseia em quatro diretrizes: Cidadania, Empoderamento, Transversalidade e Inovação. Embora não disponha de uma seção específica sobre educação superior, há ações educacionais que fazem referências explícitas à educação superior, por exemplo, no tocante à implantação de cursos de graduação e programas de pós-graduação, à pesquisa (especialmente, à formalização dos estudos feministas), assim como à formação docente. O quadro seguinte apresenta as ações relativas à igualdade de gênero na educação superior, correspondentes aos dois eixos do PEIO 2008-2011: educação e conhecimento.
Fontes: Montané e Beltran (2011); Montané, Vilaroya et al. (2011). Desde 2003, o Governo Central e as Comunidades Autônomas da Espanha vêm editando diversas leis que contemplam a necessidade de introduzir a igualdade e a não-discriminação na universidade.[3] Desde a aprovação da Lei Orgânica 3/2007, para a igualdade efetiva de mulheres e homens (LOI/2007) vêm se implementado diversos mecanismos de sensibilização, conscientização e regulação da situação da mulher nos níveis de governo central, comunitário e local, a fim de combater a discriminação direta ou indireta por razão de sexo, e de efetivar a igualdade entre mulheres e homens, em todos os âmbitos sociais. A política de gênero na Espanha assume os conceitos de mainstreaming ou transversalidade de gênero e de igualdade de oportunidades entre mulheres e homens como prioridade emanada da política social europeia. A LOI/2007 contempla a Directiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu, de 23/9/2002, em matéria de igualdade e obriga os poderes públicos a garantir a transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas e a promover o reconhecimento do papel das mulheres nos âmbitos cultural, histórico e econômico. A Lei Orgânica 4/2007, que modifica a Lei Orgânica 6/2001, das Universidades (LOM/LOU/2007) estabelece, entre as funções da Conferência Geral de Política Universitária, a coordenação, elaboração e acompanhamento de informes sobre a aplicação do princípio da igualdade de mulheres e homens na universidade (Título IV, artigo 27 bis: Conferência Geral de Política Universitária). Além das mudanças funcionais e estruturais na educação superior espanhola para adaptar-se ao Espaço Europeu de Educação Superior, a reforma universitária pretende impulsionar o progresso solidário, assumindo o objetivo de alcançar uma sociedade igualitária, através de medidas como: adoção da paridade na representação dos órgãos gestores; fomento à igualdade na pesquisa; garantia de igualdade de oportunidades e não-discriminação por razão de sexo para docentes, discentes e funcionários/as, inclusive com a criação de estruturas específicas. Em relação à pesquisa, deve-se garantir a presença equilibrada de mulheres e homens em todos os âmbitos de investigação (Artigo 42. Seção 3); também a composição de comissões, como as de avaliação na Agência Nacional de Acreditação, deve ser equilibrada por sexo, exceto quando não for possível por “razões fundamentadas e objetivas” (Artigo 57. Acreditação Nacional. Seção 2); e, do mesmo modo, as comissões de concursos de acesso a funções docentes, segundo os estatutos de cada universidade (Artigo 62. Concursos para o acesso a vagas nos corpos docentes universitários. Seção 3). Para o corpo docente e técnico-administrativo e para o corpo discente, a garantia de igualdade de oportunidades e não-discriminação refere-se ao acesso, permanência e obtenção de bolsas e ajudas financeiras (Artigos 64 e 76). Finalmente, a LOM-LOU/2007 dispõe que as universidades devem contemplar, em sua estrutura organizacional, “Unidades de Igualdade” entre mulheres e homens. Na prática, existe pouca unanimidade quanto à denominação e relevância institucional dessas unidades de igualdade, obrigatórias por lei: são chamadas unidades, comissões, secretariados, oficinas e inclusive observatórios de igualdade; e operam, geralmente, sob o amparo das vice-reitorias (de Assuntos Estudantis, de Cooperação e Igualdade, de Planejamento e Estratégia de Qualidade, Relações Institucionais e Comunicação). Em todo caso, são órgãos universitários responsáveis por coordenar, propor, acompanhar e avaliar o cumprimento da legislação, planos e medidas voltados à promoção da igualdade efetiva entre mulheres e homens em todos os âmbitos da vida universitária. Embora nem todas as universidades espanholas tenham um “Plano de Igualdade”, suas “Unidades de Igualdade” assumem várias tarefas: estudo e análise da situação da mulher no contexto universitário, formação, geração de atividades de difusão e conscientização, geração e manutenção de base de dados e documentos relativos à mulher, encontros, guias de boas práticas etc. Apesar desses avanços legais e esforços empreendidos na política e prática universitárias, ainda se mantém a tendência assinalada nos estudos sobre a equidade de gênero no sistema universitário espanhol, na década de 1990, que enfocavam a participação das mulheres nos níveis de graduação e doutorado, bem como nos vários escalões da carreira acadêmica (García de Cortázar e García de León, 1997). Esses estudos salientavam que o crescente acesso das mulheres à formação universitária, desde o período democrático, não havia possibilitado a superação das diferenças por ramos do conhecimento (persistindo a concentração masculina nas engenharias e tecnologia), nem o acesso aos níveis superiores de formação (doutorado), preâmbulo da carreira docente e de pesquisa. Comprovavam que a maior presença de mulheres no corpo docente universitário se expressava numa maior inserção em disciplinas consideradas mais femininas (das humanidades, ciências sociais e jurídicas) e em escalões acadêmicos inferiores. Estudos mais recentes continuam apontando diferenças notáveis no acesso de homens e mulheres aos postos de maior salário e reconhecimento profissional, assim como lentidão na inclusão de mulheres na carreira docente e de pesquisa, apesar do crescimento das cifras de graduadas e doutoradas (García de León e García de Cortázar, 2001; Mauleón e Bordons, 2006), um fenômeno denominado “cano que vaza” (leaky pipeline, De Pablo, 2006). Estatísticas do ano letivo 2009-2010 do Instituto da Mulher do Ministério da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade confirmam que 53,3% dos estudantes matriculados nas universidades espanholas são mulheres. Por áreas, elas estão assim distribuídas: 72,4% em Ciências da Saúde, 61,32% nas Humanidades, 62,05% nas Ciências Sociais e Jurídicas, 56,71% nas Ciências Experimentais e 26,76% nas Engenharias e carreiras tecnológicas. Globalmente, as mulheres representam 60,53 % do total de graduados nesse ano letivo e 51,85% das matrículas nos cursos de doutorado, porém 47,52% das teses aprovadas em 2010 (Instituto de la Mujer, 2012:web). A desigualdade que elas experimentam para ter acesso e promoção nos âmbitos acadêmicos e científicos, bem como obter cargos de relevância social, se expressa, por exemplo, nos 16,45% de mulheres catedráticas e 38,14% de mulheres titulares no corpo docente da Universidade de Barcelona.[4]
Inclusão, equidade e estudos de gênero
Os estudos de gênero surgem no final da década de 1960 e princípios da década de 1970 nos Estados Unidos e Europa (Bosch et al., 2006), vinculados ao feminismo acadêmico. Em diferentes campos do conhecimento, as feministas desenvolveram estudos e pesquisas críticos do sexismo e do androcentrismo, que serviram, entre outras coisas, para fundamentar as medidas de igualdade que vêm sendo adotadas nos âmbitos público e privado nos últimos anos (Ventura Franch, 2008). Como fenômeno paralelo na União Europeia e Espanha, e posteriormente em países latinoamericanos e concretamente no Brasil, os processos políticos e legislativos focados na igualdade se fundamentam no princípio da não-discriminação por razão de sexo. Assim, o pensamento feminista influenciou o desenvolvimento de políticas através do exercício da visibilização das diferenças. Na Espanha e no Brasil os estudos de gênero vêm se desenvolvendo e acumulando conhecimentos que nem sempre são reconhecidos. Parte desse conhecimento consiste em informação estatística sobre a participação de mulheres em um âmbito concreto. A esse respeito é importante assinalar duas coisas: a primeira é que o acesso a dados estatísticos desagregados por sexo é uma conquista recente e não totalmente alcançada em muitos países, nem em universidades brasileiras (Carvalho e Rabay, 2011); a segunda é que estudar gênero não significa tratar de mulheres apenas. O termo gênero se refere ao modo em que as relações entre os sexos se reproduzem, institucionalizam e produzem discriminações, portanto, analisa as relações de poder, subordinação e discriminação, sem limitar-se a assinalar a posição ocupada pela mulher. No campo da produção do conhecimento científico a presença da mulher é minoritária em todo o mundo. Nesse sentido, a crítica feminista denunciou que os critérios de validação do conhecimento científico se baseiam em noções androcêntricas (ocidentais) de objetividade, neutralidade, racionalidade e na dicotomia sujeito-objeto, tomadas como normas universais; e que a formação, as práticas e as instituições científicas são gendradas (Humm, 1989; Schiebinger, 2001). A epistemologia feminista reconhece o lugar da emoção, subjetividade e corpo no conhecimento, concebido como práxis, conscientização e empoderamento individual e coletivo (Humm, 1989; Denzin e Lincoln, 2006). No Brasil, a SPM havia lançado, em 2005, o Programa Mulher e Ciência, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Ministério da Educação (MEC) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), com três estratégias de intervenção: financiamento de projetos de pesquisa na área de gênero, mulheres e feminismos, via edital específico do CNPq; instituição do Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, um concurso de redações ou artigos científicos sobre as questões de gênero, para estudantes de ensino médio, graduação e pós-graduação; e realização de Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa (Brasil, 2008). Foram realizados dois desses encontros, em 2006 e 2009, denominados Pensando Gênero e Ciências. O tema do segundo encontro foi a institucionalização dos estudos feministas, de gênero e mulheres nos sistemas de Educação, Ciência e Tecnologia no país, em consonância com o II PNPM, sendo veiculadas várias recomendações, dentre as quais: formação e capacitação via formulação de Diretrizes Curriculares para os ensinos fundamental, médio e superior; oferta regular de disciplinas nos currículos de graduação (bacharelado e licenciatura); educação continuada (presencial e a distância); além do apoio institucional a grupos e núcleos de estudo dedicados a essas temáticas (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010:155). Em várias instituições brasileiras (vinculadas a universidades ou independentes, como é o caso da Fundação Carlos Chagas) vêm se trabalhando as questões de gênero interdisciplinarmente. Os núcleos de estudos de gênero pioneiros, nas universidades, foram criados na década de 1980[5]. As associações de pesquisa e pós-graduação no campo das ciências sociais e humanas têm grupos de trabalho com esse interesse específico[6]. Destaca-se a criação, em 1992, da Revista Estudos Feministas (por um grupo de acadêmicas feministas de universidades do Sudeste/Sul, com apoio da Fundação Carlos Chagas e da Fundação Ford), hoje sediada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a qual realiza o Congresso Internacional Fazendo Gênero, que teve a 9ª edição em 2010. Mais recentemente, cabe destacar também as iniciativas pioneiras de institucionalização dos estudos feministas, de gênero e mulheres na educação superior. O Departamento de História da Universidade de Brasília desenvolveu o curso de pós-graduação em Estudos Feministas, doutorado e mestrado, de 2002 a 2006, formando inúmeras mestras e doutoras na área. O Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de vir ofertando cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) e de extensão para professoras/es da rede escolar pública, criou disciplinas optativas específicas na graduação em vários departamentos (Ciência Política, Antropologia, Sociologia, História, Letras e Enfermagem). Em 2005, o NEIM criou o programa de Mestrado e Doutorado em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo; e, em 2008, o Curso de Bacharelado em Gênero e Diversidade, além de uma área de concentração de Estudos de Gênero nos Bacharelados Interdisciplinares de Humanidades (Costa, Sardemberg e Vanin, 2010). Na Espanha, nos últimos anos, os estudos de gênero adquiriram grande relevância por fundamentarem tanto as mudanças sociais ocorridas quanto a regulamentação jurídica, através das políticas de igualdade e da inclusão das mulheres no mundo acadêmico. Assim, as leis relativas à igualdade de mulheres e homens, tanto das comunidades autônomas, quanto as estatais, incluem referências a esses estudos e a legislação da educação superior os vincula às políticas curriculares (Ventura Franch, 2008). Os objetivos oficiais de inclusão da perspectiva de gênero na educação superior são promover uma mudança ética nas instituições para que estas incorporem o respeito à diversidade e a busca da equidade, particularmente de gênero. Tem se generalizado o desenvolvimento de centros e equipes de pesquisa, destacando-se os de tendência interdisciplinar[7], que desconstroem o saber acadêmico tradicional, androcêntrico e positivista, e oferecem novas perspectivas, possibilitando transitar, via questionamento epistemológico, da sexuação do saber à aplicação da perspectiva de gênero a todos os objetos de conhecimento, como afirma Pilar Ballarín (2005). Cabe registrar o surgimento, em várias partes do mundo, em diferentes momentos, de questionamentos ao conceito de igualdade como feminismo hegemônico, imposto como única agenda política válida para a construção da equidade de gênero. Sem deixar de reconhecer as possibilidades emancipatórias que o discurso feminista abriu para muitas mulheres, Chandra Mohanty (2008), entre outras, rejeita as conceituações homogêneas dos direitos das mulheres como localismos globalizados. Assim, reconhecem-se os êxitos das políticas de igualdade ao mesmo tempo em que se apontam seus perigos de universalidade, considerando que sua concretização legislativa constitui um caso de discurso performativo que produz o que regula, como afirmam Montané e Sánchez de Serdio (2010): a retórica dos textos normativos produz os sujeitos que enuncia, manipulando sua autoimagem e identidade; portanto, cria um conceito de mulher e de gênero homegeneizado que não contempla as diferenças ou as minorias. Nesse contexto, se impõe a análise do conceito de justiça que embasa as leis de igualdade e os estudos de gênero, especialmente os considerados pós-estruturalistas. O desafio das políticas pertinentes: justiça, equidade e estudos de gênero Os efeitos da desigualdade e iniquidade de gênero na educação superior são múltiplos e complexos, decorrentes de fatores estruturais e conjunturais. Os casos aqui apresentados (Brasil e Espanha) são dificilmente comparáveis; todavia, podem ser pensados a partir do conceito de pertinência, introduzido pela Unesco nas Conferências Mundiais sobre a Educação Superior, realizadas em 1995, 1998 e 2009. No glossário das políticas de educação superior e de ciência e tecnologia se encontra a afirmação de que a pertinência da educação superior deve ser avaliada em função da adequação entre o que a sociedade espera das instituições e o que estas realizam.De acordo com Montané, Nairdof e Teodoro (2012), a justiça social constitui uma dimensão essencial da pertinência da educação superior. Conforme apontam as autoras e autor, o conceito de justiça social é desenvolvido por três correntes de pensamento: · A justiça distributiva (ou redistributiva), corrente nascida em fins do século XX, cujos principais representantes são John Rawls e Ronald Dworkin, oferece complexas teorias erigidas, simplificadamente, sobre três princípios: igual liberdade (liberdades fundamentais), igualdade equitativa de oportunidades (possibilidade igual de acesso, independentemente da origem social), e diferença (referida à estrutura social) (Rawls, 1971). · A justiça social de Amartya Sen (1992, 2000) difere da corrente anterior ao afirmar que é imprescindível contemplar as capacidades, a ação (agency) e empoderamento dos sujeitos, introduzindo uma consciência ética na economia e um novo conceito de desenvolvimento humano baseado na liberdade. Nesta perspectiva, a injustiça provém da impossibilidade de desenvolver e realizar as próprias capacidades básicas, ou seja, a ação e o empoderamento. · A justiça do reconhecimento das diferenças enraizadas em padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, tais como a dominação cultural, as diferenças étnicas, raciais, de gênero, de orientação sexual, os grupos estigmatizados, em geral. Marion Young (2000) insiste que uma política de redistribuição que não contemple as diferenças pode reforçar a injustiça, outorgando maior poder aos grupos dominantes e incorrendo em diferentes tipos de injustiças. Nesse contexto, como afirma Molyneux (2010:183), a justiça de gênero pode compreender diversas concepções de justiça, em um arco que vai da simples igualdade à igualdade diferenciada, no sentido de respeito à diferença, lembrando-se que o feminismo desenvolveu suas próprias teorias da igualdade e da diferença. Podemos considerar que as políticas de gênero desenvolvidas no Brasil e Espanha correspondem, de modo geral, à conceituação de justiça distributiva ao assegurarem igual acesso à educação (no caso, à educação superior) para homens e mulheres, eventualmente através de cotas e ações afirmativas. A feminização da educação superior, em muitos discursos, representa o êxito dessas políticas. No desenvolvimento das políticas de igualdade vão aparecendo menções à justiça do reconhecimento, baseadas no respeito às diferenças, na transversalidade e na inclusão dos estudos de gênero, básicos para o desenvolvimento do empoderamento, na perspectiva da justiça social. Contudo, o reconhecimento é o aspecto que se apresenta mais timidamente (e debilitado) no exercício político, uma vez que sua característica qualitativa é incompatível, muitas vezes, com a pretensão de universalidade do discurso legal. Por outro lado, Nancy Fraser (2008) argumenta que, tradicionalmente, as demandas por justiça se centraram nos conceitos mencionados: o econômico reclamando a redistribuição de recursos, e o cultural exigindo reconhecimento. Em todo caso, o debate se desenvolvia em torno da ideia de qual é o objeto da justiça, omitindo-se as perguntas acerca de quem são os destinatários e quem deve ser responsável pela execução da justiça. Ao considerar essas perguntas, as ciências sociais devem abrir mão de conceitos que possuem grande carga teórica e de valor, revalorizando a dimensão política da justiça, através da representação: [...] o que converte todo um conjunto de concidadãos em sujeitos da justiça não é a cidadania compartilhada ou a nacionalidade, tampouco a posse comum de uma personalidade abstrata, ou o puro fato da interdependência causal, é sua sujeição conjunta a uma estrutura de governação, que estabelece as normas básicas que regem sua interação (Fraser, 2008:126-127, tradução das autoras). Sabemos que as políticas universalistas (de igualdade de acesso e condições) não são suficientes para provocar e consolidar mudanças culturais e comportamentais, e que uma inclusão meramente quantitativa não altera qualitativamente as relações de gênero nas IES. Aqui é interessante considerar que o tipo de dispositivo legal (lei geral contra a discriminação ou lei setorial específica sobre educação) pode acarretar diferenças na aplicação do principio de igualdade e equidade de gênero. Walby (2005) aponta, por exemplo, que é mais eficaz intervir nas questões de igualdade/equidade de sexo/gênero no âmbito da educação mediante leis educacionais do que via legislação geral contra a discriminação. Também sabemos que reverter o “hiato de gênero” implica equilibrar a participação de mulheres e homens em todos os cursos superiores e áreas do conhecimento, como estudantes e docentes, e transformar as representações e as práticas masculinas e femininas do conhecimento e do trabalho acadêmico, incluindo mais mulheres na pesquisa e na gestão das IES e do sistema de ciência e tecnologia. Implica, sobretudo, transformar as culturas acadêmicas de diferentes departamentos, cursos, disciplinas e áreas do conhecimento, para erradicar obstáculos e formas de discriminação, desvalorização e exclusão sutis, baseados em sinais de gênero. Segundo Cooper e Eddy et al. (2010), no século XXI ainda não se tem uma academia amistosa para as mulheres (woman-friendly) e persiste o clima frio (chilly climate), sobretudo nos campos do conhecimento dominados por homens. Atualmente, tanto na Espanha como no Brasil, a proporção de mulheres docentes nas IES vai se reduzindo à medida que se eleva o nível hierárquico. Embora isso possa ser explicado, em parte, pelo fato de que o acesso massivo das mulheres à educação superior e a possibilidade de escolherem uma carreira são fenômenos recentes, esse “teto de cristal” (glass ceiling) é, em parte, consequência da cultura masculina predominante no mundo acadêmico. Todavia, o fenômeno do teto de cristal é motivo de preocupação em poucos países, e são ainda mais reduzidos os países que implementam ações políticas concretas para abordar a segregação vertical. Ao considerar a situação do Brasil e da Espanha, observamos fenômenos paralelos (feminização da educação, êxito educacional das mulheres, discriminação salarial e segregação horizontal e vertical no mercado de trabalho), e diferenças no desenvolvimento da legislação e das políticas de igualdade, formalmente mais desenvolvidas na Espanha, constatando que em ambos os casos se convive com diferentes formas de iniquidade. No Brasil, a desigualdade de gênero convive com a pobreza e as diferenças étnicas. Na Espanha, existe certa impossibilidade de promoção profissional da mulher em igualdade de condicões. A pertinência da educação superior e de suas políticas focalizadas na justiça de gênero, baseadas no binômio justiça redistributiva/justiça do reconhecimento, e associadas a sua missão de contribuição social e desenvolvimento das capacidades humanas, requer análises mais aprofundadas e contextualizadas, que este texto pretendeu apenas sugerir. As políticas de igualdade se assentam basicamente no sentido distributivo da justiça de gênero, através de processos paritários ou do estabelecimento de cotas, porém as análises e as iniciativas de ordem apenas quantitativa podem invisibilizar outras desigualdades provocadas pelo sexismo e androcentrismo do sistema educativo. As práticas e os efeitos da discriminação vão se tornando tanto mais sutis quanto mais avançam as políticas de igualdade e a paridade. Assim, a efetiva equidade de gênero na educação superior requer justiça do reconhecimento para a transformação das relações na vida institucional, na docência, na pesquisa e na gestão, a fim de difundir uma nova cultura. Nesta perspectiva trabalham os núcleos e grupos interdisciplinares de estudos de gênero, que ainda gozam de insuficiente reconhecimento no âmbito acadêmico. Considerando que as políticas de redistribução não são suficientes para garantir às mulheres possibilidades de desenvolver todas as suas capacidades, esses grupos militam em duas direções: aprofundamento do conhecimento acerca dos aspectos mais qualitativos da equidade de gênero nas relações institucionais, cotidianas; e empoderamento das mulheres tanto no contexto das IES quanto fora dele. Referências Abercrombie, N., Hill, S. e Turner, B. 1994. Dictionary of Sociology. Londres: Penguin Books. Balarín, P. Mujeres en el laberinto de cristal universitario. 2005. In: de Torres, I. (Coord.). 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Coordenadora da equipe da UB integrante do projeto Rede RIAIPE3, Programa Marco Interuniversitário para a Equidade e Coesão Social na Educação Superior, www.riaipe-alfa.eu, financiado pela Comissão Europeia através do Programa Alfa, Refª DCI-ALA/19.09.01/10/21526/245-580/ALFA III(2010)84. smontane@ub.edu Maria Eulina Pessoa de Carvalho: PhD em Currículo, Ensino e Política Educacional pela Michigan State University, USA. Professora e pesquisadora do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Brasil. Membro do NIPAM – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e Gênero, da UFPB. Maria Eulina P. de Carvalho [1] Este texto se origina da participação das autoras na Rede RIAIPE3, Programa Marco Interuniversitário para a Equidade e a Coesão Social na Educação Superior, www.riaipe-alfa.eu, financiado pela Comissão Europeia através do Programa Alfa, Refª DCI-AA/19.09.01/10/21526/245-580/ALFA III(2010)84. Baseia-se em artigo escrito originalmente em espanhol, para um número especial da Revista Lusófona de Educação sobre a produção da Rede RIAIPE3 (Montané e Carvalho, no prelo). A contribuição da primeira autora se insere também no projeto Reações de gênero na universidade: carreiras docentes e perspectivas profissionais discentes, financiado pelo CNPq (Processo 401013/2010-3). [2] Aqui, assim como no PNE antes citado, toma-se gênero por sinônimo de sexo, ignorando-se as implicações da distinção entre sexo (direitos individuais das mulheres) e gênero (reconhecimento das diferenças e crítica cultural ao androcentrismo). [3] No âmbito das Cortes Generais, a Lei Orgânica 1 de 28/12/2004, de Medidas de Proteção Integral contra a Violência de Gênero (LOMPIVG); a Lei Orgânica 3 de 22/3/2007, para a igualdade efetiva de mulheres e homens (LOI); a Lei Orgânica 4 de 12/4/2007, que modifica a Lei Orgânica 6 de 21/12/2001, das Universidades (LOM-LOU); e o Decreto Real 1393 de 29/10/2007, que estabelece a ordenação do ensino universitário oficial. [4] Na universidade espanhola, professor/a titular/a é aquele/a que ingressa por concurso público, com doutorado, certificação da Agência Nacional de Avaliação da Qualidade e Certificação (Aneca), e demonstra relevante trajetória cientifica e docente. Professor/a catedrático/a é o cargo mais elevado de pesquisa e docência, alcançado após muitos anos como professor/a titular e pesquisador/a, avaliação positiva da Aneca para promoção e reconhecimento da comunidade acadêmica. [5] Núcleo Acadêmico de Estudos sobre a Mulher - NEM/PUC-Rio, em 1980, por Fanny Tabak; Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM/UFBA, em 1983, por Cecilia Maria Bacellar Sardenberg e Ana Alice Alcântara Costa, entre outras; e Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero - NEMGE/USP, em 1985, por Eva Blay. [6] Demografia (Abep: GT População e Gênero), Ciências Sociais (Anpocs: sem GT fixo), História (Anpuh: GT Estudos de Gênero), Letras e Linguística (Anpoll: GT A Mulher na Literatura) e Educação (Anped: GT Gênero, Sexualidade e Educação). [7] Aula Interdisciplinar Isabel Torres de Estudios de las Mujeres y del Género, Universidad de Cantabria; Cátedra de Estudios de Género, Universidad de Valladolid; Centre d´Estudis sobre la Dona, Universidad de Alicante; Centro de Estudios de la Mujer, Universidad de la Laguna; Centro de Estudios de la Mujer,Universidad de Salamanca; Ceid. Centro de Estudios Interdisciplinario de la Mujer, Universidad de Vic; Cifem. Centro de Investigaciones Feministas, Universidad de Oviedo; Institut Universitari d'Estudis de la Dona, Universitat de València; Instituto de Investigaciones Feministas,Universidad Complutense de Madrid; Instituto Universitario de Estudios de la Mujer, Universidad Autónoma de Madrid; Instituto Universitario de Estudios de la Mujer, Universidad de Granada; Seminarid'Investigació Feminista, Universitat Jaume I; Sied. Seminari Interdisciplinar d´Estudios de la Dona, Universidad de Lleida; Sieg. Seminario Interdisciplinar de Estudios de Género, Universidad Miguel Hernández de Elche; Siem. Seminario Interdisciplinar de Estudios de la Mujer,Universidad de Zaragoza; Seminario de Estudios de la Mujer, Universidad de Huelva; Seminario Interdisciplinar de Estudios de Género, Universidad de Murcia; Seminario Interdisciplinar de Estudios sobre la Mujer, Universidad de Jaén; Duoda. Centre de Recerca de Dones, Universitat de Barcelona; IIEDG. Instituto Interuniversitario de Estudios de Mujeres y Género, Generalitat de Catalunya. labrys,
études féministes/ estudos feministas |