labrys,
estudos feministas / études féministes
O ciberfeminismo nunca chegou à América Latina* [1] Tatiana Wells resumo : Trata-se de uma investigação sobre o ciberfeminismo ,questões de gênero e tecnologia no Brasil. palavras-chave: mulheres,tecnologia, gênero, ciberfeminismo, software livre
Surgido como uma forma de ativismo digital, com a expressividade e uma (im)possível linguagem feminina, o ciberfeminismo nasceu em um contexto europeu dos anos 90, com o termo cunhado na Austrália em 1991, pelo grupo VNS Matrix ao divulgar o "O Manifesto Ciberfeminista para o século 21), uma homenagem à téorica social-feminista Donna Haraway, que em 1985 havia escrito "O Manifesto do Ciborgue" " [2] um olhar (multi)particular para a ciência e a tecnologia. Segundo a própria autora o ciborgue teria sido: "uma estratégia retórica, assim como método político" - ou seja, uma tática poético/política para o enfrentamento da sociedade tecnoautoritária e seus discursos, os quais são chamados por ela de "informática da dominação". Com o mesmo *ciber* otimismo da época, também manifestou-se o ciberpunk , [3]cultura ficcional norte-americana considerado muito próximo das questões ciberfemininas, no sentido de revelador de sub-culturas, alternativas e opostos vivendo em conflito dentro do sistema. Concebido como crítica aos discursos tecnoutópicos, o ciberespaço, tanto para punks quanto para feministas, inspiraria permitir um novo diálogo entre as diferenças. Segundo Sadie Plant o ciberespaço teria uma "essência" feminina, sendo um espaço natural para as mulheres, que desde sempre teriam vivido inconscientemente preparando-se para o momento histórico de sua construção. Como prova, cita Ada Lovelace, que pôde escrever sobre inter-processos inexistentes. As mulheres viveriam já há muito tempo conectadas, no mesmo modelo da Internet, em seus historicamente marginais locais de trabalho. Plant defende que as forças que estariam dissolvendo o mundo tradicional sob domínio do homem (com suas reivindicações por valores como universalidade, eternidade, objetividade e transcendência), acabariam forçando irresistivelmente o conexionismo feminino(4): "a abordagem da ordem-que-emerge-das conexões-múltiplas define a inteligência não mais como monopolizada, imposta, dada por uma força eterna, transcendente e superior, mas, em vez disso, desenvolvendo-se como processo emergente, engendrando-se a si mesma de cima para baixo" O ciberfeminismo aparece portanto sugerindo que o ciberespaço é um espaço próprio de articulação feminina. Para nós, meninas e mulheres que não só perderam a revolução feminina norte-americana dos anos 60, por entre a ditatura e o golpe permanente do ologopólio da comunicação, mas que têm no imaginário o antropofagizar do Outro, o eu ser você e você ser nós, parece ser mesmo com muita naturalidade que nos conectamos livremente, de formas cooperativas e não-sistemáticas. Pois flui menos das instituições e dos movimentos sociais organizados verticalmente, do que dos projetos independentes em rede, que se unem sob a bandeira *livre* (software livre, conteúdo livre, rádio livre), os complexos horizontes de enfrentamento e liberdade do novo cotidiano político digital, em permanente construção. O feminismo surge inicialmente como uma forma de lutar contra uma causa específica, um ativismo que é entendido como alternativa às consequências da sociedade patriarcal. No entanto, rapidamente adquire cores de movimento social, permitindo-se com o passar do tempo ser atingido pelo fluxo de relações existentes na sociedade, deixando-se mover também pelo enfrentamento de quase todo tipo de dominação, assim como propondo ações e espaços de reflexão em quase todos os campos da existência humana. As organizações de mulheres (não somente as chamadas feministas) são sobretudo rizomáticas, beneficiando-se de sua capacidade de tecer redes interdisciplinares, de networking, uma prática como já visto, considerada por muitas estudiosas feminina. Suas conexões por afinidades, mais do que por identidades, as unem sob diversas e variadas lutas sociais. Suas conquistas falam menos de uma união pelo (( sexo )) do que força de mobilização global frente a todo tipo de abuso: militarismo, fundamentalismo, capitalismo, as armas que suportam estes processos - como sistemas de satélite, robôs-soldados, monopólio de mídia global e demais mazelas do mundo influenciado por tais paradigmas. (5) Para citar somente uma vertente do feminismo, uma que reconhece a relacão entre a opressão das mulheres e a degradação da natureza, o eco-feminismo, vê-se que ele carrega em si diversas bandeiras, como a luta contra o sexismo, racismo e outras desigualdades sociais, através de um entendimento maior das inter-relações entre homens e mulheres, e entre os seres humanos e os movimentos ambientais, (6) dando subsídios intelectuais para um modo mais efetivo de viver e de respeitar a diferença. Outro indicador da multifacetadas causas femininas é a Marcha Mundial das Mulheres, que no dia 8 de março de 2004 reuniu mais de 50.000 mulheres que levavam uma carta, a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade. A carta contém 17 reivindicações, entre elas leis para a eliminação da pobreza, um fundo social global, o cancelamento da dívida de todos os países do terceiro mundo, e direito de asilo às vítimas de discriminação sexual, abraçando outra miríade de causas. (7) Segundo Anita Gurumurthy (8) as causas feministas estariam revelando não somente os impactos da globalização, mas de que ele é de fato constituído, fazendo as conexões entre as experiências e os processos institucionais. Ela sugere que o processo de produção na economia global de informação característico de um mercado de trabalho frequentemente segmentado por distinções de gênero e raça, teria sido instrumentalizado pelo sistema de propriedade intelectual, ferramenta que *comodificou* o conhecimento social permitindo que apenas certos tipos de conhecimento fossem reconhecidos e implementados.
Com a necessidade da Revolução Industrial de um número cada vez maior de força de trabalho, e com a dimunição do tamanho e automatização do maquinário, buscou-se um trabalho menos braçal, mais ágil, e é claro, porquê não? Mais barato! É nesse contexto, entre outras particularidades da epoca, que às mulheres impõe-se um salário 60% menor do que dos homens, junto a uma jornada de até 18 horas de trabalho (mais ou menos das 5 da manhã às 11 da noite), sem direito a aumento salarial ou mesmo descanso dominical. Em 1857, quando as 129 trabalhadoras tecelãs da Fábrica Téxtil Cotton de Nova Iorque se recusam a trabalhar, patrões e políciais não querem saber de reinvidicações: trancam as portas da fábrica e ateam fogo, onde morrem asfixiadas e carbonizadas todas as 129 tecelãs. À mesmo época, em 1834, desponta na Inglaterra as descrições da primeira máquina de computar, a engenhoca analítica, cuja capacidade de analisar dados foi escrito por Ada Lovelace. Seu plano de calcular pode ser considerado o primeiro programa de computar. Auto-intitulada metafísica e analista, Ada era também filha do poeta Byron. Três séculos depois, em 2004, no curso de Ciências Computacionais da USP (Universidade de São Paulo), há 3 meninas para uma turma de 50 meninos (9). O fato é que desde a entrada das mulheres no mercado de trabalho, até os dias de hoje, elas continuam predominando na linha de montagem, nos trabalhos manuais, no comércio ao balcão, no campo colhendo, nas TVs à frente das câmeras. Raramente as mulheres têm a oportunidade de conhecer o funcionamento de uma máquina, muito menos ainda conhecer o seu software, ficando restritas à execução do que foi decidido por outrem. (10) Outras saltam da caixa preta.(11) Existe uma longa tradição de atuacão de organizações não-governamentais de mulheres e feministas nas áreas de meio-ambiente, saúde, direitos das mulheres e das crianças, assim como dos animais, e educação. Estas são as áreas consideradas críticas para a construção da autonomia da mulher. No entanto, ainda persiste um foco (míope) na sexualização e na vitimização das mulheres, ou seja, nos malefícios e consequências da dominação institucionalizada, que deve também co-existir com novas formas de como superar tais contextos. São pouquíssimas pesquisadoras e ativistas feministas que se dedicam, por exemplo, a temas como nanotecnologia, biotecnologia, transgenia etc, apesar de movimentos como o eco-feminismo, assim como a participação feminina é muito menor nas áreas consideradas "técnicas" como Internet e computação. Segundo Haraway, as tecnologias de comunicação e a biotecnologia seriam as ferramentas cruciais para o redesenho dos corpos femininos durante a época do capitalismo avançado. Em um momento em que estas invadem todos os campos da vida: a gênese, a beleza, arte e trigo, popularizando seus discursos técnico-científicos, seus processos, objetos e sujeitos automatizados, criando novos espaços e instrumentos de dominação - é mais do que urgente que mais mulheres comecem a dominar esses campos estratégicos, não só refletindo e politizando essa rápida expansão, como também questionando-a, tirando-a do domínio exclusivo do privado e masculino, devolvendo as ciências às causas populares e transversais, que são também as femininas. Vale lembrar que a ciência tem sido, desde o começo da história, ao lado da igreja, produtora de conhecimento, e consequentemente, autoridade. Estando hoje ela a favor das necessidades do capital "não somente para gerar lucro, mas para não gerar nenhum conhecimento ou aplicação que possa ser detrimental para a manutenção e/ou expansão do sistema (...) a ciência constrói uma retórica de promessa, oriunda dos princípios políticos iluministas, e pode causar erros abomináveis como a eugenia." (12). Segundo Laymert Garcia a biotecnologia seria a "possibilidade de converter algo que tinha de direito um valor ambiental em algo que pode ter de fato um valor econômico (...) uma conversão de um valor a outro (...) um modo especial de destacar a biodiversidade dela mesma. Como a luta pela diferença, pelo diverso e pelo ecológico são lutas tradicionalmente femininas, é importante que estejamos atentas para esse re-desenhar sem volta da vida humana. (13)
Engenharia ou modificação genética pode ser considerada como a alteração do código genético por meios artificiais, ou a criação de monstros - para nos afastar da natureza e afastá-la de nós. É portanto radicalmente diferente de um cruzamento seletivo tradicional. Um exemplo é pegar um gene que produz veneno da cauda de um escorpião, e combinar com o de um repolho. Os repolhos geneticamente modificados matam as lagartas pedradoras porque aprendem a gerar veneno de escorpião, um inseticida, em sua seiva. No site (14) que descreve esta e tantas outras experiências genéticas (genes humanos em ovelhas para desenvolver resistência a uma doença de pulmão, uma galinha com quatro pernas e sem asas, (você come no KFC? hum...nhami!) ou um bode com genes de aranha para criar seda em seu leite, também encontra-se o quase alegre (e perigoso pós-humanista) alarme: se "revolução digital modifica o que fazemos, engenharia genética modifica o que somos!" No Brasil, com a constatação pelas organizações feministas que trabalhavam justamente com as novas tecnologias e o tema saúde (em assuntos como bioética, reprodução assistida, contracepção, transgênicos e genética) da falta de um amplo debate sobre tais questões, começa no meio dos anos 90, um movimento para publicizar o assunto, cuja importância é absurdamente velada por grande parte da mídia, e consequentemente da sociedade. Um exemplo foi o debate intitulado "Sob o signo da bios", promovido pelas ONGs feministas CEMINA e CRIOULA (15) durante o ano de 2004. No entanto, muitas dessas organizações ainda sofrem de uma enorme desvantagem em conhecimento prático e político em relação às novas tecnologias de comunicação e informação. CEMINA, de novo, é outra exceção, trabalhando com mulheres e rádio por todo o país, com foco no interior do estado de Pernambuco com a Rede Cyberella. Outro exemplo é a Rede Mulher de Educação (16), que desenvolve projetos que usam TIC com mulheres mais velhas. Aspectos sociais, econômicos e políticos da chamada "sociedade da informação" é o foco de outra organização feminista, a Rede DAWN (17), cujo foco para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (WSIS-World Summit on Information Society) desde 2002 é promover o debate de temas relacionados à cúpula sob a perspectiva de gênero, estimulando a participação da sociedade civil visando permitir que novas direções e sensibilidades, mais equalitárias, sejam incorporadas aos rápidos desenvolvimentos tecnológicos. Outros trabalhos que têm um foco mais abrangente e de base (grassroots), são curiosamente projetos que não usam os *rótulos* feministas, como o trabalho de linguagem inclusiva, quebrando e revelando os discursos linguísticos dominantes em textos, e o projeto do servidor de mulheres Biroska do CMI-mulheres (18), uma máquina construída para e por mulheres, que visa dar apoio logístico para suas organizações, com listas de discussão, hospedagem de sites e desmistificação de informações técnicas publicadas dinamicamente online. Ou as oficinas de mídia livre para meninas do grupo G2G (19), Faça-você-mesm@, que visa empoderar mulheres e meninas que tenham interesse na cultura digital e nas tecnologias livres, com exemplos ilustrados de ações afirmativas em relação à produção de valores femininos, na intersecção de arte e tecnologia, e dando também sustento intelectual aos trabalhos culturais colaborativos de mulheres em mídia digital com o uso de softwares livres. Ao relacionar-se com diferentes agendas feministas e/ou femininas, assim como ajudando a mapear os trans-locais de lutas cotidianas das mulheres, juntando conhecimento e aptidões que podem ser usadas para presente e futura luta, em quase todas as esferas do cotidiano, estas são políticas de conhecimento. Trabalhos que também contextualizam a luta das mulheres pela descobrimento da tecnologia é o de grupos como LinuxChix (20), que há cinco anos vem dando apoio à mulheres interessadas no desenvolvimento profissional nas áreas de TI, assim como Gnurias (21) e o recente PSL-mulheres (22), todos visando superar o domínio histórico e soberano de homens na programação de softwares. Infelizmente, algumas dessas iniciativas, ao manter o foco no uso da tecnologia para o mercado de trabalho, gera muito pouca discussão sobre mulheres como usuárias de tecnologias, ou a cultura digital e suas importantíssimas conexões com os meios populares, que é sobretudo a realidade brasileira. Percebe-se então que não basta superar a segregação técnica, científica e digital corrente em nossa sociedade, e sim dar apoio à iniciativas que queiram trabalhar pelos direitos das mulheres de serem mais auto-confiantes tecnologicamente, mas também o de não quererem usar ferramentas corporativas, sabendo sobretudo contextualizá-las com a sua vida e prática cotidiana, e como ferramenta cultural e expressiva. Há que se dominar também o discurso que compõe as relações sociais, a linguagem, e o tempo social e individual das técnicas. Os softwares livres são apenas o primeiro passo. É quase um consenso entre os grupos que trabalham com as TCI que estas devem ser usadas para re:fundar a pluralidade dormente das conexões sociais. Outras experiências como os recentes festivais "Lady Fest Brasil" (23) em São Paulo e "Corpus Crisis" (24) em Brasília, os encontros de grupos de grafiteiras como TPM Crew (25)e Só Calcinha, que também usam Fotologs, entre muitos outros, como o e-zine Bendita (26)"mostrando histórias reais de violência contadas pelas mulheres para (...) acabar com o misticismo de que violência contra a mulher só é praticada em barracos sujos, por homens bêbados" mostram que existem muito mais manifestações femininas politizadas, que se utilizam das mais diversas mídias para se organizar e comunicar. São exemplos de formacões multi-disciplinares de mulheres também fora de qualquer modelo organizacional permanente, que não é mediado por nenhum veículo de comunicação comercial, beneficiando-se de ferramentas de comunicação online, e buscando um diálogo com atividades nas mais diversas áreas de atuação cultural da mulher, agregando muitas meninas que sequer ouviram falar de ciberfeminismo ou mesmo se encaixam nos diferentes feminismos existentes. "Conhecimento para a resistência feminina", ou como uma integrante do grupo Quitéria descreve em seu blog: canseidesersexy. (27)
Assim como o ciborgue de Haraway, essas formações híbridas, são influenciadas tanto pelos modos e métodos das sub-culturas de resistência, quanto pelos fenômenos de massa (como britney beijando madonna sugerindo falsamente mais liberdade sexual). Vale notar no entanto, o aspecto democratizador que Gilberto Freire descreve (28) ao falar das miscigenações étnicas fundadoras do povo brasileiro, e uma das razões porque vamos encontrar aparentemente tão longe do *ciber* e tão perto dos paradoxos da concentracão midiática no Brasil, o contexto criativo e ao mesmo tempo perverso das transformações pelas quais a mulher passa, ao se confrontar com a realidade em que vive. Pois é justamente nas áreas mais marginalizadas do país, nas favelas e nas periferias, que um renovado senso de cultura e linguagem emerge, no carnaval, samba, capoeira, funk, maracatu, bumba-meu-boi, hip hop, brega, candomblé, onde um rico hibridismo flore, primeiro proibido, e depois silenciado pela invisibilidade até a hora que possa ser inserido em uma lógica de mercado, rotulado e vendido, ou "descoberto" por artistas estabelecidos, muitas vezes estrangeiros. O funk (29), mais do que qualquer outra manifestação cultural brasileira, nos dá uma clara dimensão das relações ora conflituosas, ora amorosas dos gêneros que compõe a nossa sociedade. Ele nada mais é do que uma representação das condições de pobreza, violência econômica e indignação existente entre as mulheres pobres. O que é considerado pouco palatável pela elite, não é nada se comparado à realidade das várias periferias brasileiras e as condições precárias de vida de meninas e mulheres que tem nesse contexto o seu cotidiano. De acordo com a doutora em sociologia pela USP, Verónica Cortes, o funk representa um grupo social: "As letras, aparentemente sem conteúdo, mostram a realidade dessa população pobre. A fragilidade de suas vidas, devido à violência, causa a falta de perspectiva. Assim, o comportamento dessas meninas, durante os bailes funk, é apenas o retrato de uma classe marginalizada". Entendido como um espaço de construção de identidade coletiva, feita de forma autônoma, em que homens e mulheres tem papéis demarcados socialmente - exatamente como no mundo publicitário (mulher e cerveja= prazer para os homens), podemos perceber que o funk nos dá para cada Tati Quebra-Barraco uma Mãe Loira. Não existe nós e elas. O ciberfeminismo talvez nunca tenha chegado à América Latina, justamente por conta dessa relação simbiótica, aqui muito mais clara pois explícita e improvável, entre as diferentes culturas brasileiras, uma elitista, que se alimenta das manifestacões de afirmação do feminino brasileiro para dar Ibope às novelas e vender produtos, ao mesmo tempo que critica nos jornais tais manifestacões; e as vozes de várias MCs, que estão aí para acordar o establishment de sua hipocrisia, sem saber bem o porquê. O inimigo estaria então diluído, visibilizado e publicizado somente na hora do choque (que vende). Enquanto para vencer no mundo da sub-cultura você muitas vezes tem que se tornar o inimigo. Mais do que nunca faz parte da luta do imaginado e aqui construido (ciber)feminismo contemporâneo brasileiro não desejar produzir uma teoria total, profissional, convencional, de defesa ou amparo, com termos e ações definidoras, mas como Haraway mesmo fala em seu Manifesto, "uma experiência íntima de fronteiras, de suas construções e desconstruções." Muitas das participantes desses grupos que estão pensando as mulheres e a tecnologia, demonstram que sabem usar as temáticas e métodos feministas, como o de verbalizar o prazer, ou mobilizar discussões que são importantes à outros segmentos sociais, e criando ambientes festivos cognitivo-politícos, mesmo que não se considerem feministas. O aprendizado intelectual e experencial, assim como os projetos que tornam possível a reflexão sob a condição das mulheres e sua potencial autonomia em relação às relações dialógicas com os Outros, alteridade que deve ser reconhecida como legítima e relevante à vida humana, passará aos poucos, junto com o aumento do número de mulheres participantes, a co-habitar cada vez mais as novas redes que se conectam via Internet, que nada mais é do que um espelho filtrado economicamente das esferas sociais correntes. É também um espaço a ser ocupado. A nova luta das mulheres envolve desafiar a sua forçada modelagem sistemática, sejam nas leituras midiatizadas e distorcidas de nós mesmas, de nossos corpos e desejos, ou através da crise das jovens meninas. Como a tomada de microfone que a crise causa, e que demonstra coragem, princípio da mudança. É portanto crítico, assim como a abertura de espaços exclusivamente femininos que tenham uma estrutura conceitual de mobilização, ação e discussão aberta e pública, a criação de produtos culturais que possam envovê-las em processos transformativos, experimentais, fornecendo dicas para outras mulheres e meninas em situação (vero)semelhante. Questões como a ciência e a biotecnologia também têm que ser radicalmente incorporadas ao nosso trabalho, antes que o façam por nós e nos tente vender-nos a nós mesmas. (Isso já acontece com as sementes GM e com as campanhas pró-pseudo-escolha de filh@s). O feminismo não é uma palavra que nos une naturalmente, muitas mulheres já expressaram a necessidade de encontrar novas possíveis unidades, afinidades que não visem apagar as particularidades, ambiguidades e as contradições femininas e sim incorporá-las, como o ciborgue de Haraway, mito híbrido de todos e partes. Não há desejo ou possibilidades nos ciborgues de produzir uma teoria total. A filosofia da educação crítica se torna portanto crucial
para o nosso contexto brasileiro, ao mesmo tempo em que permite novas
sensibilidades, condições e conceitos fundadores, constituise como parte
de nossa luta pela possibilidade de vida humana plena, em positivo contra-ponto
ao atual processo de sofisticada desumanização do ser humano, e aos processos
de modelagem e reforma como os realizados no ciberespaço, nas TCIs e nas
biotecnologias. Fruto solitário e estranhamente delicioso dos contextos
históricos de nossa paradoxal sociedade, contrapondo à teoria feminista
pós-moderna, os mitos que ganham vida através da simbiose com o sistema,
muitas vezes para criticar o progresso e a apropriação da natureza e do
feminino como recurso de produção de cultura, outros para provocá-lo.
Meninas, a vida própria e plena faz-se urgente! Nota biográfica: Tatiana Wells, tem 30 anos e é formada em jornalismo
com mestrado em
[1] publicação "sob licença CC (creative commons) - permitida
a (*) Frase e texto de Cindy Flores, a nossa única ciberfeminista latina (méxico) em -> http://www.ciberfeminista.org?
[2] Para ler os textos ->
http://www.midiatatica.org/ip/index.php?id=8,48,0,0,1,0? + VNS Matrix
->
http://www.lx.sysx.org/vnsmatrix.html?
[3] Para se aclimatar com o gênero ciberpunk e a cibercultura,
6 livros para ler em ->
http://www.midiatatica.org/ip/index.php?id=8,36,0,0,1,0?
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