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janvier / juin 2013  -janeiro / junho 2013

  50 anos de feminismo no Brasil: reflexões sobre uma história  pessoal e coletiva

Eva Blay

 

Resumo

A análise do movimento feminista nos últimos 50 anos revela uma simbiose entre o ativismo feminista, o conhecimento acadêmico e a participação política. A atuação das mulheres  nos “tempos da ditadura” foi decisivo para a construção dos “tempos democráticos”. O feminismo foi fundamental para as propostas aprovadas na  Constituição de 1988  referência para uma nova cultura política  responsável pela inclusão das mulheres nos mais altos cargos da República.

                                  

Palabras chave: feminismo, participação política, cultura feminista, poder, movimentos sociais..

                       

Da academia à prática política

Por volta de 1965 um grupo de jovens estudantes me solicitou que fizesse uma palestra para seu grupo. Souberam, não sei como, que eu fazia uma pesquisa sobre a condição feminina na Universidade de São Paulo. Eu era a única a me dedicar ao tema na época. Mais tarde, por volta de 1967, em plena ditadura militar, mulheres do Sindicato dos Metalúrgicos me pediram para falar sobre condição da mulher trabalhadora. Com muito medo fui encontra-las numa pequena sala no centro da cidade de São Paulo.  Era minha obrigação, como docente e pesquisadora, devolver à sociedade, especialmente às mulheres, o saber que estava adquirindo. A partir de então, até hoje, nunca mais interrompi uma trajetória que combina indelevelmente militância feminista, saber acadêmico e participação política.

 

Tempos de ditadura

De 1964 a 1979 o Brasil viveu um período ditatorial. Nossos vizinhos, Argentina, Chile, Paraguai, Bolívia, também tiveram suas ditaduras sangrentas que extinguiram a liberdade partidária, intervieram nos sindicatos, censuraram os jornais. Em resposta formaram-se vários tipos de resistência: grupos políticos armados, centros de oposição nas Universidades e movimentos de mulheres.  Nas universidades resistir significava manter, sob pena de demissão ou prisão, as orientações bibliográficas e conteúdos dos cursos e pesquisas tidos como “subversivos”, isto é, pesquisas sobre população, economia e movimentos populares.  Concomitantemente, na universidade se analisavam as ações  do movimento de mulheres. As pesquisas mostravam a realidade: a enorme elevação do custo de vida, a alta mortalidade infantil, a ausência de serviços de saúde. Havia uma simbiose entre os dados produzidos pela academia e as campanhas das mulheres. Estas saíam às ruas para clamar “contra a carestia”, o custo de vida; pedir a instalação de creches e de postos de saúde. Lentamente se iniciava uma discussão sobre sexualidade, tema tabu até os anos 1980.

O movimento de mulheres tinha a adesão da parcela progressista da Igreja Católica desde que não abordasse o tema da sexualidade o qual levaria à discussão do planejamento familiar e, em consequência, ao aborto – questões diabolizadas pela Igreja até hoje. Para nós, feministas atuantes, impossível evitar estes problemas que afligiam as mulheres da periferia das cidades. Como ignorar se, no início de qualquer evento, as mulheres perguntavam: “dona, como a gente faz para evitar?” (esse evitar era evidentemente “não engravidar”).

 O aborto era e é proibido na maioria dos países da América Latina impondo um procedimento ilegal e inseguro. Claro que o problema atinge apenas as camadas mais pobres da população, já que as com maior poder aquisitivo dispunham (e dispõem) de serviços médicos e hospitalares adequados e seguros. Até hoje vigoram a proibição ao aborto e à interrupção das gestações de fetos anencefálicos - neste caso, embora aprovada por lei em 2012, sua execução encontra obstáculos pois alguns profissionais alegam questões de consciência para não realizar o procedimento.

Os movimentos de mulheres, aos quais se associaram as feministas, apesar de ilegais e perseguidos, foram tão insistentes que provocaram respostas dos governos locais (prefeituras). Os instrumentos legais como sindicatos, jornais, partidos políticos, proibidos de atuar, foram substituídos pela atuação das mulheres cuja força ficou evidenciada.

No fim da década de 1970 foi marcante e bem sucedida a luta pela Anistia aos presos e deportados políticos. Altamente politizado, o Movimento Feminino pela Anistia, liderado por Therezinha Zerbini, levou ao um Movimento Nacional pela Anistia, consagrado em 1979.

Considero que este foi o marco do retorno da Democracia no Brasil.

Tempos democráticos

Ana Alice Costa (2005) mostra como a gênese do movimento feminista dos anos 70-80 se dá na luta contra o autoritarismo, num cenário de modernização econômica e cultural, elevação do número de mulheres na força de trabalho, no nível educacional e fortemente marcado pelo movimento feminista internacional.  Destaca como, apesar de ligado aos movimentos de oposição ao regime militar, o movimento feminista mantém objetivos específicos o que significa uma ruptura com os partidos progressistas que ignoravam as demandas das mulheres e eram regidos pela antiga orientação machista. Foi um enorme passo ideológico!

Com a redemocratização o movimento feminista deparou-se com o dilema de participar ou não da restauração da estrutura do Estado. Proveniente de uma luta antigovernamental, a decisão de integrar ou não o novo governo democrático cindiu o movimento feminista a partir de diferenças partidárias. Em 1982 se elegeram novos governos estaduais com votação democrática e popular. Retomou-se a democracia.

 

Os Conselhos da Condição feminina

O novo governo democrático cumpriu compromissos eleitorais e incluiu as propostas feministas no plano de governo. Criou-se em 1983, em São Paulo, o Conselho da Condição Feminina, modelo que se reproduziu a nível nacional, estadual, e municipal – nessa ordem. Institucionalmente estes Conselhos eram e são híbridos, levam para os governos as demandas dos movimentos sociais. Os resultados variam dependendo da posição democrática dos respectivos governos que os ouve, acata ou não. Os Conselhos não têm poder. De qualquer modo foram eles que conseguiram mudar vários conceitos sobre a relação homem e mulher e trazer para dentro do Estado a questão da discriminação de gênero.

Fui eleita a primeira Presidenta deste primeiro Conselho, com mandato de 1983-1985. O papel articulador dos Conselhos trazia a voz das mulheres para dentro das reuniões das Secretarias de Estado falando diretamente com o governador. Inúmeras dificuldades tiveram de ser sanadas sobretudo a questão orçamentaria. As Secretarias de estado tinham sobre o Conselho duas enormes distâncias: recursos financeiros e apoio político dos respectivos partidos cujos secretarios as representava. Uma demanda de um Secretario trazia atrás de si os votos dos deputados dos respectivos partidos. Naquela época não tínhamos consciência do poder dessa retaguarda.

A inexperiência das mulheres, depois da longa ditadura, foi sendo suplantada ao longo das décadas seguintes. (Uma análise destes Conselhos da Condição Feminina demandaria um trabalho por si só). Destaque-se que, a partir de então, os governos incorporaram as reivindicações feministas - creches, saúde integral da mulher, planejamento familiar, orientação sexual, igualdade de gênero nos livros escolares. Mudou-se o patamar: não era  mais necessário discutir se havia ou não necessidade dessas instituições, a questão passou a ser  ampliar a oferta delas e aperfeiçoa-las.

 

Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)

Em 1985 foi implantado um novo modelo de política pública com a Delegacia de Polícia voltada exclusivamente para as mulheres. Foi um marco no sistema policial. À semelhança das Delegacias Especializadas, o então Secretario de Segurança Michel Temer propôs ao governador Montoro a criação de uma delegacia especializada para coibir a violência contra as mulheres. O Governador, com seu espirito democrático, me chamou e juntamente com o Secretario de Segurança avaliamos o enorme benefício que uma Delegacia de Defesa da mulher traria para o Estado de São Paulo. O modelo foi reproduzido em vários países da América Latina e representou o reconhecimento do terrível problema apontado pelas feministas: a violência contra a mulher.

A implantação das DDM foi passo decisivo no reconhecimento de que os direitos das mulheres são parte dos Direitos Humanos.

 

Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)

A efervescência dos movimentos feministas levou à criação, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres. Sua Presidenta, Jacqueline Pitangui, considera que o CNDM foi a primeira experiência de políticas públicas para o avanço da Condição feminina em âmbito federal. Esta afirmação é fundamental para se entender o processo que levou à criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), com status de Ministério, voltado para a condição feminina, implantado em 2009.

A SPM representa a implantação de uma política nacional para superar as desigualdades e a subordinação da mulher no trabalho, na vida familiar, na educação.

 

A Constituição de 1988

No processo de redemocratização uma nova Constituição foi proposta. Constitui-se uma Assembleia Nacional Constituinte e as mulheres se articularam de forma suprapartidária para apresentar propostas apoiadas pela totalidade das deputadas eleitas (26) e foram na maior parte acatadas.

Gilda Cabral, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), em entrevista a Agencia Nacional em oito de março de 2008 relembra que o movimento feminista no Brasil tomou como lema de campanha “Constituinte pra valer tem que ter direito da mulher”. Era a concretização da proposta feminista seminal de que o “pessoal é político”. “Como disse Ana Alice Costa (2005), afirmar que o “pessoal é político” rompe com os “limites do conceito de política, até então identificado pela teoria política com o âmbito da esfera pública e das relações sociais que aí acontecem.”. “ Ao afirmar que “o pessoal é político”, o feminismo trás para o espaço da discussão política as questões até então vistas e tratadas como específicas do privado, quebrando a dicotomia público-privado base de todo o pensamento liberal sobre as especificidades da política e do poder político. “O movimento resignificou o poder político e a forma de entender a política ao colocar novos espaços no privado e no doméstico”.

Fazer aprovar 80% das propostas feministas ensinou as mulheres a “fazer política”. Depois de terem percorrido todos os estados brasileiros discutindo as propostas, o CNDM passou a procurar diariamente os parlamentares. Um resumo das propostas foi redigida numa “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes” transcritas abaixo:

- o reconhecimento da família para os fins de proteção do Estado, independentemente do casamento;

- a não limitação de dissoluções do vínculo conjugal;

-a criação de mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações de família;

-a não imposição de quaisquer medidas coercitivas por parte do Estado ou entidades privadas no que toca à procriação, assegurando às mulheres e aos homens o direito de decidir quanto ao número de filhos que desejam ter;

-plena igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges;

- o reconhecimento da família constituída pela união de fato.

A Carta rejeitava todas as emendas que trouxessem  em seu enunciado a expressão “direito à vida desde a concepção”, linguagem que  penaliza o aborto, inclusive nas duas hipóteses em que é admitido pelo Código Penal em vigor: estupro e risco de vida da gestante.

-licença maternidade de 120 dias,

-licença paternidade de 08 dias,

-direito à creche para crianças de zero a 06 anos,

-direito à posse da terra ao homem e a mulher,

 -igualdade de direitos e de salários entre homens e mulheres,

-igualdade na sociedade conjugal,

-reconhecimento da união estável como entidade familiar,

-direitos trabalhistas e previdenciários à empregada doméstica,

-direitos sexuais e reprodutivos,

-garantia de mecanismos que coíbam a violência doméstica,

-garantia de mecanismos que coíbam a discriminação étnica/racial.

 

Parte dos homens da Assembleia Constituinte apoiou as propostas das feministas.

Introduziu-se assim um novo parâmetro na relação entre o Estado e a vida privada.

Como mostrou Celi Pinto os movimentos sociais tem uma forma específica de ação política que não passa pela representação. ”Trata-se de uma “pressão organizada” e vai além da participação partidária totalmente ineficiente“. A presença constante das feministas no cenário da Constituinte e a consequente ‘conversão’ da bancada feminina apontam para formas de participação distintas da exercida pelo voto, formas estas que não podem ser ignoradas e que talvez constituam a forma mais acessível de participação política das feministas. Este tipo de ação política, própria dos movimentos sociais, não passa pela representação. Constitui-se em pressão organizada, tem tido retornos significativos em momentos de mobilização e pode ser entendida como uma resposta à falência do sistema partidário como espaço de participação (Pinto. Celi.1994:265).

A Constituição foi aprovada em 1988 e incorporou parte das propostas. Ao longo dos 20 anos seguintes elas foram sendo regulamentadas. Nem todas, porém. O debate continua e outros lobbies de oposição se formaram e são extremamente ativos.

Analisando o conjunto das propostas há uma agenda a ser cumprida, uma diretriz para as décadas seguintes. Até os dias de hoje ainda se luta para implantá-las. Os processos sociais não são unilineares e ascendentes; são cíclicos, há avanços e retrocessos. As transformações não são definitivas, precisam ser realimentadas.

 

Universidade e participação política

Ao longo destes anos (décadas!) fiquei envolvida, concomitantemente à ação político-feminista com a docência em cursos de graduação e pós-graduação na Universidade de São Paulo. Fiz pesquisas sobre o trabalho feminino na indústria, habitação operária, coletei historias de vida de mulheres operárias, levantei a historia da imigração judaica para o Brasil, publiquei um livro sobre violência contra a mulher: “Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos” (2008) .

Participei, apenas formalmente, de um partido político e fui fundadora de um novo, PSDB, após a Constituinte. Trabalhei na ONU como Interregional Adviser for Development of Women, na sede de Viena e finalmente voltei ao Brasil para ocupar um cargo no Senado onde fiquei entre o fim de 1992 e inicio de 1995.

Como a maioria das mulheres minha experiência era nula do ponto de vista da dinâmica política no Congresso. Teve de ser um rápido aprendizado sobre o funcionamento do Senado. Iniciar a carreira no segmento mais alto da República, o que faltou em experiência no confronto entre grupos de interesse foi compensado pela militância feminista e prática acadêmica. Sabia exatamente o que deveria fazer naquela casa para onde fui guiada pelas feministas. A tarefa a ser cumprida era clara: desconstruir a legislação conservadora base das desigualdades de gênero. Propor alternativas igualitárias.

Para minha posse vieram espontaneamente mulheres de várias partes do país (Avelar, L.M. 2000). Todas se sentiam tomando posse daquela cadeira o que me deu sensação de enorme respaldo.

Como primeira tarefa procurei estabelecer contato, por correspondência, com todos os grupos conhecidos de mulheres organizadas, feministas ou não, de forma supra-partidária. A resposta foi imediata e constante. Antes de apresentar um projeto fazia ampla consulta aos grupos – mantendo a prática feminista. Todos os projetos e pronunciamentos tinham o conhecimento e aval da maioria das brasileiras consultadas, era modificado, até acertar um consenso.

No Senado há um hábito de que novos/as parlamentares façam seu discurso de posse. Escrevi meu pronunciamento apresentando um diagnóstico da situação da mulher pontuando condições de vida e morte das brasileiras.  Discurso sobre problemas nossos velhos conhecidos e usando toda a bagagem intelectual que trouxera. (Embora no Parlamento haja uma equipe para preparar os discursos dos parlamentares, fui logo informada que tudo o que dispunham na biblioteca eram artigos e livros que eu mesma escrevera!)

O diagnostico foi um bom começo para afirmar a que vinha e quem eu representava naquela instituição. Causou surpresa me apresentar como feminista, termo desprezado e jocoso na América Latina até hoje. Insisti na definição enfatizando situações nunca mencionadas naquele ambiente como estupro, aborto, violência, incesto...

O Senado é composto por 81 senadores, cada estado da federação elege três representantes. No momento éramos apenas três mulheres (atualmente são 13).

O discurso de posse marcou meu lugar naquele ambiente masculino. Fui acolhida com certo prestigio, mas não entrei para o “clube do bolinha”. Atenciosos, se portavam como cavalheiros, levantavam-se quando eu chegava; logo percebi que  a conversa mudava quando me aproximava. Isolamento de gênero se inicia nas bases partidárias e se prolonga na maioria dos postos. O pequeno número de mulheres nos cargos eletivos se explica parcialmente por esse isolamento que leva ao desconhecimento dos mecanismos de entrada na política partidária. Isso não exclui, como vimos, outra forma de participação política: pelos caminhos da pressão e organização da sociedade civil.

Observei no Senado total ausência das questões ligadas à mulher brasileira. Nada se discutia levando em conta a metade feminina da população. Temas como orçamento, criação de universidades, divisão territorial eram tratados genericamente.

A elegância dos Senadores impediu que eles me considerassem agente perturbadora da ordem. Assim foi possível tratar de temas tão importantes para as mulheres. Discutir as desigualdades de gênero e propor “caminhos para a Igualdade” se concretizou baseado em dados estatísticos. “Aos índices de Mortalidade Materna levei nossas propostas de um Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher”; à questão da violência, critiquei a falta de dados que considerassem, nas estatísticas oficiais, a mulher violentada; propus a ampliação e aperfeiçoamento das delegacias de defesa da mulher. Retomei as questões do Código Civil que se encontravam em tramitação e deveriam ser aprovadas. Discuti o problema – até hoje não resolvido – dos salários inferiores das mulheres que executam trabalhos iguais aos dos homens.

Todos estes pronunciamentos estão publicados e foram fartamente distribuídos para os grupos de mulheres, os Senadores e à população cujos endereços dispúnhamos.

 Organizei um simpósio sobre a questão do aborto para o qual foram convidadas pessoas das mais diversas posições e profissões. Antes de propor um projeto era necessário sentir as respostas de parcela da população. Vieram cientistas, antropólogos, pessoas de várias religiões, diversas instituições profissionais, pró e contra a interrupção da gravidez. A realização do evento se deu num dos auditórios do Senado, aberto ao público.   Logo alguns manifestantes se postaram com cartazes contrários ao abortamento, alguns com dizeres violentos, e gravuras de pseudo fetos despedaçados (aliás, divulgados na imprensa internacional pelos Pró-Vida). Houve até mesmo uma procissão, precedida por uma imagem religiosa de um grupo católico carismático, liderada por um padre.

O ambiente foi se tornando altamente agressivo e num determinado momento fui alertada pela Deputada Benedita da Silva que chamasse a segurança para me proteger. Confesso que não levei em conta o alerta e prossegui com o trabalho. Mas a Deputada tomou a iniciativa de chamar ela mesma a segurança. Felizmente o fez pois eu mal consegui sair do auditório salva pelos seguranças contra a turba que queria me agredir. Os Pró- Vida queriam acabar com a minha vida!

Como se vê a Democracia tem seus perigos.

Propor “Repensar o Brasil da perspectiva da mulher” (1994) foi o trabalho que propus realizar. Lendo agora, para escrever este texto, as palavras de despedida dos Senadores quando deixei aquela casa, creio ter cumprido a tarefa. Porém quero acrescentar que profundamente envolvida nos projetos, pronunciamentos, propostas, esqueci completamente que, se quisesse prosseguir na carreira política, deveria me preparar para fazer campanha.

 

Uma mulher na Presidência da República

Entender como atualmente uma mulher foi eleita para a Presidência da República demanda várias analises sobre o novo cenário que se desenha no país.   Apresento apenas uma.

  As pesquisas de opinião referendam a aceitação de se eleger uma mulher para qualquer cargo político. A sociedade brasileira já estava preparada para votar em uma mulher para a presidência. Depois de 50 anos de movimentos feministas a mulher entrou para o cenário político, adquiriu cidadania.  Mulher na política, em qualquer cargo, inclusive na Presidência da Republica, era um fato perfeitamente aceitável. Os movimentos de mulheres pavimentaram uma aceitação cultural da presença da mulher em cargos políticos.

Indicada pelo Presidente Lula, que saiu da Presidência com uma aprovação de mais de 80%, Dilma surgiu com aval extraordinário. Política experiente nas intervenções ministeriais, proveniente de cargos decisivos em governos estaduais, ela não tinha, supunha-se, experiência nas articulações políticas no setor executivo. Eleita, Dilma, a cada dia, desmente a suposição de que não teria competência e independência política.

Surpreende o número de ministras que ela indicou. Trata-se de uma inovação histórica pela presença feminina em cargos como planejamento, economia, direitos humanos, meio ambiente.

Demissões em massa de funcionários e políticos acusados de corrupção, o governo da Presidenta foi batizado pela mídia com um epíteto bem “doméstico”: Dilma faz uma faxina. Faxina, aliás, esperada pela população e supostamente própria à ação feminina cuja imagem é de limpeza e de honestidade. A ironia se transformou num valor para a população brasileira. Vale a pena aguardar o desdobramento dos fatos.

Revendo este período observa-se um processo cumulativo, crescente. Muito falta implantar, a igualdade de gênero está longe, porém, mais perto do que há cinquenta anos.

Através da ética feminista, do saber acadêmico e popular já se vislumbra no horizonte maior justiça social.

 

Nota biográfica

Eva Alterman Blay, Professora Titular , Departamento de Sociologia,Universidade de São Paulo.   Professora do Curso de Pós Graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Publicou vários livros sobre violência contra as mulheres, trabalho feminino, habitação operária, imigração judaica e direitos humanos.

eblay@uol.com.br


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 PIINTO, CELI. 1994. apud  Ana Alice Alcantara:2005: 265.

 PIINTO, CELI  (1994) apud  Ana Alice Alcantara:2005: 265.

 

Notas:. Resumo desse texto foi apresentado no Second ISA Forum of Sociology  “Social justice and democratization”. Buenos Aires, Argentina,August 1-4, 2012

 

 

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